Monday, April 06, 2020

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Há-de bater-nos à porta
E antes de abrirmos entrar
Sentar-se à nossa mesa
Convidar-se p’ra jantar

Há-de deitar-se na cama
Sem lençol ou cobertor
Há-de vir de madrugada
A fingir que por amor

Há-de acordar de manhã
Tomar o café connosco
Há-de meter-se no carro
Conduzir a contra-gosto

Há-de passar a jornada
Mesmo ali ao nosso lado
Controlar a nossa luta
“É trabalho ou é cigarro?”

Há-de regressar à noitinha
Como se fosse saudade
Há-de esconder ser mentira
Mascarado de verdade

E se bebermos um copo
Há-de ser pedra de gelo
Fazer-se um abraço amigo
Passando a mão pelo pêlo

E há-de fazer-nos culpados
Pelo desejo que sentirmos
Estejamos nós acordados
Durmamos com quem dormirmos

Há-de invadir-nos o sangue
Percorrer-nos cada veia
Se formos praia ser mar
Se formos mar ser areia

Há-de tornar-se rotina
Como quem nasceu assim
Roubar-nos o corpo e a alma
O agora e o aqui

Hei-de mostrar-lhe que sei
que não passa de cilada
Resistir já é vencer
Mesmo morto hei-de dizer
Que o medo já não me mata

AM 2020

1 comment:

Maria João Brito de Sousa said...

Já nos não mata, o medo. Há muito que lhe fomos erguendo uma barreira de imunidade.