Friday, August 22, 2025

Os Estivadores


Só eles suam mas só eles sabem
o preço de estar vivo sobre a terra
nessas mãos enormes é que cabem
as coisas mais reais que a vida encerra.
Outros rirão e outros sonharão
podem outros roubar-lhes a alegria
mas a um deles é que chamo irmão
na vida que em seus gestos principia.
Onde outrora houve o deus e houve a ninfa
eles são a moderna divindade
e o que antes era pura linfa
é o que sobra agora da cidade.
Vede como alheios a tudo o resto
compram com o suor a claridade
e rasgam com a decisão do gesto
o muro oposto pela gravidade.
Ode marítima é que chamo à ode
escrita ali sobre a pedra do cais
A natureza é certo muito pode
mas um homem de pé pode bem mais.

Ruy Belo

Thursday, August 21, 2025

Um Adeus Português


Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz dos ombros pura e a sombra
duma angústia já purificada

Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor

Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver

Não podias ficar nesta casa comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual

Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal

Não tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser

Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
e puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal

Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti

Alexandre O'Neill

Monday, August 18, 2025

POEMA DAS ÁRVORES

 
As árvores crescem sós. E a sós florescem.
Começam por ser nada. Pouco a pouco
se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.
Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.
Depois por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,
e então crescem as flores, e as flores produzem frutos,
e os frutos dão sementes,
e as sementes preparam novas árvores.
E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.
Sós.
De dia e de noite.
Sempre sós.
Os animais são outra coisa.
Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,
fazem amor e ódio, e vão à vida
como se nada fosse.
As árvores, não.
Solitárias, as árvores,
exauram terra e sol silenciosamente.
Não pensam, não suspiram, não se queixam.
Estendem os braços como se implorassem;
com o vento soltam ais como se suspirassem;
e gemem, mas a queixa não é sua.
Sós, sempre sós.
Nas planícies, nos montes, nas florestas,
a crescer e a florir sem consciência.
Virtude vegetal viver a sós
e entretanto dar flores.
António Gedeão, in 'Obra Poética'

Friday, August 15, 2025

SONETO DA ROSA

 
Mais um ano na estrada percorrida
Vem, como o astro matinal, que a adora
Molhar de puras lágrimas de aurora
A morna rosa escura e apetecida.
E da fragrante tepidez sonora
No recesso, como ávida ferida
Guardar o plasma múltiplo da vida
Que a faz materna e plácida, e agora
Rosa geral de sonho e plenitude
Transforma em novas rosas de beleza
Em novas rosas de carnal virtude
Para que o sonho viva da certeza
Para que o tempo da paixão não mude
Para que se una o verbo à natureza.
Vinícius de Moraes

Wednesday, August 13, 2025

A Fidel Castro

 
Fidel, Fidel, los pueblos te agradecen
palabras en acción y hechos que cantan,
por eso desde lejos te he traído
una copa del vino de mi patria:
es la sangre de un pueblo subterráneo
que llega de la sombra a tu garganta,
son mineros que viven hace siglos
sacando fuego de la tierra helada.
Van debajo del mar por los carbones
Y cuando vuelven son como fantasmas:
se acostumbraron a la noche eterna,
les robaron la luz de la jornada
y sin embargo aquí tienes la copa
de tantos sufrimientos y distancias:
la alegría del hombre encarcelado,
poblado por tinieblas y esperanzas
que adentro de la mina sabe cuándo
llegó la primavera y su fragancia
porque sabe que el hombre está luchando
hasta alcanzar la claridad más ancha.
Y a Cuba ven los mineros australes,
los hijos solitarios de la pampa,
los pastores del frío en Patagonia,
los padres del estaño y de la plata,
los que casándose con la cordillera
sacan el cobre de Chuquicamata,
los hombres de autobuses escondidos
en poblaciones puras de nostalgia,
las mujeres de campos y talleres,
los niños que lloraron sus infancias:
ésta es la copa, tómala, Fidel.
Está llena de tantas esperanzas
que al beberla sabrás que tu victoria
es como el viejo vino de mi patria:
no lo hace un hombre sino muchos hombres
y no una uva sino muchas plantas:
no es una gota sino muchos ríos:
no un capitán sino muchas batallas.
Y están contigo porque representas
todo el honor de nuestra lucha larga
y si cayera Cuba caeríamos,
y vendríamos para levantarla,
y si florece con todas sus flores
florecerá con nuestra propia savia.
Y si se atreven a tocar la frente
de Cuba por tus manos libertada
encontrarán los puños de los pueblos,
sacaremos las armas enterradas:
la sangre y el orgullo acudirán
a defender a Cuba bienamada.
Pablo Neruda
Canción de gesta, 1960



