Saturday, October 22, 2016

As ruínas dos pavilhões no parque das Caldas da Rainha

Edifícios abandonados: as ruínas dos pavilhões no parque das Caldas da Rainha

O arquiteto que mandou construir o edifício sonhava em fazer da cidade uma estância termal, mas isso nunca aconteceu.
Foto de Paulo Santos/Pr0j3ct URBEX

Quem entra pela primeira vez no Parque Dom Carlos I, bem no centro histórico das Caldas da Rainha, não deixa de reparar naquele imponente edifício. Mesmo em frente ao lago, numa das laterais do jardim, os pavilhões são um projeto arquitetónico tão imponente que até já houve quem o comparasse a Hogwarts, a escola de Harry Potter do universo de J. K. Rowling. Infelizmente, há muito tempo que não se vê vivalma nos corredores. Neste edifício, restam apenas os vidros partidos, as salas inundadas de papelada que já ninguém acha importante e o desastre de um projeto que nunca chegou a desempenhar as funções para que foi desenhado.

A história dos pavilhões do Parque Dom Carlos I deve-se a um único homem: Rodrigo Maria Berquó, um engenheiro e arquiteto de origens açorianas que nasceu em 1839. Não há consenso sobre se nasceu em Lisboa ou no Rio de Janeiro, no entanto não restam dúvidas de que Berquó era bem português: a mãe chamava-se D. Maria Teresa Caldas e o pai era D. João Maria Berquó, Marquês de Cantagalo, por ordem de D. Pedro I do Brasil.

Rodrigo Maria Berquó era um homem interessante. Formado em arquitetura e engenharia, fazia parte da elite nacional e passou vários anos em Cascais, Sintra e Viseu. Gostava de música, corridas de touros e de tiro, sendo também reconhecido pelas suas capacidades atléticas e desportivas.

Foi no inverno de 1888 que Berquó chegou à vila (na altura ainda era apenas uma vila) das Caldas da Rainha. Com 49 anos, tinha sido chamado para assumir a direção do estabelecimento das águas da cidade, o Hospital Real.
“Chegado às Caldas a 5 de novembro de 1888, presidiu no mesmo dia à primeira reunião como presidente da administração do Hospital Real das Caldas da Rainha”, recorda André Filipe da Cruz Barros na tese de mestrado “O impulso das águas: contributo para a identidade das Caldas da Rainha”, publicado em 2014.

Rodrigo Berquó já tinha dado provas do seu trabalho na coordenação do projeto das termas das Caldas da Felgueira, no distrito de Viseu, onde tinha estado nos últimos sete anos. Tinha experiência, portanto. Mas as suas orientações políticas também não passaram despercebidas.

“A sua ligação ao Partido Progressista, então com José Luciano de Castro no governo, não terá sido alheia à nomeação, que aparecia aos olhos dos progressistas como uma oportunidade de reforçar a sua influência na região”, escreveu Hugo Franco Araújo, num artigo publicado na “Revista Portuguesa de História” em 2012.

Além da administração do Hotel Termal, Rodrigo Berquó foi também chamado para coordenar a recuperação do antigo Passeio da Copa, o jardim que atualmente conhecemos por Parque D. Carlos I. O objetivo era claro: era preciso revitalizar aquela zona, apostando na criação de uma área de recreio para quem frequentava o Hospital Termal (atual Hospital Termal Rainha D. Leonor). Nesta época, as Caldas da Rainha já eram reconhecidas pela qualidade das suas águas termais, e atraía muitos visitantes na época balnear.

Só que Rodrigo Berquó era ambicioso. Ele não queria revitalizar apenas o Passeio da Copa, queria transformá-lo num parque inglês que fosse uma referência em Portugal e lá fora. Um espaço de lazer e com capacidade para praticar inúmeras atividades seria o pormenor perfeito para revitalizar o hospital, torná-lo mais competitivo lá fora e colocar a vila das Caldas da Rainha no mapa – e a competir lado a lado com as grandes estâncias termais da Europa.

Berquó andava de olho no que se fazia lá fora. Em França, por exemplo, país que o arquiteto visitou em várias ocasiões, os hospitais termais com hotéis e balneários incorporados, e rodeados por amplas zonas verdes, eram um sucesso. Um jardim espetacular seria ótimo. Mas e se lá dentro estivesse o Hospital Termal, a desempenhar também as funções de hotel?

O Passeio da Copa era o local ideal para implementar um projeto assim. No entanto, o anúncio não foi bem recebido. A população ficou desconfiada, com receio que o novo espaço de alojamento lhes estragasse o negócio: durante a época balnear, havia quem aproveitasse para receber os turistas em casa, de modo a ganhar assim algum dinheiro extra. Concorrência era a última coisa que queriam.

