Quando um ramo de doze badaladas
menino eras de lenha e crepitavas
Depois nas folhas secas te envolvias
"QUANDO EU MORRER VOLTAREI PARA BUSCAR OS INSTANTES QUE NÃO VIVI JUNTO DO MAR" (Sophia de Mello Breyner Andresen)
O que eu adoro em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.
A beleza é um conceito.
E a beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.
O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência.
Não é o teu espírito subtil,
Tão ágil, tão luminoso,
— Ave solta no céu matinal da montanha.
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.
O que eu adoro em ti,
Não é a tua graça musical,
Sucessiva e renovada a cada momento,
Graça aérea como o teu próprio pensamento,
Graça que perturba e que satisfaz.
O que eu adoro em ti,
Não é a mãe que já perdi,
Não é a irmã que já perdi,
E meu pai.
O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que eu adoro em ti — lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida.
"Este texto não é um prefácio
Disseram-me que era a minha vez de escrever sobre este livro e o seu autor. Tarefa difícil a que darei o meu melhor, sendo que não sou de grandes escritas. Mas...
- quando se nasce no centro do país mas se tem campos de searas no olhar;
- quando se cresce no meio da natureza e se ganham asas dos pássaros que voam ao longe;
- quando as lágrimas afloram o olhar com a mesma naturalidade com que o sorriso se rasga numa brincadeira de menino;
- quando se respira sensibilidade por todos os poros da pele;
- quando a amizade é forma de amor mais bonita e um amigo é tudo na vida,
tudo o que se possa dizer sobre o autor ou a sua obra fica aquém do merecido.
O António é antropólogo e a profissão levou-o a viver algum tempo ao sul, tendo daí resultado duas experiências riquíssimas que se traduziram em obras já publicadas sobre os Assalariados Agrícolas de Ervidel e os Mineiros de Aljustrel, livros que reproduzem histórias de vida de quem as contou. Escreveu ainda uma história para crianças (e para adultos, diria eu) a que chamou Sebastião Toupeira, e que aborda a vida dos mineiros de Aljustrel. Acresce a Casa das Glicínias e Os Confins da Infância, estes dois de poesia. E se os primeiros livros que escreveu nos prendem pelas histórias de vida que relatam, é na Poesia que o António (Lains de Ourém, às vezes Lains de lado nenhum) se despe completamente e nos mostra todos os sentimentos em carne viva.
Não tenho a certeza de quando conheci o António, porque já sabia que existia antes de o ver. Um Amigo comum juntou-nos, e éramos bastantes. Nesse dia em Ervidel eu tive a certeza que era uma amizade para a vida. Seguiram-se as outras apresentações dos outros livros que já referi, e com outros Amigos comuns. Mas eu já lia o António nas redes sociais. E às vezes tinha de parar para respirar. O que acontece ainda hoje. E fomo-nos descobrindo.
O António é um jovem nascido depois de Abril. Mas tem hoje, em seu poder, toda a História da nossa Revolução em autocolantes, cartazes, emblemas, crachás e outros materiais que o transportam a tempos em que ainda não existia, mas que sabe terem sido intensos e marcantes para quem os viveu. Depois o António é um curioso da vida, e encontrámos mais dois pontos em que os nossos interesses são idênticos: a música e as artes plásticas, dois mundos enormes sobre os quais temos ainda muito para conversar e descobrir.
Passemos ao Louvor das Aves ao Sul.
Nunca há palavras bastantes para descrever o belo. Profundamente conhecedor dos terrenos que pisa, cada poema é sempre um voltar ao passado e ao mesmo tempo ao futuro. Um passado experienciado quantas vezes ao som do chilrear das aves, um futuro a construir com todos os sonhos que agarra com as mãos. Um voltar à casa.
Este livro é uma viagem profunda (ou será um voo?) aos imensos campos do Alentejo e do Sul onde o autor se cruza com o canto das aves e com todas as emoções vividas e ainda por viver, mas que adivinha. Uma viagem solitária, que não em solidão, para melhor sentir o cheiro da terra, das árvores, das searas. Uma viagem solitária, que não em solidão, aos afectos, lugares e gentes com quem se cruzou. Uma viagem em que está sempre presente a Família como pilar de tudo. A Mãe! A Casa! A ternura...
E quem pega no livro para o ler inicia com o autor uma magnífica viagem ao interior de quem o escreve. Como disse atrás, todos os sentimentos estão em carne viva. Nada nos é indiferente neste livro de poemas. Nem as palavras, nem as ilustrações feitas por vários artistas plásticos.
Amaciem os vossos corações e leiam este livro em silêncio. Para que possam ouvir o bater de asas das aves."
Já fez um ano. O tempo voa...