Tuesday, August 05, 2025

Hoje assinei pela Paz

 
Sob as altas árvores da Alameda
e uma jovem com olhos de esperança.
Junto com ela, outras jovens pediram mais assinaturas
e aquela hora foi como uma pátria iluminada
do amor ao amor, da graça pela graça,
de uma luz para outra luz.
Hoje assinei pela Paz.
E comigo, em cem países, cem milhões de assinaturas,
cem orquestras do mundo, uma sinfonia universal,
uma única canção pela Paz no mundo.
Hoje não assinei o poema nem os pequenos artigos,
nem o documento que te escraviza,
Eu não assinei a carta que não sente
nem a mensagem que durará um segundo.
Hoje assinei pela Paz.
Para que o tempo não pare,
para que o sonho não imobilize,
para que o sorriso seja alto e claro,
para que uma mulher aprenda a ver seu filho crescer
e os alunos do filho veem como sua mãe fica cada dia mais jovem.
Hoje dei uma assinatura, a minha, pela Paz.
Um mar de assinaturas que afogam e atordoam
ao industrial e ao político da guerra.
Uma onda gigantesca de assinaturas gigantescas:
o tremor da criança que mal balbucia a palavra,
que é uma rosa das lágrimas da mãe,
a assinatura da humildade – a assinatura do poeta.
Hoje aumentei em um o número mundial de assinaturas pela Paz.
E estou feliz como um adolescente apaixonado,
como uma árvore em pé,
como a primavera inesgotável
e como o rio com seu canto de cristais soberbos.
Hoje parece que não fiz nada
e ainda assim, dei a minha assinatura pela Paz.
A jovem sorriu para mim e em seus lábios havia uma pomba viva,
e ela agradeceu-me com seus olhos de esperança
e continuei meu caminho em busca de um livro para meus filhos.
Bem, lá estava a minha assinatura, precisa e clara,
ao pé do Apelo de Berlim.
Parece que não fiz nada
e ainda assim, acredito que multipliquei minha vida
e multiplicou os desejos mais saudáveis.
Hoje assinei pela Paz.
Efraín Huerta

Thursday, April 17, 2025

Hás de morrer de não me ver

 
Hás de morrer no meu olhar,
quando eu fechar os olhos cansados
de reter os meus versos,
em busca de outros versos diferentes,
igualmente diferentes,
ainda teus,
tão teus,
tão profundamente teus
que os amo
antes de os escrever,
antes até pensar que me era possível
escrevê-los.
Hei de morrer de não te ver.
Apunhalado por um vazio perfeito,
o mais significativo vazio,
representado na grande antologia dos vazios.
Morremos ambos de lonjura
e solidão.
Ceguinhos um do outro.
Habituados
à luz escura desta
ideia.

Joaquim Pessoa
(o Poeta com olhos de pássaro.
E todos os pássaros se calaram muito antes de anoitecer.)