No início, a imprensa ficou do seu lado. “(…) As Caldas ficará possuindo um dos primeiros estabelecimentos termais e hospitalares da Europa. E dizemos um dos primeiros da Europa porque podemos afirmá-lo sem receio de contradição: as mais afamadas estações balneares da França e da Alemanha não tem a proficuidade das termas nem as magníficas condições climatéricas das nossas Caldas da Rainha”, escreveu

“O Caldense” a 2 de abril de 1893. “Oxalá pois que nenhuma dificuldade imprevista venha embaraçar o engrandecimento do hospital das Caldas da Rainha que mais uma vez o repetimos é desse engrandecimento que principalmente depende a riqueza vital desta terra.”

Infelizmente, foi apenas no início. Mas já lá vamos. O projeto seguiu em frente e, em 1889, Rodrigo Berquó conseguiu o feito de chegar a Presidente da Câmara, acumulando ao mesmo tempo as funções que desempenhava no hospital. Na altura, as ligações entre o Hospital Termal e a Câmara Municipal eram quase promíscuas, havendo pessoas que desempenhavam cargos tanto de um lado como no outro.

Berquó foi mais longe do que todos os outros ao acumular os dois cargos de chefia. No entanto, não aguentou o mandato até ao fim. As pressões, jogos de interesses e debates sobre o porquê de estar a gastar tanto dinheiro em obras públicas levaram à sua demissão dois anos depois, em 1891. Nesta altura, a imprensa já o crucificava. E não era a única.

Rafael Bordalo Pinheiro foi um dos maiores críticos à obra de Berquó. “V. Exª. Desculpe mas eu pensava que a estação thermal das Caldas se devia tornar agradável a todas as pessoas que as quizessem utilizar, pensava que no parque se deviam arranjar caffés, distracções theatros, concertos, ruas bem calçadas, onde não houvesse poeira”, escreveu o artista português na revista humorística “O António Maria”, publicada a 17 de setembro de 1894.

Pior: conforme conta Cláudia Feio no artigo “Os Pavilhões do Parque (Caldas da Rainha) e a Problemática da sua Conservação”, publicado em 2010, “Bordalo criou para Berquó uma série de epítetos jocosos como: ‘Pharaó das Caldas’, ’Mazalipatão’, ’Eu sou o Pá/ O Chá o Grão/O Grão Pachá/Mazalipatão’; ’Capitão-mór no Club’ e ‘Rodriguinho do campo’, ‘Supremo Arquitecto das Caldas’; ‘O Prelado das Caldas’; ‘O Anjo do Extermínio’, entre outros ‘mimos’.”

Talvez fosse um homem incompreendido para o seu tempo. Talvez tenha ido um pouco longe demais. Fosse como fosse, as questões urbanísticas da vila eram de facto muito importantes para Rodrigo Berquó. E ele recusava-se a desistir. Em junho de 1892 o parque foi inaugurado, recebendo o nome Parque D. Carlos I. Nesse mesmo ano foi aprovado oficialmente o projeto do novo Hospital Termal, que hoje conhecemos como Pavilhões do Parque. Um ano depois, foi lançada a primeira pedra.

Não foi fácil. Além da polémica, havia casas no local que era preciso expropriar, por isso o processo demorou mais tempo do que o previsto. As obras arrancaram a sério após a época balnear de 1894.

O projeto de Rodrigo Berquó propunha a construção de sete pavilhões, destinados a enfermarias, uma galeria com 55 metros de comprimento e instalações sanitárias. Até haveria uma torre para observatório meteorológico. Os edifícios começaram a ser construídos em tijolo e pedra, mas também de vigas de ferro e cerâmica, pormenores inovadores na época.

Quando faltava pouco para os pavilhões do Parque D. Carlos I ficarem prontos, as obras pararam de repente.

A 17 de março de 1896, Rodrigo Berquó sofreu um ataque cardíaco e teve morte imediata. Tinha 57 anos. O médico José Filipe de Andrade Rebelo assumiu a administração do Hospital Termal e, consequentemente, das obras. Sem saber o que fazer, pediu ajuda ao capitão de engenharia Basílio Alberto de Souza Pinto, que concluiu que o melhor seria terminar as obras. Apesar do estado avançado dos edifícios, o orçamento estipulado já tinha sido ultrapassado e seria preciso perder muito mais tempo e dinheiro na finalização do projeto.

