Wednesday, April 27, 2011

Maria


Já tive as mãos cheias de quase tudo. Do que me era mais querido. Com o tempo, ou antes de tempo, as minhas mãos foram ficando vazias. Agora nem o vento consigo reter. Nem as águas. Por isso mergulho no teu olhar em busca da outra eu que fui, quando tinha as mãos cheias de quase tudo.

(vou ali, longe. mas volto.)

Monday, April 25, 2011

Música de Abril VI








Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo


(Sophia de Mello Breyner Andresen)


VIVA O 25 DE ABRIL!

Sunday, April 24, 2011

Música de Abril V



Roupa velha

Rapariguinha
cose a tua saia
velha de cambraia
que outra não podes comprar baixa a bainha
rasga o pé-de-meia
quando é magra a ceia
quem nos há-de aguentar
oh bonitinha

A que preço está o peixe
na corrida
a xaputa já é truta
promovida
puxa da massa apalpa a fruta
insecticida
fez a pileca da vitela
uma investida
e a salsicha “isidora”
é alheira de Mirandela

A que preço está a couve
e o grão-de-bico
bacalhau quase não há
deu-lhe o fanico
tenho prisão de ventre oh pá?
eu já te explico
o feijão-frade subiu ao céu
vende o penico
se não há grelos no mercado
há bons nabos no hemiciclo

Guarda a roupa velha
que sobra do almoço
dá o braço à Maria
ao Manel e ao Joaquim
não vás devagarinho
faz da praça um alvoroço
leva-me contigo
ai!! não te esqueças de mim
rapariguinha
cose a tua saia
velha de cambraia
que outra não podes comprar
baixa a bainha
rasga o pé-de-meia
quando é magra a ceia
quem nos há-de aguentar
oh bonitinha

A que preço está o vinho
nessa pipa
arde o preço da aguardente
queima a tripa
a água-pé é um detergente
só constipa
já não gosto da cerveja
dessa tipa
e a jeropiga a martelo
é servida em bandeja

A que preço está a casa
nessa esquina
não se aluga só se vende
é uma mina
quem a vende tem juros
lucros
alucina
quem não tem casa inventa
imagina
sonha ao relento é multado
mora em barraca clandestina

Guarda a roupa velha
que sobra do almoço
dá o braço à Maria
ao Manel e ao Joaquim
(…)

Como vai a nossa vida
de chinelo
pelo custo não é festa
é um duelo
o cabaz da fome é caro
magricela
mais barato é o discurso
tagarela
nada diz nada acrescenta
nem mexe o fundo à panela

Saturday, April 23, 2011

Música de Abril IV



Ser Solidário

Ser solidário assim pr’além da vida
Por dentro da distância percorrida
Fazer de cada perda uma raiz
E improvavelmente ser feliz

De como aqui chegar não é mister
Contar o que já sabe quem souber
O estrume em que germina a ilusão
Fecundará por certo esta canção

Ser solidário assim tão longe e perto
No coração de mim por mim aberto
Amando a inquietação que permanece
Pr’além da inquietação que me apetece

De como aqui chegar nada direi
Senão que tu já sentes o que eu sei
Apenas o momento do teu sonho
No amor intemporal que nos proponho

Ser solidário sim, por sobre a morte
Que depois dela só o tempo é forte
E a morte nunca o tempo a redime
Mas sim o amor dos homens que se exprime

De como aqui chegar não vale a pena
Já que a moral da história é tão pequena
Que nunca por vingança eu te daria
No ventre das canções sabedoria

Friday, April 22, 2011

Música de Abril III



Fala do Homem Nascido

Venho da terra assombrada
do ventre de minha mãe
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém

Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci

Trago boca pra comer
e olhos pra desejar
tenho pressa de viver
que a vida é água a correr

Venho do fundo do tempo
não tenho tempo a perder
minha barca aparelhada
solta o pano rumo ao norte
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada

Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham
nem forças que me molestem
correntes que me detenham

Quero eu e a natureza
que a natureza sou eu
e as forças da natureza
nunca ninguém as venceu

Com licença com licença
que a barca se fez ao mar
não há poder que me vença
mesmo morto hei-de passar
com licença com licença
com rumo à estrela polar

Thursday, April 21, 2011

Música de Abril II



Menino do Bairro Negro

Olha o sol que vai nascendo
Anda ver o mar
Os meninos vão correndo
Ver o sol chegar