Thursday, April 03, 2025

Salgueiro Maia

 

Aquele que na hora da vitória
Respeitou o vencido
Aquele que deu tudo e não pediu paga
Aquele que na hora da ganância
Perdeu o apetite
Aquele que amou os outros e por isso
Não colaborou com sua ignorância ou vício
Aquele que foi «Fiel à palavra dada à ideia tida»
Como antes dele mas também por ele
Pessoa disse
Sophia de Mello Breyner Andresen
(Salgueiro Maia deixou-nos no dia de hoje, em 1992

Saturday, March 29, 2025

I Encontro da Canção Portuguesa

 
No dia de hoje, há 51 anos, houve um concerto muito especial no Coliseu. Nessa noite respirou-se melhor!
Foi o I Encontro da Canção Portuguesa, que contou, entre outros, com José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Fausto, Manuel Freire, José Jorge Letria, Carlos Paredes, Vitorino, José Barata-Moura, Carlos Moniz, Maria do Amparo, Fernando Tordo, Ary dos Santos, sendo que outros foram impedidos de atuar.


"A última grande manifestação cultural de massas do tempo da ditadura aconteceu em Lisboa, a 29 de Março de 1974. Na véspera, Marcello Caetano dirigira aos telespectadores mais uma (a última) das suas «Conversas em Família» [1]. À noite, o Coliseu dos Recreios abriu as portas para o primeiro e o mais histórico dos encontros ao vivo da música portuguesa. Organizado pela Casa da Imprensa, marcou de forma inequívoca o fim próximo do regime. José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire, Fausto, José Jorge Letria, Carlos Paredes, Fernando Tordo, José Barata-Moura, Ary dos Santos e Vitorino são os nomes principais da ”festa”, autorizada depois de algumas diligências nada fáceis por parte da Casa da Imprensa.
Com a lotação esgotada desde muitos dias antes, o Coliseu transforma-se num imenso coro de cinco mil vozes dispostas a cantar bem alto o outro lado da realidade permitida. Há agentes da PIDE por todo o lado, ninguém o ignora. O espectáculo tarda a começar porque Adriano não tinha enviado os textos ao “exame prévio” da Censura. A situação acabará por resolver-se graças a dois censores “casualmente” de serviço na plateia do Coliseu que, ali mesmo, decidem quais os temas que podem ou não ser ouvidos.
Quando finalmente tem início o “desfile”, é a apoteose. Primeiro com alguns equívocos, como aconteceu durante a primeira parte da actuação de José Carlos Ary dos Santos, recebida com uma chuvada de apupos por parte do público. Mas a força da sua poesia impôs-se e quando debitou «SARL, SARL, a pança do patrão não lhe cabe na pele» já ninguém tinha dúvidas de que aquele homem era efectivamente dos nossos...
Depois, foi o grande coro colectivo, a culminar com os cinco mil espectadores, de pé, a entoar os versos de «Grândola, Vila Morena», ironicamente a única canção de Zeca a passar integralmente as malhas da Censura. E é o seu grande impacto na noite de 29 de Março que irá determinar a sua escolha para senha do Movimento das Forças Armadas, na noite de 24 para 25 de Abril.
______________________
[1] «Conversas em Família» era a designação das intervenções televisivas que Marcello Caetano efectuava regularmente. Tratava-se de discursos previamente escritos, mas lidos como se fossem improvisos. Para esse efeito, a RTP comprou o seu primeiro teleponto.
______________________
Viriato Teles, As Voltas de um Andarilho – Fragmentos da vida e obra de José Afonso, 2.ª edição, Lisboa, Assírio & Alvim, 2009, pp.134-135."


Wednesday, March 26, 2025

Natureza

 

Uma folha com uma gota de água. Doze formigas a matarem a sede.
O que surpreende é que as formigas se dividiram em 4 grupos de 3, para equilibrarem a folha por forma a que a gota de água não caia.
As pequenas maravilhas da Natureza não deixam de surpreender. Este é o tipo de coordenação que precisamos entre as pessoas para avançarmos como Sociedade.

