Tuesday, April 30, 2013
Wednesday, April 24, 2013
Saturday, April 13, 2013
Wednesday, April 10, 2013
Ainda a sessão evocativa de Álvaro Cunhal
No passado sábado, 23 de Março, numa Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa completamente lotada, teve lugar uma sessão cultural evocativa da figura de Álvaro Cunhal, que inicia um ano dedicado às comemorações do centenário do seu nascimento. Não pertencendo nem nunca tendo pertencido ao Partido Comunista Português (PCP) situo-me, porém, no grupo daqueles que consideram que o PCP se inscreve na área política que gostariam de ver o povo português escolher para liderar os destinos do país. Aqui fica o meu registo de interesses para que não haja equívocos com esta nota no GDH.
Com muito gosto aceitei o convite que me
dirigiram para integrar a Comissão Promotora e estive presente na Aula
Magna onde, entre muitas vantagens, beneficiei da oportunidade de ouvir
mais um magnífico discurso do reitor da Universidade, professor Sampaio
da Nóvoa. Guardo de Álvaro Cunhal, do cidadão, do resistente e precursor
do 25 de Abril, do político, do estadista, do intelectual
multifacetado, um profundo respeito. Particularmente agora, quando as
figuras menores que têm passado pelo poder sem honra e sem dignidade vêm
aviltando a imagem dos políticos e da democracia – e este é dos pecados
maiores que lhes devem ser cobrados –, é justo e é pedagógico, evocar
alguém que se empenhou profundamente na política sem mácula, sem
cedências susceptíveis de violarem os princípios, os valores, os
compromissos. Álvaro Cunhal era uma referência para quantos,
independentemente dos sectores ideológicos e partidários em que se
situassem, cultivavam o rigor na gestão da polis, na política, porque
era de uma enorme exigência. Mas começava por ser exigente consigo
próprio. Concordasse-se ou discordasse-se dele, confiava-se nele.
Recordo que, quando partilhei algumas
responsabilidades no país e, com os meus camaradas, discutíamos ou
analisávamos a situação política, o sentimento generalizado em relação a
Álvaro Cunhal era o de que se tratava de um homem de carácter, credível
no que dizia,fiável naquilo com que se comprometia. Aí pela década de
90, quando eu já estava reformado da vida militar e Álvaro Cunhal já
deixara a liderança do PCP, encontrávamo-nos, não com muita frequência
mas com alguma regularidade, por vezes com mais dois ou três amigos.
Eram conversas privadas, interessantíssimas, trocas de impressões
passando em revista as conjunturas nacional e internacional. E Álvaro
Cunhal gostava de frisar o que mais o marcara quando teve de lidar com
os militares na política no período revolucionário e nos anos em que
perdurou o Conselho da Revolução e um militar na presidência da
República: eram homens de palavra. E isso fora decisivo na manutenção de
relações de respeito mútuo.
Há um aspecto que não posso deixar de
registar. Hoje, quando a União Europeia navega em águas agitadas sem
rumo perceptível e em que os chamados países periféricos sofrem as
consequências de decisões que parecem tudo menos inocentes, é oportuno
recordara voz lúcida de Álvaro Cunhal que na altura muitos acusaram de
“velho do Restelo”. Quando os responsáveis políticos embandeiravam em
arco com a adesão à Comunidade Económica Europeia e a entrada no “clube
dos ricos”, quando a maioria do povo português embarcava na euforia da
festa das remessas dos fundos estruturais e se empanturrava em betão a
troco do abandono da agricultura, da extinção da frota pesqueira, do
esvaziamento da marinha mercante, do encerramento de indústrias de base,
Álvaro Cunhal alertava e repetia: os portugueses irão pagar isto. Era
ouvido com cepticismo. Não me excluo, a palavra de Álvaro Cunhal
levava-me a reflectir, mas deixava-me dúvidas.
Álvaro Cunhal tinha razão. Os portugueses estão a pagar isso.
