Wednesday, August 31, 2011

Lembrar Vinicius


Operário em construção

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
- "Convençam-no" do contrário -
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

Vinicius de Moraes


Monday, August 29, 2011

As horas e o tempo


Sentada na areia fico a olhar o mar
Deixando que no rosto me sopre o vento
Ao fundo um barco, sei-te a navegar
E fico perdida nas horas e no tempo

Navega o barco sem rumo e sem rota
E sentada fico, de cabelo ao vento
Chega a noite e a esta hora morta
Estou perdida nas horas e no tempo

Regressas de manhã com o nascer do sol
No barco empurrado pela vaga e pelo vento
Foram-se as estrelas que me serviram de lençol
Porque me perdi nas horas e no tempo.

Sunday, August 28, 2011

Música para um domingo



Praça da Revolução




De Cuba traigo un cantar hecho de palma y de Sol,
Cantar de la vida nueva y del trabajo creador.

Traigo un cantar de mi Cuba
De Cuba traigo un cantar

De Cuba traigo un cantar para el ensueño de dos,
Cantar para la esperanza para la luz y el amor.

Traigo un cantar de mi Cuba
De Cuba traigo un cantar

De Cuba traigo un cantar escúchalo está mejor,
Vibrá la campana alegre de la alegría mayor.

Traigo un cantar de mi Cuba
De Cuba traigo un cantar

De Cuba traigo un cantar donde nace la pasión,
De la más honda ternura y del más tierno calor.

Traigo un cantar de mi Cuba
De Cuba traigo un cantar

De Cuba traigo un cantar para tu dulce candor,
Para decirte hasta luego con esta dulce canción.



Pintura de Che no Mercado do Artesanato, Havana.


Friday, August 26, 2011

Viagem a Cuba XV



Esta visita ao Memorial onde se encontra Che Guevara é feita em silêncio.












Entrada para o local do Memorial onde se encontram as ossadas de Che Guevara e dos 38 guerrilheiros que o acompanhavam. Cá fora, o mesmo número de palmeiras ergue-se para o céu, misturando o verde dos ramos com o azul, dançando ao sabor do vento. Sempre o simbolismo. Sempre 'la palma'...
Este local, no interior, tem pouca luz. A um canto, muita vegetação, simbolizando a Sierra Maestra. As gavetas onde se encontram as ossadas dos guerrilheiros têm um foco de luz a incidir sobre as mesmas. É a única luz existente. O foco que incide sobre a gaveta de Che Guevara tem a forma de... uma estrela...





Santa Clara e Che Guevara misturam-se. Uma não existe sem o outro. É uma cidade acolhedora e muito bonita, que ficou no meu coração. Hei-de voltar, conforme te prometi, Nelson!





Estou a chegar ao fim da viagem. Depois de Santa Clara voltámos a Havana por mais quatro dias. Para matar saudades. Para ver amigos. Para o último gelado na Copélia. Para vermos o que não tinha sido visto ou saboreado. Para o último mojito no 26º andar do Hotel Habana Libre e vermos a cidade de noite. Imensa e luminosa! Para deixarmos lá tudo o que pudemos deixar. Que não nos faz falta e que aos cubanos amigos dá muito jeito... Para...

Thursday, August 25, 2011

Pequeno poema

Klimt, Mãe e Filho

Quando eu nasci,

ficou tudo como estava.

Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...

P'ra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe...

(Sebastião da Gama)

Tuesday, August 23, 2011

Viagem a Cuba XIV


Uma tempestade de granizo a caminho de Santa Clara, que nos obrigou a parar e aguardar que a mesma passasse...



Chegada a Santa Clara



Uma das muitas ruas bonitas de Santa Clara



Câmara Municipal da cidade



Praceta principal da cidade, Vidal de seu nome...



Outro aspecto da Praceta Vidal


Hotel Santa Clara Livre, onde Che Guevara se refugiou e que mantém os buracos dos tiros de que foi vítima


Teatro La Caridad


Outra Rua de Villa Clara


Zona do "trem blindado"










... del combate diario a la victoria segura...


Parque infantil


Escola de Teatro!!!!


Bar onde bebemos o 'mojito' mais forte de Cuba!


Jantar em casa de Nelson, nosso hospedeiro, filetes de peixe, salada de legumes cozidos e salada de legumes crus, o 'eterno' arroz e compota de goiaba (não se vê aqui mas é deliciosa).


Quarto onde Che Guevara costumava ficar com Aleida March, antes de se casarem, conforme relata a própria no livro 'Evocación'


Casa da Trova...


... onde se começa desde pequenino...


E estamos quase a chegar ao fim. Com muita pena minha, que querira estar lá agora...


Monday, August 22, 2011

Horizonte


Abro as mãos e solto as saudades
Deixo os cabelos voarem ao vento
Não guardo em mim mentiras nem verdades
Já que a vida é um eterno movimento
Deixo que as marés refeitas em mim
No ir e vir de quem não tem tempo
Me cubram com a espuma vinda de ti
Como se fosse lençol em cada momento
Que das águas serenas em corrente forte
Rio que nasce no mar e desagua na fonte
Teço cada minuto da vida e da morte
E lentamente caminho para o meu horizonte.