Menino sem condição
Irmão de todos os nus
Tira os olhos do chão
Vem ver a luz

Menino do mal trajar
Um novo dia lá vem
Só quem souber cantar
Vira também

Negro bairro negro
Bairro negro
Onde não há pão
Não há sossego

Menino pobre o teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção

Olha o sol que vai nascendo
Anda ver o mar
Os meninos vão correndo
Ver o sol chegar

Se até da gosto cantar
Se toda a terra sorri
Quem te não há-de amar
Menino a ti

Se não é fúria a razão
Se toda a gente quiser
Um dia hás-de aprender
Haja o que houver

Negro bairro negro
Bairro negro
Onde não há pão
Não há sossego

Menino pobre o teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção

Wednesday, April 20, 2011

Música de Abril I



Canção da Beira Baixa

Era ainda pequenino
Era ainda pequenino
Acabado de nascer
Acabado de nascer.

'Inda mal abria os olhos
'Inda mal abria os olhos
Já era para te ver...
...acabado de nascer.

'Inda mal abria os olhos
'Inda mal abria os olhos
Já era para te ver...
...acabado de nascer.

Quando eu já for velhinho
Quando eu já for velhinho
Acabado de morrer
Acabado de morrer.

Olha bem para os meus olhos
Olha bem para os meus olhos
Sem vida são p'ra te ver...
...acabados de morrer.

Olha bem para os meus olhos
Olha bem para os meus olhos
Sem vida são p'ra te ver...
...acabados de morrer.

Era ainda pequenino
Era ainda pequenino
Acabado de nascer
Acabado de nascer.

'Inda mal abria os olhos
'Inda mal abria os olhos
Já era para te ver...
...acabado de nascer.

'Inda mal abria os olhos
'Inda mal abria os olhos
Já era para te ver...
...acabado de nascer.

Monday, April 18, 2011

Noite


É de noite que renasço cada dia. É de noite que as palavras me escorrem pelos dedos como se fossem água de um rio caudaloso que corre desenfreado até à foz. Das palavras.
É de noite que me refaço ao pôr da lua. E é de noite que a poesia se solta do meu peito como se fosse um grito que ninguém ouve porque se juntou ao rio e já desaguou no mar.
É de noite que os amores secretos se encontram. Ainda que distantes. Ainda que apenas em pensamento. É de noite que escrevo porque as palavras me regressam em cada maré. E porque gosto deste silêncio...

Saturday, April 16, 2011

Thursday, April 14, 2011

Dia 360


Saboreio a vida de modo diferente, hoje. Porque o meu corpo também já não é jovem nem insaciável. Mas também não é cobarde e a vida ensinou-me tanto. Vivo a calma que me dá a idade que tenho. Há dias em que os pássaros me vêm buscar e vôo com eles. Volto tarde na noite e nada importa. Apenas tu, que me esperas...


Wednesday, April 13, 2011

Porque sim é já bastante!

Eu podia abrir um mapa: «o corpo» com relevos crepitantes
e depressões e veias hidrográficas e tudo o mais
morosas linhas e gravações um pouco obscuras
quando «ler» se fendia nalguma parte um buraco
que chegava repentinamente de dentro
a clareira arremessada pelo sono acima
insóna vulcânica sala contendo toda a febre «táctil»
furibunda maneira
esse era então uma espécie de «lugar interno»
áspera geologia alcalina e varrida e crua
exposta assim à leitura que se esqueceu do seu «medo»
o corpo com todas as «incursões» caligráficas
«referências» florais «desvios» ortográficos da família dos carnívoros
«antropofagias» gramaticais e «pegadas»
ainda ferventes
ou minas com o frio bater e o barulho escorrendo
«um mapa» onde se lia completamente o sangue e suas franjas
de ouro o irado desregramento da «traça
primeira» e o apuramento do mel com a labareda
inclusa o corpo na prancheta
para a lisura sentada onde se risca a posição mortal
«um papel» apenas a branca tensão do néon
no tecto o jorro de cima «declarando» qualquer rispidez
a suavidade toda uma bastarda
graça
de infiltração na sonolência ou explosiva
«vigilância» combustão das massas ao comprido
do «desenho» irregular
e só então assim desterrado do ruído nos subúrbios
ele apenas agora «composição» forte e atada de elementos
escarpas rapidamente
decorrendo
corpo que se faltava em tempo «fotografia»
de um «estudo» para sempre
como lhe bastava ser possível tão-só uma certa
temperatura
grutas aberturas minerais palpitações no subsolo
tremores
anfractuosidades esponjas onde pulsavam canais dolorosos
e a arfante matéria irrompendo nos écrans
com o susto leve das «manchas» que se uniam
essa energia sem espaço súbita «geometria» a costurar de fora
mordeduras velozes delicadezas
nervuras vivas
para seguir até ao fim «com os olhos»
como uma paisagem de espinhos faiscantes
«o contorno» que queima de uma lâmpada acesa
toda a noite no gabinete do cartógrafo.