Monday, March 24, 2025

Concerto "O Povo e uma Guitarra" - Centenário de Carlos Paredes


Fórum Lisboa cheio para homenagear Carlos Paredes no ano em que se comemora o seu centenário. 🎵🎶Honrar a memória de Carlos Paredes é promover a sua genial e extraordinária obra, a sua vida de homem, de músico, de militante comunista, um símbolo ímpar da Cultura e da música portuguesa. O ponto alto das comemorações do PCP, o Concerto "O Povo e uma Guitarra" contou com a participação de vários artistas e músicos de renome que trouxeram ao Fórum Lisboa a sua criatividade, o seu trabalho e a sua arte.

Monday, March 17, 2025

Tomada de posse do Conselho da Revolução

 
Há 50 anos, a 17 de março de 1975, tomava posse o Conselho da Revolução, um órgão que centralizava competências políticas e militares e respondia à questão da institucionalização do Movimento das Forças Armadas (MFA).

A partir desta data, o Conselho da Revolução passa a reunir competências que anteriormente pertenciam à Junta de Salvação Nacional, ao Conselho de Estado e ao Conselho dos Chefes dos Estados-Maiores (governo das Forças Armadas). Tornava-se assim um órgão de topo da estrutura político-militar que reunia funções tão diversas como o governo das Forças Armadas, a fiscalização da atividade do governo e o acompanhamento da conformidade da atividade governativa com o Programa do MFA.

Para além do Conselho da Revolução, a institucionalização do MFA compreende também a formalização da Assembleia do MFA, um órgão colegial de representação do Movimento, tendo em vista o acompanhamento da situação político-militar do país.

#25deAbril #50anos25abril #50x2 #FitaDoTempo

daqui: https://www.instagram.com/p/DHSpQ8FiBa8/

Sunday, March 16, 2025

O Grande Irmão já está aqui, da polícia alemã aos EUA. A usar os judeus como arma

 (Este texto é perturbador. A causa de Israel e a suposta luta contra o antissemitismo estão a ser usadas nas “democracias” ocidentais para cercear os direitos civis, mormente a liberdade de expressão e manifestação. É esta a denúncia da autora que, ao que parece, acaba também de ser silenciada pois diz que a sua coluna no Público termina por ora. Junta-se, assim, ao Viriato Soromenho Marques, já silenciado no Diário de Notícias. E viva a democracia…

Estátua de Sal, 16/01/2025)


Daniel Day no topo do Big Ben com a bandeira da Palestina

1. O dia 8 de Março de 2025 — sábado passado — dava um livro. Pouco antes das 7h30, hora de Londres, a polícia de Sua Majestade foi chamada porque um homem escalava o Big Ben descalço com uma bandeira da Palestina. E por mais de 16 horas manteve-se lá, a 25 metros, agarrado à torre, fazendo flutuar a bandeira, pés em chaga como um Cristo. De nome judeu, aliás, porque o Cosmos tem sempre os melhores argumentistas: Daniel Day. Valeu, Daniel.

Este 8 de Março já era dele. Mas durante o tempo em que ficou lá em cima, o céu sobre Berlim e sobre a Casa Branca deu ainda mais sentido àquela escalada, aquele alegre sacrifício. Porque pelas 17h30, hora alemã, a polícia com a palavra POLIZEI incandescente no blusão dava murros na cara dxs manifestantes do 8 de Março, Dia Internacional da Mulher. Não de todas, claro, só dxs que tinham keffiyehs e bandeiras palestinianas, por não separarem a luta pela sua liberdade da liberdade da Palestina. Vi muitas imagens no Instagram, falei com pessoas que lá estavam. Uma delas, portuguesa, foi-me apresentada por um palestiniano. Eles conheceram-se na Europa como aprendizes de luthiers: fazem violas, violinos, violoncelos. Eu conhecera-o em Ramallah. Quando voltei lá depois do 7 de Outubro, passei o Ano Novo com a família dele, então antes da meia-noite ele fez uma chamada-vídeo para apresentar aquelas duas pessoas portuguesas, uma moradora em Berlim, a outra ali ao lado. Foi assim que vi Consti a primeira vez. E neste 8 de Março ali estava a mesma cara nos vídeos com a POLIZEI. Consti levou murros, pontapés, pisadelas da polícia, ficou a sangrar, nariz e boca, a companheira foi brutalmente algemada, revistada e detida, ficou a precisar de tratamento médico.

