Monday, May 27, 2019

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Não tenhas medo do escuro, Tomás.

O tio não sabe ao certo de que é feito este escuro que enegreceu as nossas vidas, mas sei que a tua luz prevalecerá, ainda que longe da nossa vista.

Sei que viverás na lembrança e no coração daqueles que tiveram o privilégio de contigo privar.

Desde logo, viverás na lembrança e no coração dos teus pais. E que pais tens tu, Tomás! Que corajosos, que fortes, que resilientes! A dimensão do seu amor por ti é algo inexplicável e impossível de traduzir em palavras!! Como angustiante é a dor que os seus olhos denunciam e os seus abraços confidenciam...

Viverás na lembrança e no coração dos teus avós, para quem serás sempre o seu primeiro e mais velho netinho. Da tua tia, para quem serás sempre o menino dos seus olhos. Não sabes como me rasgou por dentro ter que lhes dizer que não voltariam a ver o teu sorriso iluminado, o teu olhar contagiante, a tua doce tranquilidade...

Viverás na lembrança e no coração dos teus amigos e familiares, que não te largaram nestes últimos dias em que o mundo pareceu querer desabar. Que continuam agarrados aos teus pais, a ampará-los neste momento em que o vazio se torna cada vez mais ensurdecedor...

Os teus professores, os teus médicos, os teus enfermeiros, ninguém conseguiu ficar indiferente a esses teus olhos rasgados pela doçura e encanto.

Olho pela janela e vejo-te vestido de Super-Homem a sorrir-me e a acenar-me, enquanto rasgas o céu montado num dinossauro e escoltado pelas águias da vitória. Deixa-me sonhar Tomás, que já só me restam dúvidas que haja chão que nos ampare a queda...

Rogério Charraz

Sunday, May 19, 2019

AO RETRATO DE CATARINA



Esses teus olhos enxutos
Num fundo cavo de olheiras
Esses lábios resolutos
Boca de falas inteiras
Essa fronte aonde os brutos
Vararam balas certeiras
Contam certa a tua vida
Vida de lida e de luta
De fome tão sem medida
Que os campos todos enluta

Ceifou-te ceifeira a morte
Antes da própria sazão
Quando o teu altivo porte
Fazia sombra ao patrão
Sua lei ditou-te a sorte
Negra bala foi teu pão
E o pão por nós semeado
Com nosso suor colhido
Pelo pobre é amassado
Pelo rico só repartido

Tanta seara continhas
Visível já nas entranhas
Em teu ventre a vida tinhas
Na morte certeza tenhas
Malditas ervas daninhas
Hão-de ter mondas tamanhas
Searas de grã estatura
De raiva surda e vingança
Crescerão da tua esperança
Ceifada sem ser madura

Teus destinos Catarina
Não findaram sem renovo
Tiveram morte assassina
Hão-de ter vida de novo
Na semente que germina
Dos destinos do teu povo
E na noite negra negra
Do teu cabelo revolto
nasce a Manhã do teu rosto
No futuro de olhos posto

Carlos Aboim Inglez
 

Sunday, May 05, 2019

10 anos de Margarida


Uma flor

O meu jardim tem árvores relva flores e um lago. E uma casa.
Quando me passeio por lá olho as flores e vejo-as crescer, a cada dia. Agora os cravos.
A relva amacia-me os pés descalços e o aroma enche-me os pulmões. Terra-mãe.
As árvores são partes de mim plantadas há muito tempo, que cresceram frondosas e me abrigam. Um colo.
Há árvores com muitos anos, outras com menos, mas todas igualmente bonitas. Ouvem-me.
Duas são especiais. Uma enorme e outra mais pequena. Estão perto do lago e abraço-as. A minha casa.
O meu jardim tem todos os aromas e todas as cores. De todas as flores.
Há um canteiro diferente, ao pé do lago e perto das duas árvores. De cravos semeado. Já nascidos.
Mesmo ao lado um outro canteiro tem uma flor prestes a rebentar. De aroma diferente.
No lago do meu jardim está ancorado um barco, que me espera. Entro e remo por entre chorões e nenúfares e patos e cisnes. E há peixes que se escapam.
Toda a noite remei. À espera. Ao fim da manhã atraco o barco e vou ao canteiro ver da flor. Já nasceu.
É filha do amor e da poesia. É uma Margarida e cheira a bebé…



Amámos-te quando te soubemos
Amámos-te quando te víamos crescer sem te ver
Amámos-te quando te soubemos princesa
Amámos-te flor de Abril em Maio
Amámos-te no teu cheiro de bebé
Amámos-te em cada passo bailarina
Amámos-te em cada sorriso e em cada abraço
Amámos-te em cada desenho que fizeste
Amámos-te em cada estória que nos disseste
Amamos-te sempre, porque é impossível não te amar.