Friday, November 25, 2022

Fidel

Soy pueblo
dirán exactamente de Fidel
gran conductor el que incendió la historia etcétera
pero el pueblo lo llama el caballo y es cierto
Fidel montó sobre Fidel un día
se lanzó de cabeza contra el dolor contra la muerte
pero más todavía contra el polvo del alma
la Historia parlará de sus hechos gloriosos
prefiero recordarlo en el rincón del día
en que miró su tierra y dijo soy la tierra
en que miró su pueblo y dijo soy el pueblo
y abolió sus dolores sus sombras sus olvidos
y solo contra el mundo levantó en una estaca
su propio corazón el único que tuvo
lo desplegó en el aire como una gran bandera
como un fuego encendido contra la noche oscura
como un golpe de amor en la cara del miedo
como un hombre que entra temblando en el amor
alzó su corazón lo agitaba en el aire
lo daba de comer de beber de encender.
Fidel es un país
yo lo vi con oleajes de rostros en su rostro
la Historia arreglará sus cuentas allá ella
pero lo vi cuando subía gente por sus hubiéramos
buenas noches Historia agranda tus portones
entramos con Fidel con el caballo.

Juan Gelman

Thursday, November 24, 2022

Não há vagas

O preço do feijão 
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
luz e telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açucar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.

Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

- porque o poema, senhores,
está fechado:
"não há vagas"

So cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema senhores,
não fede
nem cheira.

Ferreira Gullar

Saturday, November 19, 2022

CANTAR DE VIVO PARA UM CAMARADA MORTO


(Em memória do meu amigo
José Mário Branco)

Nas mãos do vento uma guitarra arde.
É tarde. É tarde. E o meu poema pouco.
Que um deus qualquer a tua fúria guarde.
Que qualquer deus te ame. Ou qualquer louco.

No fundo do olhar morre a gaivota.
É cedo. É cedo. Vai gritando o vento.
E leva em cada asa uma derrota.
E põe no céu de abril o sofrimento.

É cedo. É tarde, amigo. Ai, é tão cedo!
É tão macia a noite. E negra a cama
coberta com lençóis do teu segredo.

Para ti não há loiros. Não há fama.
E enquanto um povo lavra o chão do medo
um homem rasga as veias sobre a lama.

Joaquim Pessoa

Thursday, November 17, 2022

Intervenção de JS no funeral de JC

Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP
no Funeral de José Casanova

16 Novembro 2014

Aqui estamos para prestar a justa e devida homenagem ao José Casanova. Para a Cândida, para os filhos Catarina e Miguel, a mais sentida palavra de pesar ainda que sabendo que palavras não há para preencher o vazio que o José Casanova lhes deixa, mas também a este imenso colectivo de camaradas e amigos que habituou à sua inesquecível presença.

Aqui viemos hoje, não para nos despedirmos de um camarada, mas para afirmar que embora partindo do convívio com os seus camaradas, os seus amigos e em particular com a sua família, o José Casanova estará presente em todos e em cada um dos muitos momentos que nos reunirão para continuar os combates e a luta que ele sempre abraçou. Deixou de estar entre nós um homem bom, um amigo solidário, um combatente antifascista e construtor de Abril, um Comunista. Mas o seu percurso de vida, de militante e dirigente do PCP perdurará em todos e em cada um de nós para prosseguirmos a luta de emancipação social que o animou.

Natural de uma terra de lutadores que inscreveram o Couço num dos mais emblemáticos locais de resistência contra a opressão e a iniquidade do regime fascista, Casanova que bem cedo aderiu ao PCP tem o seu percurso de vida ligado à luta pela liberdade e a democracia. Com 19 anos iniciou a sua participação na União da Juventude Portuguesa tendo integrado a sua Direcção.

Assumiu como jovem comunista, nas candidaturas de Arlindo Vicente e Humberto Delgado, papel destacado tendo desempenhado diversas tarefas partidárias no País nas décadas de 50 e 60 do Século passado. Preso pela PIDE em 1960, julgado e condenado a dois anos de prisão, Casanova permaneceu cerca de seis anos detido tendo passado pelas cadeias do Porto, Caxias e Peniche. Exilado na Bélgica no início da década de 70 aí prosseguiu a actividade partidária tendo sido presidente da Associação dos Portugueses Emigrados na Bélgica e mantendo contactos com os movimentos de libertação das ex-colónias.