Herberto Helder

(Antropofagias, Texto 4)

(continuo sem net. e sem o resto...)

Tuesday, April 12, 2011

Hoje, há 50 anos


Yuri Gagarin, o primeiro homem no espaço.

daqui

Monday, April 11, 2011

mar emergente


o mar é a gente
quando se levanta.

daqui

Saturday, April 09, 2011

Música para o fim-de-semana




Fosse a menina dos meus olhos puta
e fornicara com as televisões
as duas novas da greta e da gruta
e as duas velhas pelas mesmas razões

rectangular e omnipresente nesga
que tem pra tudo as melhores soluções
fosse a menina dos meus olhos vesga
logo lhe dera as suas atenções

ai fosses tu menina dos meus olhos
com teus lacinhos e caracóis
a inocência vai nos entrefolhos
e fica a pátria amada em maus lençóis

entram pelas casas sem ser convidados
tempos de antena e outros futebóis
ficaram todos mais bem informados
opinião pública dos o...rinóis

são cus e mamas a dançar de gatas
mailas gravatas dos seus figurões
as euforias ficam mais baratas
e domesticam-se as excitações

pobre menina ficas à janela
depenicando as tuas distracções
lavas a loiça fazes a barrela
mas essa merda não cede às pressões

os antropófagos das nossas dores
tomaram conta da aldeia global
fazem milhões a converter horrores
em audiências de telejornal

o insuportável torna-se rotina
e a realidade já é virtual
a dor da gente é inesgotável mina
que lhes rentabiliza o capital

as reportagens e as telenovelas
juntam os trapos pezinhos de lã
com a verdade ali a olhar pra elas
histórias da civilização cristã

já não é sangue o líquido vermelho
que nos reserva o dia de amanhã
e tu menina vais-te vendo ao espelho
e sofres dos dois lados do ecrã

noventa e quatro chegou à cidade
noventa e oito está quase a chegar
fez vinte aninhos a nossa liberdade
já é bem tempo de a desvirginar

e se o dinheiro não dá felicidade
televisões bem a puderam dar
talvez que para manter a sanidade
eu chegue ao ponto de ter que cegar

e a menina dos meus olhos há-de
conseguir ver para além do meu olhar

José Mário Branco

Tuesday, April 05, 2011

:-D



É muito bom viver na província!
Sem telefone fixo, sem tv por cabo, sem net.
E não sei quando volto a ter...
:-D

Adenda:
Esclareço que não é por opção, mas por avaria!!!
A tv (cabo) 'foi-se' no dia em que o PEC4 foi rejeitado :)
Telefone tive intermitentemente durante o fim de semana, mas foi-se
A net foi-se hoje... Estou com net portátil, que é mais lenta que um caracol :)

Sunday, April 03, 2011

:(

Por várias razões hoje não me apetece escrever.

Saturday, April 02, 2011

Música para o fim-de-semana



Lembra-me um sonho lindo


Lembra-me um sonho lindo, quase acabado
Lembra-me um céu aberto, outro fechado
Estala-me a veia em sangue, estrangulada
Estoira no peito um grito, à desfilada

Canta, rouxinol, canta, não me dês penas
Cresce, girassol, cresce entre açucenas
Afaga-me o corpo todo, se te pertenço
Rasga-me o ventre ardendo em fumo de incenso

Lembra-me um sonho lindo, quase acabado
Lembra-me um céu aberto, outro fechado
Estala-me a veia em sangue, estrangulada
Estoira no peito um grito, à desfilada

Ai! Como eu te quero! Ai! De madrugada!
Ai! Alma da terra! Ai! Linda, assim deitada!
Ai! Como eu te amo! Ai! Tão sossegada!
Ai! Beijo-te o corpo! Ai! Seara tão desejada!

Fausto Bordalo Dias

Friday, April 01, 2011

Entrelaçar


















"Entrelaçar" é o nome deste recital que o Pedro Branco preparou em conjunto com a Carla Marques e que será apresentado já amanhã, dia 2 de Abril, no Clube Literário do Porto. Mais uma vez a poesia e as canções juntas numa noite que será memorável. A partir das 23.30...