“A falta de apoio do Estado e supostamente o aparecimento de outras concepções de âmbito funcional e estético, terão deixado este equipamento à sua eterna condição de edifício inacabado”, escreveu Jorge Mangorrinha, autor do livro “Pavilhões do Parque, Património e Termalismo nas Caldas da Rainha”, de 1999. Ficavam assim por construir o sétimo pavilhão e o Observatório Meteorológico.

Foi um final triste para o sonho de Rodrigo Berquó: nas décadas seguintes, os pavilhões fizeram tudo menos receber doentes. Ficaram marcadas pela instabilidade, com a implantação da República e as duas guerras mundiais. A má gestão das entidades responsáveis pelo espaço também não ajudou.

Apesar de tudo, o espaço não ficou inutilizado – simplesmente nunca chegou a ser uma estância termal. Entre 1901 e 1902 recebeu o seu primeiro ocupante, a Escola de Boéres, entre 1918 e 1926 tornou-se na casa do Regimento de Infantaria N.º 5 – que regressaria mais tarde, entre 1927 até ao início da década de 50. Nas décadas seguintes, foi ainda ali que funcionaram o Posto de Turismo, a primeira redação da “Gazeta das Caldas”, associações e até uma biblioteca.

O seu residente mais duradouro – e o último a sair – foi a Escola Técnica Empresarial do Oeste. Ocupou os edifícios, embora não na totalidade, durante 85 anos. O adeus aconteceu em 2005 e, desde então, o edifício está ao abandono.

Quanto a Rodrigo Berquó, se no seu tempo foi aparentemente um homem mal amado, hoje é visto como um herói. Para quem vive nas Caldas da Rainha, ele foi muito mais do que um arquiteto — ele foi o homem que mudou a cidade para sempre. As inovações técnicas, arquitetónicas, sanitárias e higiénicas revolucionou a vida dos caldenses.

O projeto de vida de Rodrigo Berquó, que nunca chegou a tornar-se realidade, celebra em 2016 uns impressionantes 120 anos de existência, mas há 11 que ficaram esquecidos. Se as ocupações temporárias desgastaram os pavilhões, o abandono degradou-os.

Mas talvez não seja assim por muito mais tempo. A 28 de setembro, o governo revelou que pretende reabilitar os Pavilhões do Parque. A iniciativa surge na sequência do programa Revive, uma parceria entre os Ministérios da Economia, da Cultura e das Finanças, que pretende reabilitar edifícios abandonados. No total, 30 locais vão ficar disponíveis para serem concessionados a privados (nacionais e estrangeiros), que ainda assim terão de se comprometer a reabilitar, preservar e conservar o património que continuará a pertencer ao estado.

Enquanto as obras não arrancam, a NiT mostra-lhe as imagens do abandono. As fotografias foram tiradas por Paulo Santos, um dos administradores da página Lugares Abandonados e autor da página Pr0j3ct URBEX em abril de 2015.

Recorde os artigos sobre o Palácio da ComendaAquaparqueRestaurante Panorâmico, Hotel Foz da SertãSanatórios do CaramuloÁguas de RadiumPresídio da TrafariaPavilhão Carlos LopesMosteiro de SeiçaEscola Secundária Afonso DominguesPalácio de D. ChicaQuinta das ÁguiasRARET e o hospital psiquiátrico de Paredes de Coura, todos abandonados.

texto: Marta Gonçalves Miranda 

https://www.nit.pt/fora-de-casa/na-cidade/10-22-2016-edificios-abandonados-as-ruinas-dos-pavilhoes-no-parque-das-caldas-da-rainha

Sunday, October 16, 2016

34 anos sem ti! E tanta saudade....




Adriano Correia de Oliveira

não sei cantar para ti como cantaste
numa noite coimbrã de fogo aceso
corações eles foram tantos que tocaste
tal o meu também voando estando preso


vens de um tempo das afrontas sufocadas
de grilhões prendendo mãos e pensamento
nesse tempo em que ao som de guitarradas
descobrimos ser tão livres como o vento

era um tempo de combate e duras pedras
já cantavam na tão velha escadaria
era negra-negra a noite e as capas negras
mas em cada olhar a esperança se fez dia

na denúncia do algoz soltando amarras
como arauto no combate à força bruta
a tua voz na plangência das guitarras
ia unindo a alma e o corpo à mesma luta

era de Maio essa cor que então cantavas
ou de Abril nesse Inverno descontente
e o calor de rubras flores onde voavas
era o azul de um novo céu de nova gente

eram cores e sons de Abril que já trazias
num assombro de poesias perturbadas
e cantavas naus giestas e alegrias
que fazias ser em nós gume de espadas

à razão deste voz que não se guarda
pressentindo um pulsar que se inquieta
foste o canto a arma e a mão que não se atarda
o percurso firme e tenso de uma seta

ao canto deste a vida e foste esperança
conjugaste em tom diverso o verbo dar
e adivinho o Adriano na criança
que ali corre vida fora junto ao mar

porque somos feitos só de terra e barro
já partiste irmão maior mas entretanto
se nas cinzas se amortalha aquele cigarro
fica em nós presente o grito do teu canto.

