PS: um jogo novo?
segunda-feira, 27 de novembro de 2017
Agora que já tenho a vossa atenção, vejamos os 3 motivos principais por que é falsa a afirmação anterior:
1. O Passado
O passado demonstra claramente que o PS tem uma postura discursiva
variável consoante o momento histórico, para preservar a política de
direita e o favorecimento da predação do trabalho pelo capital através
daquilo a que chamam a "economia social de mercado"(1). A utilização de
figuras como Manuel Alegre, ou as alusões de Mário Soares ao "socialismo
democrático" foram afinal de contas, como a História demonstra sem
margem para grandes dúvidas, apenas as máscaras e camuflagens que o PS
sempre utilizou para capitalizar dividendos junto do movimento
progressista português, particularmente em fases em que a hegemonia
permitia alcançar conquistas e avanços para o proletariado que o próprio
PS se encarregou de travar e neutralizar, impondo a política da União
Europeia e o capitalismo monopolista, provocando o afastamento de Abril e
a aproximação a Novembro.
O passado também demonstra que o PS tem um comportamento de poder
comprometido com os grandes interesses económicos, com a estrutura
proprietária e com a sua concentração num grupo cada vez mais pequeno de
grandes proprietários. Igualmente, demonstra que o compromisso
fundamental do PS é para com o grande capital transnacional e para com a
exploração do trabalho dos portugueses, aliado a uma constante entrega
de sectores fundamentais a privados, em detrimento da qualidade dos
serviços e dos direitos de quem os presta e de quem deles usufrui.
O passado demonstra igualmente que o PS é um partido que protagoniza,
quando liberto para tal, uma política eminentemente de retrocesso social
e de decadência económica.
2. O Futuro
Ao não romper, ou melhor, ao não questionar sequer, as regras do
capitalismo, o PS apresenta ao país um abismo mascarado de progresso. A
recente e actual recuperação de direitos e os tímidos avanços em algumas
áreas fundamentais da política nacional não são compatíveis com o
projecto de futuro do PS para Portugal.
Ou seja, a "flutuação para a esquerda" na política do Governo actual,
provocada pela circunstância específica de ser necessária a viabilização
do mandato do PS, é uma anomalia no comportamento do PS mas não uma
alteração matricial no seu posicionamento.
A prova disso é a manutenção do alinhamento com o funcionamento da União
Europeia e a persistência na manutenção da hegemonia de classe que o
capitalismo impõe ao país. Ou seja, o PS quer vender a ilusão de que é
possível conciliar o actual rumo de reposição de direitos sociais e
económicos e o funcionamento capitalista da União Europeia. Tal ilusão
estilhaçar-se-á nas mãos de todos quantos não a desfizerem,
principalmente nas dos trabalhadores que não tomem o actual momento como
um momento de ruptura mais funda e de viragem radical. A continuidade
do caminho actual nos termos em que tem vindo a ser percorrido até aqui
significará uma nova onda de retrocesso imposto pela força dos grandes
patrões e pelo simples funcionamento da União Europeia. Isto não
significa que o caminho que actualmente se percorre é o errado,
significa que sem erradicar os obstáculos que o marcam, será um caminho
travado a breve trecho, com custos para todos os trabalhadores
portugueses e abrindo novos espaços a uma direita ainda mais retrógrada e
violenta.
A ilusão do futuro construído sobre o actual posicionamento do PS
consiste na impossibilidade da sua concretização e é ao mesmo tempo o
grande agente da denúncia sobre as verdadeiras intenções do PS. Ou seja,
se o PS sabe que defende a economia capitalista e pretende manter as
relações sociais que lhe são inerentes, se sabe que o seu alinhamento
com a União Europeia é inquebrável, então também sabe que esses seus
posicionamentos são incompatíveis com a melhoria consistente e
prolongada das condições de vida dos trabalhadores portugueses. O PS
sabe que o actual momento é um dos raros momentos em que a melhoria das
condições de vida da população se compatibiliza com o capitalismo, mas
também sabe que esses momentos são fugazes. Capitalismo e bem-estar não
são incompatíveis para todas as camadas populacionais durante todo o
tempo, mas são incompatíveis no longo prazo. O capitalismo melhorou de
forma muito substancial a qualidade de vida da Humanidade, sem que isso
retire justeza a uma única crítica marxista-leninista do capitalismo e
das suas consequências, limitações materiais, sociais e económicas.