25 de Março de 2013
General Pezarat Correia
http://aviagemdosargonautas.net/
Monday, April 08, 2013
Sessão Cultural Evocativa - Carta aberta
Um dos maiores restos de salazarismo que perdura na
nossa comunicação social, diria mesmo, um dos maiores tiques fascistas
que regressam ostensivamente, é canalhice de, sempre com a desculpa dos
“critérios jornalísticos” censurar e boicotar da pior forma as actividades políticas e culturais que desagradam ao poder e aos donos dos meios de comunicação.
Digo “da pior forma”, porque bastante mais ofensivo do
que uma crítica má, é o fazer-se de conta que um acontecimento... não
aconteceu. Ofensivo pela censura descarada e pelo facto de se ver um
exército de gente que se diz jornalista, pactuando com este estado
(novo) de coisas.
Assim aconteceu, mais uma vez, com o fantástico momento
político/artístico que um elenco “tremendo” de artistas de várias áreas
protagonizou em amizade, camaradagem e espírito de unidade, na sessão
que há dias teve lugar na Aula Magna, em homenagem à figura de Álvaro
Cunhal.
O silêncio que se seguiu na comunicação social foi, como “ouvimos”, verdadeiramente ensurdecedor!
Assim sendo, o nosso companheiro e autor João Monge, que escreveu boa parte do guião que acompanhou todo o espectáculo,
decidiu não se ficar... e escreveu um texto para fazer correr pelas
redes sociais e pela própria comunicação social que nos ignorou. Fê-lo
na forma de uma carta aberta que muitos de nós, participantes ou não, já
assinámos por baixo.
Para não ser injusto para com aqueles que, entretanto,
já juntaram os seus nomes à carta aberta, desde que o texto me chegou às
mãos, direi apenas não há participante que não se reveja neste texto do
João Monge. Aqui fica:
A propósito da Sessão Cultural Evocativa do Centenário de Álvaro Cunhal
CARTA ABERTA A UM AMIGO QUE NÃO SOUBE
Fizeste-me falta, pá! Não por mim, que lá estive, mas
por ti que não soubeste… Eu sei da felicidade que retiras destas coisas
e da partilha que dela fazes. Foi isso que me fez falta: a tua
felicidade.
Sabes como a malta é, pusemos a mesa com microfones e
tudo, chamámos os jornais, chamámos as rádios, chamámos as televisões…
Só para te avisar, pá. Era a forma mais expedita que tínhamos à mão, e
gostávamos tanto de te ter por perto. Mas não, a coisa não saiu, ou saiu
envergonhadamente. Sinais destes tempos sem vergonha.
Depois o Álvaro não é tipo que se ignore e o número
era redondo – o centenário – mas mesmo assim tu ficaste sem saber.
Tiraram-te esse direito.
Foi tão bonita a festa, pá.
Lembras-te daquela tirada do Álvaro que começa assim:
«Arte é liberdade. É imaginação, é fantasia, é descoberta e é sonho. É
criação e recriação da beleza pelo ser humano e não apenas imitação da
beleza que o ser humano considera descobrir na realidade que o cerca»?
Lembras-te? Foi o nosso guião. Foi o guião dos músicos, dos cantores e
dos actores que passaram pelo palco. A melhor maneira de comemorar a liberdade é exercê-la e, como tu sabes, pá, evocar o Álvaro é projectá-la para os dias que hão-de vir, para as liberdades que hão-de vir. E são tantas, amigo, e são tantas as liberdades que nos faltam…
O Álvaro teve a casa cheia, pelas costuras. Tu sabes
como a malta é, abrimos as portas de casa para que alguém te fizesse
chegar uma pequena luz do que lá se passou. Mas, enfim, foi o costume:
tiraram-te esse direito.
Fizeste-me falta, pá. Mas ainda te vou ver a sorrir.
Temos uma prenda para ti: filmámos tudo. E assim damos um outro sentido à
falta que me fizeste.
