Monday, January 28, 2013

Perdida nas horas e no tempo




Sentada na areia fico a olhar o mar
Deixando que no rosto me sopre o vento
Ao fundo um barco, sei-te a navegar
E fico perdida nas horas e no tempo

Navega o barco sem rumo e sem rota
E sentada fico, de cabelo ao vento
Chega a noite e a esta hora morta
Estou perdida nas horas e no tempo

Regressas de manhã com o nascer do sol
No barco empurrado pela vaga e pelo vento
Foram-se as estrelas que me serviram de lençol
Porque me perdi nas horas e no tempo.

Saturday, January 26, 2013

Sunday, January 20, 2013

ILHA


ILHA

Tu vives — mãe adormecida —
nua e esquecida,
seca,
fustigada pelos ventos,
ao som de músicas sem música
das águas que nos prendem…
Ilha:
teus montes e teus vales
não sentiram passar os tempos
e ficaram no mundo dos teus sonhos
— os sonhos dos teus filhos
a clamar aos ventos que passam,
e às aves que voam, livres,
as tuas ânsias!
Ilha:
colina sem fim de terra vermelha
terra dura
rochas escarpadas tapando os horizontes,
mas aos quatro ventos prendendo as nossas ânsias!

Amílcar Cabral
Praia, Cabo Verde, 1945
(retirado daqui

Friday, January 18, 2013

Epígrafe



De palavras não sei. Apenas tento
desvendar o seu lento movimento
quando passam ao longo do que invento
como pre-feitos blocos de cimento.

De palavras não sei. Apenas quero
retomar-lhes o peso  a consistência
e com elas erguer a fogo e ferro
um palácio de força e resistência.

De palavras não sei. Por isso canto
em cada uma apenas outro tanto
do que sinto por dentro  quando as digo.

Palavra que me lavra. Alfaia escrava.
De mim próprio matéria bruta e brava
expressão da multidão que está comigo. 
 
José Carlos Ary dos Santos 

Monday, January 14, 2013

A minha pele


A minha pele sou eu.
Quase sempre.
Às vezes despe-me e passeia-se por aí.
A minha pela cheira a maresia. Sempre.
Porque o mar é meu leito meu amor.
E a espuma das ondas lençol que nos cobre.
A minha pele é campo de trigo e papoilas.
Terra semeada fecundada que germinará.
De onde nascerá a flor. E o fruto.
Da vertigem. Da fome. Do amor. Da minha pele.

Monday, January 07, 2013

Eu amo-te tanto...



Eu amo-te tanto
que nem sei se é
racional ou possível
amar assim
quase perdidamente
quase a dar a vida
quase a extinguir-me
se for preciso
Eu amo-te tanto
que o medo de te
perder me assalta
dia e noite em
sonhos que não quero
que não percebo
e que são quase reais
às vezes
Eu amo-te tanto
que acordo quando me
chamas e dizes
não teve importância
O que importa é este
amor que nos agarra
e aperta e machuca
e que não vai acabar nunca.

Wednesday, January 02, 2013

Soneto do penico




Vê debaixo da cama se o encontras.
Inútil procurá-lo noutro lado,
muito menos nas ruas, ou nas montras
dos novos armazéns que há no Chiado.

Não lhe mexi, não. Há já muitos meses
que não o utilizo.  Até me esqueço.
Ficou fora de moda.  E por vezes
dá-me aquele ar senil que eu não mereço.

Não é que eu não gostasse de parti-lo.
Calado a noite inteira como um grilo
que possui de nascença uma só asa!

Se calhar é por isso que não canta.
E se não está aí, o que me espanta,
vais ter de procurá-lo em toda a casa.


Joaquim Pessoa