É o compromisso do PS, presente e assumido como de futuro, com o
capitalismo e a União Europeia que demonstra que não alterou em nada a
sua postura no frágil mas por vezes útil referencial "esquerda-direita".
O PS continua a querer o que sempre quis: integrar o conselho de
administração do capitalismo português e europeu.
3. A matriz passado-presente-futuro
A conjugação dos elementos do passado do PS, juntamente com a sua
perspectiva de futuro anulam a tese de que o PS se converte à "esquerda"
se pressionado pelo PCP, mas confirma que o PS restringido pelo PCP não
pode ser o que lhe apetece em todas as áreas da governação.
A matriz do PS não é alterável pela correlação de forças institucional. O
seu comportamento momentâneo, sim. Mas mesmo no actual contexto é
possível afirmar que em nenhuma das dimensões fundamentais de Governo
existe uma alteração matricial e ideológica no posicionamento do PS. A
sua política mantém intacta a relação social capitalista, a estrutura
fundiária do País, a desindustrialização, a submissão à agiotagem, o
favorecimento dos grandes grupos económicos e a utilização da lei e do
Estado para a manutenção do capitalismo.
A intervenção de Pedro Nuno Santos hoje na Assembleia da República é,
não a viragem à esquerda do PS, mas a marcação pelo PS do espaço
eleitoral da esquerda(2). Ou seja, o PS não quer parecer envergonhado
por estar a repor direitos, quer parecer empenhado nessa recuperação, já
que a ela está obrigado pela posição conjunta que assinou com o PCP e
pela importância conjuntural que o PCP ocupa hoje no quadro político,
considerando a força parlamentar e a força social e popular do Partido.
Mostrar-se contrariado seria o pior para o PS do ponto de vista
eleitoral. Mostrar-se satisfeito e empenhado é a táctica mais
inteligente, colhendo assim os louros e ampliando a sua base eleitoral a
todos os que esperam há décadas, quase religiosamente, um PS de
esquerda. E mesmo àqueles que pensavam já não ser possível um PS de
esquerda. A forma mais rápida de capitalizar apoios e de liquidar a
força do PCP nas decisões futuras é abraçar as preocupações dos
operários e do eleitorado do PCP e não hostilizá-las. O PS nada tinha a
ganhar com a insistência num discurso anti-PCP declarado, optando por
fazer um discurso anti-PCP velado, fingindo estar abraçando as posições e
preocupações do PCP e alargando a sua influência às camadas que até
aqui se reviam apenas no PCP e não no PS.
É o velho jogo do PS.
A ilusão sobre a natureza da política do PS e sobre o próprio PS,
particularmente se atingir os trabalhadores e as suas camadas mais
conscientes e interventivas, pode ter um negro desfecho e abrir muitas
portas a botas cardadas. Por isso é que o papel do PCP e da luta de
massas é neste contexto absolutamente determinante, para que ninguém
compactue com um branqueamento político do PS e do seu projecto, para
que ninguém se iluda quanto à sua natureza, enquanto partido, que não é
necessariamente igual e coincidente com a natureza do actual Governo,
nas actuais e pontuais circunstâncias.
(1) estranho termo porque toda a economia é social, mas nem toda é necessariamente de mercado capitalista. Mas descodifiquemos o que significa "social" naquele contexto e percebemos que a ideia não é utilizar o significado de "social" como em "relações sociais", mas sim aludir a um conceito social de "direitos sociais" e de "socialismo", tal como "mercado" também existe em socialismo mas não é a esse "mercado" que ali se alude. O termo "economia social de mercado" para se compreender a utilização que a classe dominante lhe dá teria de ser convertido em "capitalismo com preocupações sociais" o que é evidentemente uma contradição nos termos.
(2) "esquerda" é um termo equívoco, mas pode ser utilizado para facilitar.