A violência estatal alemã anti-Palestina tem crescido desde o 7 de Outubro, já carregara sobre os manifestantes na Universidade de Humboldt, e tantos outros. Mas eu nunca tinha visto a POLIZEI da maior potência da UE como agora. Pessoas indefesas e já imobilizadas, algumas a sufocar, a tentarem proteger-se com as mãos, esmurradas como um saco de boxe, arrastadas pelo chão. Bom dia, boa noite, António Costa, um comentário? Nossos governantes parceiros dos alemães, nada?

2. Mas este 8 de Março ainda estava longe de acabar. Porque enquanto Daniel continuava empoleirado e descalço na madrugada gélida de Londres, e as feministas dormiam feridas em Berlim, na Costa Leste dos EUA já era noite mas ainda hora para a polícia de imigração, a ICE, ir prender Mahmoud Khalil à sua residência da Universidade de Columbia, NYC, diante da mulher grávida de oito meses. Sem mandado de captura, e levando-o de imediato para um estado a milhares de quilómetros, o Luisiana. Um rapto oficial.

Trump celebrou com post. Atribuiu a Khalil actividades “pró-terroristas, anti-semitas, anti-americanas” e fez saber que aquela prisão, antecedendo deportação, seria “a primeira de muitas”. A ordem fora dada pelo Secretário de Estado Marco Rubio, invocando uma cláusula remota, raramente usada, para ameaças à segurança dos EUA. Acusam Mahmoud de ser pró-Hamas sem provas. Ele acaba de completar o mestrado, é residente permanente com Greencard, já passou pelo escrutínio de uma organização inglesa com quem trabalhou. É preso agora apenas por ter sido um dos líderes dos protestos de Columbia contra a guerra em Gaza, pelos direitos palestinianos. Porque para o Grande Irmão de 2025 os direitos palestinianos são terrorismo.

3. Mahmoud Khalil é fruto da limpeza étnica de 1948, quando Israel foi fundado e centenas de milhares de palestinianos foram forçados a fugir. Os avós de Khalil eram da Galileia, de uma aldeia perto de Tibérias, então fugiram para a Síria. Duas gerações depois Mahmoud nasceu num campo de refugiados do sul de Damasco. Portanto, um daqueles milhões de humanos que Israel continua a transformar em refugiados mal nascem. Alguns conseguem ir para fora, depois ficar residentes, como Mahmoud, agora casado, prestes a ser pai. Já enfrentara a repressão dos protestos em Columbia e com Trump tudo piorou (no terreno fértil para isso deixado por Biden e pela maioria dos Democratas). Trump cortou 400 milhões de dólares de apoio a Columbia. Dias antes de ser preso, Mahmoud avisou Columbia que corria riscos. Em vão. A polícia pôde ir lá raptá-lo. E Columbia anunciou entretanto expulsões de outros estudantes pró-Palestina, em vez de os proteger. É o futuro da universidade que está em jogo. A liberdade de expressão da Primeira Emenda. A democracia, em alerta vermelho. Mahmoud Khalil é já o primeiro prisioneiro político da era Trump/Musk. Em nome de uma suposta protecção aos judeus.

Milhares de judeus lutam contra isso, e depois da prisão de Mahmoud tomaram o átrio da Trump Tower, quase 100 foram presos. Camisas ou cartazes diziam: “Não Em Nosso Nome”, “Nunca Mais É Para Toda a Gente”, “Parem de Armar Israel”, “A Oposição ao Fascismo É Uma Tradição Judaica”, “Liberdade para Mahmoud, Liberdade Para a Palestina”. Recusam, assim, serem os judeus úteis de Trump, as vassouras da dissidência. Porque a Trump — avisam biógrafos — não interessam os judeus. A Trump, narciso colossal, interessa Trump, a sua glória, a sua estátua de ouro no mundo. Os reféns interessam-lhe (felizmente para vários libertados) como o anti-semitismo lhe interessa: enquanto for útil.

