Tuesday, September 27, 2016

Arrábida


abrir um oceano no meio de continentes
e fazer da terra serra
do que era fundo do mar
elevar no ar uma onda e fúria latentes
um penedo de infinitas conchas
que ousam levantar-se
verticais
e ter no extremo ocidente o mais belo cais
uma rocha um substrato um convento
convento, o retiro dos homens que querem estar mesmo ali
à mão de semear do deus que lhes sopra o vento
no rosto, na encosta sul, na face do azul
e do tempo
do tempo que esculpiu escarpas e algares
e povoou de folhas o solo que aceita filtrados os raios do sol
sobre o musgo
talvez do suão ainda nasçam aqueles medronhos
a semente mediterrânica de alecrim
e da pedra humedecida veja nascer o brilho
de onde vim
árabe
mas mais antigo que as regiões as religiões
um refúgio mãe uma concha nossa
a placenta.


Miguel Tiago

4 comments:

Jaime Portela said...

Não conhecia este poema do Álvaro Cunhal.
Que é excelente.
Maria, tem um bom resto de semana.
Beijo.

PS: já aqui não vinha há imenso tempo... acho que nos perdemos algures... mas gostei de voltar.

Justine said...

Álvaro Cunhal????
Gosto muito do Miguel Tiago, mas...
Contudo, é melhor poeta que AC!
beijos

Teresa Durães said...

Um belo poema!

Maria said...

Jaime Portela

Este poema não é de Alvaro Cunhal, mas sim do Miguel Tiago, deputado do PCP na AR.
E o pseudónimo do Alvaro Cunhal era Manuel Tiago e não Miguel Tiago.

Obrigada.