Jorge Castro

Friday, October 14, 2016

Balada das onze e meia


Onze e meia: meia hora
para acabar este dia.
Meia hora ainda é hoje.
Meia hora é amanhã.

Às onze e meia da noite
vai haver muita pancada
num bar da Rua das Pretas.

Vai haver muita mudança
nos decretos aprovados.

Às onze e meia da noite
no quarto não se ouve nada
mas no berço uma criança
dorme o sono dos poetas
que andam subalimentados.

Às onze e meia da noite
direi vinte e três e trinta.

Acordo o galo vermelho
com dois murros no pescoço.

Canta, canta, meu pelintra
o dia de hoje é tão velho
que amanhã já estamos mortos.

Às onze e meia da noite
os ódios nunca estão fartos.

Às onze e meia da noite
a morte anda lá por fora
a pedir contas à vida
e os polícias têm medo
da própria sombra que pisam.

Onze e meia. Está na hora.

No relógio ainda é cedo.

Os ponteiros não deslizam.

Às onze horas e meia
esperamos por amanhã.
Chega a noite para a ceia
com dois pezinhos de lã.

Passam gatunos, canalhas
com seus múltiplos perfis.

Caem corpos e navalhas
no silêncio dos lancis.

Onze e meia. A meia hora
que falta, nunca mais passa.

Não passa. Nunca mais passa.
Eu sei lá quanta desgraça
se apodera em meia hora
das ruelas e dos becos
que apodrecem na cidade!

São onze e meia. É agora
que os olhos verdes dos cegos
pressentem a claridade.

Às onze e meia da noite
o vento não bate à porta
nem quer saber de mais nada.
Às onze e meia da noite
no bar da Rua das Pretas
continua a haver pancada.

Às onze e meia da noite
os cães disputam a dente
uma cadela aluada.

Às onze e meia da noite
há travestis no Rossio
à pesca dos marinheiros
que deixaram o navio
e fazem ondas de cio
no sangue dos paneleiros.

Bateram as onze e meia.

Só faltam trinta minutos.

Acende-se a lua cheia
na Rua dos Sapateiros.

São onze e meia da noite
e eu quero ficar contigo
entre lençóis de algodão.

Fincar no flanco uma espora.

Cavalgar por meia hora.

Dar rédeas ao coração.

Às onze e meia da noite
é tempo de solidão.

E nas entranhas do medo
fazem-se filhos diversos.
Como um padeiro faz versos
ou um poeta faz pão.

Às onze e meia da noite.

Às onze e meia da noite
recebem-se embaixadores
e à mesma hora os porteiros
afugentam os trapeiros
vestidos de malfeitores.

Às onze e meia da noite
a Primavera passou-se
para o lado do Outono.
E uma Maria qualquer
nas alamedas do sono
cansada de ser mulher
às onze e meia matou-se.

Em ponto. São onze e meia.

Esta noite os redimidos
hão-de fazer por esquecer.

Bem comidos e bebidos
não tardam a adormecer.

E um frasco de comprimidos
na mesa de cabeceira
vai ajudar os sentidos
a cozer a bebedeira.

Às onze e meia da noite.

Às onze e meia da noite
num gabinete privado
(como a irmã cotovia)
o tipo que está ao lado
cantou tudo o que sabia
para subir de ordenado.

Às onze e meia da noite
rastejam cobras na lama
onde afocinham as putas
Senhoras Donas da Cama.
Mas as putas que são putas.
Não as que têm a fama.

São onze e meia da noite.

Já só falta meia hora.

Apenas trinta minutos.

Às onze e meia da noite
ponho a tristeza de lado
e uma gravata de seda.

Quero ouvir cantar o fado.

Quero dar uma facada
no galo da consciência.

Quero menos paciência
e um pouco mais de loucura.

E enquanto são onze e meia
ainda dura a pancada
no bar da rua das pretas
os putos fazem punhetas
em jeito de habilidade
apenas com quatro dedos.
E descobrem os segredos
de nascerem portugueses
filhos de um povo adiado.

Feitos aqui e agora.

Quando falta meia hora
para acabar o passado.


joaquim pessoa
125 poemas
antologia poética
litexa
1982

Thursday, October 06, 2016