E nada alimenta tanto o anti-semitismo como o Estado de Israel, hoje a maior ameaça para os judeus do mundo. Quase como se um anti-semita estivesse a puxar os cordéis por trás de Israel. Se alguém montasse uma conspiração não faria melhor. Israel é detestado nas ruas do mundo: eis o desfecho do sionismo. Os judeus dos nazis e de há séculos — os perseguidos, os exterminados — são hoje os palestinianos. E toda a gente que esteja com eles, de Berlim aos EUA, está sob mira, ou já atacado. Porque judeus, palestinianos e quem quer que os defenda são ratos de laboratório para o Grande Irmão.

4. Entrámos na segunda semana de Março com dezenas de milhares na Cisjordânia a deambularem por montanhas de lama e entulho, sem terem para onde ir em pleno Inverno, porque Israel acaba de lhes destruir as casas. Enquanto em Gaza continua a impedir toda a entrada de comida e ajuda. “Isto não é um cessar-fogo. É um abrandar da violência militar mas a morte pela fome”, disse Michael Fakhri, relator da ONU para o Direito à Alimentação. Ao mesmo tempo que o Conselho de Direitos Humanos da ONU apresentava uma investigação: Israel cometeu “actos genocidas” em Gaza, atacando a saúde materna, neo-natal, reprodutiva; e pratica violência sexual e de género, incluindo violação. Ontem vi o testemunho de um palestiniano a quem os soldados urinaram em cima e violaram com um pau. Mais um.

Antes, tinha visto o directo que o “Democracy Now” (um tesouro do jornalismo audiovisual) conseguiu fazer com dois médicos voluntários no Nasser Hospital de Khan Yunis, Gaza. Um deles, Mark Perlmutter, é judeu americano. Já o tinha ouvido dizer que a sua experiência de 40 missões em 30 anos, toda somada, “não se compara com a carnificina” que viu na primeira semana em Gaza, as crianças desfeitas, ou atingidas com precisão no peito pelos “melhores snipers do mundo”. E agora contou o que aconteceu com um seu colega palestiniano cirurgião ortopédico de crianças, levado pelas tropas de Israel em Fevereiro de 2024, libertado há pouco. Partiram-lhe os dedos, danificaram os nervos das mãos com que opera, mostraram-lhe fotos da esposa dizendo como a iam violar em grupo se ele não admitisse ser do Hamas. Onde estão os médicos de Israel? Que juramento fizeram?

Entretanto, a palestiniana Educational Bookshop, em Jerusalém Oriental, foi de novo invadida pela polícia, que desta vez deteve Imad Muna, 61 anos, a quem comecei por comprar cadernos e jornais há mais de uma geração. Na pilha dos livros confiscados estavam Joe Sacco, Rashid Khalidi, Noam Chomsky, Ilan Pappé.

Lembro-me da indignação de tantos liberais por se mexer em livros em nome do politicamente correcto: subscrevo, sempre estarei contra. E agora, que não é um parágrafo, é mesmo a caça às bruxas, é mesmo o Grande Irmão: vão defender a liberdade?

A propósito de Daniel Day, com os pés em chaga no Big Ben, também pensei nos vendilhões do Templo. E hoje mesmo li que Israel e os EUA tentaram vender os palestinianos de Gaza ao Sudão e à Somália.

Gaza é o marco do nosso tempo. Nunca mais desde o rio até ao mar.

*Esta coluna para aqui por tempo indeterminado.

