Sunday, January 31, 2021

Os Amantes com Casa


Andavam pela casa amando-se
no chão e contra as paredes.
Respiravam exaustos como se tivessem
nascido da terra
de dentro das sementeiras.
Beijavam-se magoados
até se magoarem mais.
Um no outro eram prisioneiros um do outro
e livres libertavam-se
para a vida e para o amor.
Vivendo a própria morte
voltavam a andar pela casa amando-se
no chão e contra as paredes.
Então era a música, como se
cada corpo atravessasse o outro corpo
e recebesse dele nova presença, agora
serena e mais pobre mas avidamente rica
por essa pobreza.
A nudez corria-lhes pelas mãos
e chegava aonde tudo é branco e firme.
Aquele fogo de carne
era a carne do amor,
era o fogo do amor,
o fogo de arder amando-se e por toda a casa,
contra as paredes, no chão.
Se mais não pressentissem bastaria
aquela linguagem de falar tocando-se
como dormem as aves.
E os olhos gastos
por amor de olhar,
por olhar o amor.
E no chão
contra as paredes se amaram e
pela casa andavam como
se dentro das sementeiras respirassem.
Prisioneiros libertados, um
no outro eram livres
e para a vida e para o amor se beijaram
magoando-se mais, até ficarem magoados.
E uma presença rica,
agora nova e mais serena,
avidamente recebeu a música que atravessou de
um corpo a outro corpo
chegando às mãos
onde toda a nudez é branca e firme.
Com uma carne de fogo,
incarnando o amor,
incarnando o fogo,
contra o chão das paredes se amaram
pressentindo que
andando pela casa bastaria tocarem-se
para ficarem dormindo
como acordam as aves.

Joaquim Pessoa


Saturday, January 23, 2021

Wednesday, January 20, 2021

POSTAL DO DIA


Carta ao “meu” avô Jerónimo

1.
Caro Jerónimo

Escrevo-lhe esta carta para lhe dizer que seria uma honra poder chamar-lhe pai ou avô.

Uma honra poder dizer ao mundo que o meu sangue era o seu. Que dentro de mim existia alguma coisa de si.

Talvez a coragem.
Talvez a capacidade de sorrir com a bondade dos seus olhos.
Talvez a força das suas mãos de operário.
Talvez o modo como faz acreditar os outros, como se empenha, como se atravessa contra as injustiças.

2.
Não era preciso escrever esta carta.
O que aconteceu, o que foi dito naquele debate por aquela gente que se alimenta do ódio e do ressentimento, por aquele homem ignóbil, acredito que não o influenciou em nada – como poderia?

Ainda assim, Jerónimo…

Como lhe dizer?

Entristeceu-me ouvir.
Fiquei com vergonha por eles. Pelos que aplaudem, pelos urros animalescos, por todo aquele circo.

Não tinha de me dar ao trabalho pois sei que não vale a pena. Mesmo assim quero contar-lhe do orgulho de o ter conhecido.

Do orgulho por perceber que o modo como abraça é genuíno. Ou o modo como abraça sem abraçar. Ou a forma como consegue ouvir os que não pensam como o senhor ou o partido, pela capacidade de fazer pontes sem nunca perder a face, pela tranquilidade com que continua na primeira linha entre os que combatem pelo bem dos mais pobres, dos mais explorados, dos excluídos.

3.
Jerónimo

Nada me faria melhor do que poder dizer ao mundo que no meu Cartão de Cidadão estava o seu apelido.
A sua força.
O seu sofrimento.  

Não por não ter orgulho nos meus, mas pela oportunidade de pertença a uma casta do que não torcem.

Com um bocadinho de queijo e um bocadinho de vinho deixaríamos a conversa correr. As minhas perguntas e as suas respostas.

Por isso, os insultos que lhe fizeram naquele comício de extrema-direita, o que aquele canalha disse de si, só fortaleceu a convicção de que vale a pena o combate por uma ideia de bem e de decência.

Jerónimo, um abraço.

Encontramo-nos brevemente.                       

LO

Monday, January 18, 2021

TOMAR PARTIDO

Tomar partido é irmos à raiz
do campo aceso da fraternidade
pois a razão dos pobres não se diz
mas conquista-se a golpes de vontade.

Cantaremos a força de um país
que pode ser a pátria da verdade
e a palavra mais alta que se diz
é a linda palavra liberdade.

Tomar partido é sermos como somos
é tirarmos de tudo quanto fomos
um exemplo um pássaro uma flor.

Tomar partido é ter inteligência
é sabermos em alma e consciência
que o Partido que temos é melhor.

Ary dos Santos

Sunday, January 03, 2021

Reflexão ou desabafo

Existe uma geração de analfabetos políticos. Jovens que, por uma razão ou outra, me dizem que nunca leram nenhum livro, que não gostam de ler. E, no entanto, VOTAM! Não sabem muito bem em quem, nem porquê, mas vão lá pôr o papelinho.
Pior do que isto é que os pais de alguns destes jovens (que têm idade para serem meus netos) também são analfabetos políticos. Não lêem, não sabem o que se passa no Mundo porque na tv só vêem novelas e quando chega a hora do telejornal mudam para um canal de música. Vejo disto há mais de 20 anos. É a geração que cresceu a ver o big brother. Pior ainda é que alguns pais são professores. E eu pergunto que tipo de formação é que um professor ignorante político pode dar aos seus alunos....
Ouvi um dia destes alguém dizer que os partidos políticos não fazem falta. Que seria tudo mais tranquilo (leia-se, não havia tantas discussões) se não houvesse partidos. Fiquei pálida. Mas não fiquei calada.
Não sei o que é que esta gente pensa que é a democracia. Mas foi esta geração que nós criámos, a seguir ao 25 de Abril. Pergunto-me onde é que errámos.
Esta gente, estes de quem falo e poderiam ser meus filhos e netos, são permeáveis às correntes de opinião que estão na moda. Porque nós, os velhos, somos descartáveis nas ideias. Não que eles as conheçam, mas apenas porque ouvem dizer.
O fascismo está aí, à vista de todos, menos deles. E de outros, que desvalorizam o que nos entra casa adentro.
Talvez estas minhas preocupações sejam apenas minhas e eu esteja a ver um filme de terror. Mas as personagens existem, e VOTAM!
Tenho um nó no peito e não sei como o desfazer...
Aproveitem o sol e vão até à janela ou varanda olhar o horizonte. Enquanto é dia...
Tenham a tarde possível.