Monday, December 10, 2012

estética do domínio



tornaram bonitas as barrigas inchadas dos meninos pretos,
as moscas passeando pelas bocas dos famintos,
tornaram heróis quem lhes manda arroz à beira do prazo de validade,
quem usa na lapela um broche de caridade.

arrepiam-te os olhos esbugalhados da criança em sangue,
mas entorpece-te a habituação, toma-te uma certa vontade que se esgota
no anúncio do patrocinador do world press photo.


imunizam pela estética a revolta, volvendo-a piedade,
os ossos da miséria montam cadáveres pelos campos estéreis,
arrasados pelo napalm e fósforo da liberdade.

contemplação de um belo nascido do lodo que esconde
o que mais feio há na verdade.

que belo não é o choro, é o que o acaba.
não é a fome, mas o que alimenta.
belo não é o osso despido, mas a pele que o cobre,

belo não é carpir lamentações, é fazer revoluções.

(Miguel Tiago)

6 comments:

Justine said...

Este é um dos MUITO bons!

OUTONO said...

....tive o prazer de o referir antes da apresentação do livro do Miguel Tiago. O remate sublime deste poema, é um "golpe de mestre" de um escritor com alma.
Ousadamente o digo...belo é o Miguel Tiago, agora conhecido e lido...não carpir esperas e continuar também este revolucionar da escrita...em concreto da poesia.
Compreendo agora o lado do verbo ser ou estar, que o apresentador Sérgio referiu. Estar deste lado...é verdadeiro.
Desculpa o "lençol", amiga!

Agulheta said...

Excelente poema que chama as coisas pelo nomes,e desperta as mentes que brincam a caridade como antigamente.
Beijinho

Nilson Barcelli said...

Não conhecia.
Um poema igual a si próprio (julgo que é do actual deputado do PCP) e uma violenta crítica ao salazarismo, à colonização e à guerra, que nem poupava civis.
Um beijo, querida amiga.

Mar Arável said...

Poema para os filhos dos Homens
que nunca foram meninos

Luis Eme said...

sem dúvida.

temos de pensar seriamente na mensagem deste poema.

beijinhos Maria