É que, como diz o Palma, “enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar, a gente vai continuar”.
Um abraço, pá
E até já!
João Monge
Saturday, April 06, 2013
Monday, April 01, 2013
Um poema muito especial
1. UMA CHAMA NÃO SE PRENDE
rodeado de paredes
rodeadas de muros altos
que foram depois muralhas
um preso encarcerado
ao longo da terrível década de 50
inteira
Não cedeu.
Levado a tribunal
em 3 e 10 de Maio de 1950
só então fica a saber que Militão e Sofia
presos com ele torturados não «falaram»
não cederam E que esse grande patriota Militão
Ribeiro fazendo greve da fome foi morto
Perante o tribunal acusa os seus acusadores
Defende o seu Partido a sua acção
e a sua orientação política
Ponto a ponto responde às calúnias
que são os porcos argumentos do ódio
e do terror de estado Ponto a ponto
responde com o orgulho do homem livre
e o vigor da inteligência Responde por si
e pelos seus como quem acusa
e ameaça Ameaça o inimigo que o tem preso
Dos 11 anos seguidos, preso,
14 meses incomunicável,
8 anos em isolamento
E não cedeu Nunca cedeu
Agora na humidade salina da cela
contra o eco do estrondo do mar
que não esquece/e grita/contra a fortaleza
contra a corrente contínua dos dias e das noites
este homem livre é uma chama
uma lâmpara marina
Não cede lê e desenha lê
e estuda e escreve este homem livre
que está preso e é uma chama
açoitada pelo vento e pelo silêncio
numa cela
Não cede e escreve
A Questão Agrária
As lutas de classes em Portugal nos fins da Idade Média
e escreve uma tradução do Rei Lear
e escreve Até Amanhã, camaradas
o homem livre encarcerado
fugiu enfim
colectivamente
a 3 de Janeiro de 1960
e nunca mais foi apanhado
2. AO ENCONTRO DO ENCONTRO
para que eu pudesse fazer o meu caminho pelo
caminho comum e partilhar o tempo
a invenção, o desejo, o trabalho e a luta por
uma terra sem amos
para que nas histórias lidas desde a infância
eu aprendesse a descobrir os meus
a articular aquelas palavras
sobre as quais o confronto ainda não terminou
e assim nos movem para que eu pudesse sentir-me esperado sobre
esta terra tão dilacerantemente bela
e tão insuportavelmente devasta
para que tendo aprendido a falar eu tivesse
podido encontrar os outros na minha língua
para que eu pudesse olhar, estender as mãos
e encontrar o corpo do mundo
como a minha tarefa comum
para que eu viesse e pudesse chegar a esta reunião contínua
esta assembleia de homens
explorados e livres, oprimidos e
livres
foi necessário que a convocatória chegasse até mim
foi necessário que eles continuassem reunidos e me esperassem
foi necessário que tu tivesses vindo e chegado antes
que te tivessem acolhido e te tivessem transformado o nome próprio
em nome comum
3. ELOGIO DA TERCEIRA COISA
entre mim e ti há a terceira coisa
aquela que nos põe ao alcance da mão
os nomes todos das coisas e as coisas sem nome
quando a multidão sagrada dos pronomes pessoais nos
permite dizer nós contra o tempo e o vento
Nós que aos cinco sentidos acrescentamos os outros
Nós a sensibilidade que imagina o comum
quando uma multidão deixa de ser
um rebanho de escravos para começar a ser
uma assembleia de humanos livres
de pé no chão da terra discutimos o que fazer
pelas mãos em concha bebemos a água
onde a luz do sol cintila irisando-a
Nós que para além de ti e de mim somos
a terceira coisa o fantasma o espectro
que lhes continua a assolar o mundo
a terceira coisa: a promessa sem garantias
a invenção do incomum que partilha o comum
o comunismo que vem connosco
e para além de nós recomeça a contar
Manuel Gusmão
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