(Por Alexandra Lucas Coelho, in Público, 15/03/2025)

O "golpe das Caldas"


Há 50 anos, tinha lugar o levantamento militar do Regimento de Infantaria n.º 5, das Caldas da Rainha. Este haveria de revelar-se uma saída em falso, mas de grande utilidade para o sucesso do Golpe militar de 25 de Abril: permitiu aos Capitães identificarem e corrigirem falhas.​
A 16 de março de 1974, forças fiéis ao Governo neutralizaram rapidamente estes homens, devido ao seu isolamento e falta de coordenação com os outros setores do Movimento das Forças Armadas. Cerca de 200 militares acabariam presos. No entanto, o Movimento não desarmaria.​
Do Golpe das Caldas resultará uma intensificação da ação conspirativa, agora com redobrada vigilância, do ponto de vista militar e do ponto de vista político. E com sucesso: dali por 40 dias, seria impossível ao regime manter-se de pé.
 
50anos25deabril - Instagram

Thursday, March 13, 2025

Eduardo Diniz de Almeida



https://www.instagram.com/p/DHIhha9Ndg9/ 

Eduardo Diniz de Almeida (1944-2021), oficial de Artilharia, membro do Movimento das Forças Armadas (MFA), político e ativista social.

Natural de Lisboa, foi um dos fundadores do Movimento dos Capitães, tendo sido eleito para a sua comissão provisória na Reunião de Alcáçovas de 5 de setembro de 1973. Por este motivo, foi compulsivamente transferido para Penafiel e, posteriormente, para a Figueira da Foz.

Na madrugada do dia 24 para o dia 25 de Abril de 1974, comandou uma bateria de obuses do Regimento de Artilharia Pesada n.º 3, da Figueira da Foz, integrada no Agrupamento Militar Norte que marchou para a conquista do Forte de Peniche.

Após o 25 de Abril, é destacado para o Regimento de Artilharia n.º 1, em Lisboa, (RAL1 ou RALIS), unidade onde se mantém durante o processo revolucionário e que ficou conhecida pela sua permeabilidade à extrema-esquerda revolucionária.

Na manhã de 11 de Março de 1975, o RAL 1 é alvo de um ataque de forças para-quedistas da Base Aérea de Tancos. Diniz de Almeida comanda a defesa da unidade e protagoniza uma das cenas icónicas desse dia ao estabelecer um diálogo com um oficial das forças para-quedistas sitiantes, captado pelas câmaras da RTP.
Mais tarde, no contexto dos acontecimentos do 25 de Novembro, procurou mobilizar forças militares em torno do RALIS, para se oporem às forças comandadas desde o Palácio de Belém pelo Presidente da República. A 26 de novembro apresenta-se na Presidência da República, onde recebe ordem de prisão. Após vários meses preso, foi libertado e ilibado dos processos nos quais tinha sido indiciado.

Após o período revolucionário, continuou a sua atividade política e social, formou-se em Psicologia Clínica e Medicina Dentária, áreas em que fez assentar o seu trabalho voluntário. Foi ainda vereador pela Coligação Democrática Unitária em Cascais (2001-2005).

O jornalista Artur Portela Filho chamou-lhe «Fittipaldi dos Chaimites», devido às movimentações de blindados que dirigiu durante a Revolução.

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Wednesday, March 12, 2025

Assembleia do MFA


Há 50 anos, na manhã de 12 de março de 1975, terminava a reunião da Assembleia do Movimento das Forças Armadas (MFA) convocada de emergência para discutir as implicações da tentativa de golpe do 11 de Março.

Receberia posteriormente o epíteto de «Assembleia Selvagem». As decisões que dela saem marcam os capítulos seguintes da experiência revolucionária portuguesa. Assim, a Assembleia do MFA decide a favor da instituição de uma comissão de inquérito aos acontecimentos do dia 11 de março; delibera a manutenção de eleições no prazo previsto pelo Programa do MFA; a remodelação do governo, tendente à persecução de uma política económica de pendor revolucionário; e a institucionalização do MFA, através da constituição do Conselho da Revolução.

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