Saturday, August 20, 2011

Música para o fim-de-semana



Playa Giron


Compañeros poetas,
tomando en cuenta los últimos sucesos
en la poesía, quisiera preguntar
——me urge—,
¿qué tipo de adjetivos se deben usar
para hacer el poema de un barco
sin que se haga sentimental, fuera de la vanguardia
o evidente panfleto,
si debo usar palabras como
Flota Cubana de Pesca y
«Playa Girón»?

Compañeros de música,
tomando en cuenta esas politonales
y audaces canciones, quisiera preguntar
—me urge—,
¿qué tipo de armonía se debe usar
para hacer la canción de este barco
con hombres de poca niñez, hombres y solamente
hombres sobre cubierta,
hombres negros y rojos y azules,
los hombres que pueblan el «Playa Girón»?

Compañeros de historia,
tomando en cuenta lo implacable
que debe ser la verdad, quisiera preguntar
—me urge tanto—,
¿qué debiera decir, qué fronteras debo respetar?
Si alguien roba comida
y después da la vida, ¿qué hacer?
¿Hasta donde debemos practicar las verdades?
¿Hasta donde sabemos?
Que escriban, pues, la historia, su historia,
los hombres del «Playa Girón».

Silvio Rodriguez

Friday, August 19, 2011

Memória de Federico García Lorca




Gacela del Niño Muerto


Todas las tardes en Granada,
todas las tardes se muere un niño.
Todas las tardes el agua se sienta
a conversar con sus amigos.

Los muertos llevan alas de musgo.
El viento nublado y el viento limpio
son dos faisanes que vuelan por las torres
y el día es un muchacho herido.

No quedaba en el aire ni una brizna de alondra
cuando yo te encontré por las grutas del vino.
No quedaba en la tierra ni una miga de nube
cuando te ahogabas por el río.

Un gigante de agua cayó sobre los montes
y el valle fue rodando con perros y con lirios.
Tu cuerpo, con la sombra violeta de mis manos,
era, muerto en la orilla, un arcángel de frío.


Federico García Lorca
(assassinado há 75 anos, pelos do costume)
(Fuente Vaqueros, 5 de junho de 1898 — Granada, 19 de agosto de 1936)

Thursday, August 18, 2011

Viagem a Cuba XIII


Entre o vermelho da terra



e o azul dos rios

chegámos a Holguin.

A casa onde ficámos

A praia de Guardalavaca

Holguín é uma cidade muito desenvolvida tanto industrial como comercialmente. Guardalavaca fica a uns 70km de Holguín e é uma praia de águas quentes e transparentes e areia branca.
Serviu para descansarmos dos quase 500km que nos separavam de Baracoa, e preparámo-nos para chegar à cidade por que ansiávamos: Santa Clara!


Tuesday, August 16, 2011

Serenata da FIDELidade




Este Senhor conheci-o em Santiago, exactamente na Casa da Trova.
Uma coincidência feliz!



O fecho da Serenata, com Cándido Fabré.



E o final da Serenata, com todos!

Monday, August 15, 2011

Para ti, com um abraço forte!



Poema à Mãe


No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...


Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.



Eugénio de Andrade

Saturday, August 13, 2011

Música para o fim-de-semana



GUANTANAMERA

Yo soy un hombre sincero
De donde crecen las palmas
Yo soy un hombre sincero
De donde crece la palma
Y antes de morirme quiero
Echar mis versos del alma

Guantanamera
Guajira, guantanamera
Guantanamera
Guajira, guantanamera

Con los pobres de la tierra
Quiero yo mi suerte echar
Con los pobres de la tierra
Quiero yo mi suerte echar
El arroyo de la sierra
Me complace más que el mar

Guantanamera
Guajira, guantanamera
Guantanamera
Guajira, guantanamera

Dicen que Compay Segundo
Tiene una mata de almendra
Dicen que Compay Segundo
Tiene una mata de almendra
Con un letrero que dice
El que no sabe que aprenda

Guantanamera
Guajira, guantanamera
Guantanamera
Guajira, guantanamera

Mi verso es de un verde claro
Y de un carmin encendido
Mi verso es de un verde claro
Y de un carmin encendido
Mi verso es un ciervo herido
Que busca en el monte amparo

Guantanamera
Guajira, guantanamera
Guantanamera
Guajira, guantanamera

Friday, August 12, 2011

:(


És já uma saudade. Até amanhã, Camarada!

Thursday, August 11, 2011

Viagem a Cuba XII



De novo na Sierra Maestra, a Granjita Siboney, onde foi planeado o assalto ao Quartel Moncada.



Até dá gosto trabalhar aqui. As mangas desta zona de Santiago são uma delícia!



Aqui nesta 'floreira' eram escondidas as armas dos rebeldes...







A casa mantém o mobiliário original.
Estar aqui e saber o que foi aqui decidido é... História VIVA!!!



Roupa usada pelos guerrilheiros e que se mantém tal como foi despida.
As manchas de sangue dos combatentes são visíveis.



Praia de Siboney



Uma passagem pelo Parque Baconao...





Chegada a Guantanamo. "Si, se puede!", para logo a seguir um outro cartaz dizer "Benvindos a Guantanamo! Primeira trincheira anti-imperialista!"
... e um breve arrepio de pele...



Baracoa, Av. Marti.



O mar azul de Baracoa



O 'malecón' de Baracoa, com um mar um bocado bravo...




O jantar que nos foi servido em Baracoa: lagostas grelhadas, saladas e... arroz, claro!



E foi com esta paisagem que dissemos adeus a Baracoa e rumámos a Holguín.