Com o 25 de Abril José Casanova regressa a Portugal para prosseguir no nosso País a luta. Membro do Comité Central desde 1976 e da Comissão Política de 1979 a 2008, José Casanova foi, entre outras tarefas, responsável pelas Organizações Regionais de Lisboa (entre 1989 e 1996), de Santarém (em 1997 e 1998) tendo ainda, no início dos anos 2000 tido a responsabilidade pelo acompanhamento das regiões autónomas dos Açores e da Madeira. José Casanova foi director do «Avante!», órgão central do PCP entre 1997 e Fevereiro deste ano. Era actualmente responsável pela Comissão Nacional de Cultura.

Participante activo no exaltante processo de transformação social que a Revolução de Abril constituiu, José Casanova esteve associado às muitas batalhas, tarefas e luta que, primeiro no processo revolucionário, depois na resistência ao processo contra-revolucionário, mobilizaram o Partido, os trabalhadores e os democratas. Participante desde a primeira hora na Comissão Promotora das Comemorações Populares do 25 de Abril ainda na década de 70, Casanova integrou a Comissão Coordenadora da FEPU e da APU tendo desenvolvido um importante papel no trabalho unitário e de convergência com muitos outros democratas.

Homem de imensa cultura, aquela cultura que se ergue de uma vivência inseparável do pulsar do que de mais genuíno brota da incomparável sabedoria dos trabalhadores e do povo de onde vinha, José Casanova deixa-nos também a sua produção no campo literário com os romances “Aquela Noite de Natal”, “O Caminho das Aves” e “O Tempo das Giestas”, bem como outras obras, nomeadamente o livro sobre Catarina Eufémia, recentemente editado.

José Casanova honrou, pelo seu exemplo e dedicação, pelo seu espírito de militância e capacidade política, pela sua intervenção e entrega à luta, as melhores tradições da classe operária, dos trabalhadores e do povo português.

Uma opção que nestes tempos difíceis em que querem impor um futuro de declínio e retrocesso social ao País e a Portugal ganha redobrada importância.

Hoje, como em poucos outros momentos, a luta em que com o Casanova participámos em defesa dos valores de Abril, pela ruptura com a política de direita pela construção de uma alternativa e uma política patrióticas e de esquerda assume particular e decisiva importância.

Uma luta para afirmar direitos que com Abril conquistámos, para dar combate à exploração capitalista que lança para o empobrecimento e para a emigração centenas de milhares de portugueses, para devolver aos jovens o direito de poder ter futuro no seu País, para libertar Portugal da submissão e da dependência.

Essa luta sem tréguas que continuamos a travar para abrir caminho a um Portugal com futuro, para combater falsas alternativas, para ampliar a consciê ncia sobre os reais problemas e responsáveis pela situação a que o País foi conduzido, para alargar a convergência dos democratas e patriotas na afirmação de um Portugal desenvolvido e soberano, tendo o socialismo no horizonte. Muitos, entre outros objectivos de luta, que com o Casanova partilhámos e que saberemos estar a altura de lhe poder dizer, num futuro mais ou menos próximo, “conseguimos Zé”!

Aqui estamos, não para lhe dizer Adeus, mas até sempre, neste reencontro de todos os dias na luta que nos unirá. Com a profunda convicção de que a sua morte não apagará um percurso de vida marcada pela inteira dedicação à luta pela Liberdade, a Democracia, o Socialismo e o Comunismo.
Homens e comunistas assim não morrem.

O José Casanova sabia que o seu Partido de sempre, o seu projecto, o seu ideal, iria prosseguir para além das nossas vidas!

Perduram em cada um de nós neste combate que nos une, na luta que continua.

Até sempre, camarada José!

 

Thursday, November 03, 2022

O 'pão por deus'

Quando temos Amigos de há longa data (a Ilha presente) e a esses Amigos se juntam outros Amigos (a Festa presente) e ainda outros que passam a ser amigos, acontece uma enorme mesa (ou várias pequenas mesas que fazem uma enorme mesa) e a festa acontece.
Foi assim, mais uma vez, anteontem, dia 1, dia do Pão por Deus. Dia que me leva à infância, onde bem cedo os cheiros das broas e das batatas doces assadas se misturavam com o cheiro dos figos e castanhas assadas. E havia nozes e maçãs. E saquinhos de pano onde púnhamos o que nos davam. E era uma alegria.
Mas eu quero falar é de anteontem. Ainda estávamos a tomar o pequeno almoço e já havia voluntários a fazer o lume onde se iria assar um porco, e os fornos estavam acesos para a cozedura do pão. E ao meio dia as pessoas já iam chegando, cada um trazia um doce ou o que queria, que isto dividido por todos é mais fácil e faz parte da partilha e do convívio.
Dei-me conta que os dois anos de pandemia alteraram bastante a vida das pessoas. Desabituámo-nos (quase) do beijo e do abraço, mas em compensação havia muitas crianças a brincar no relvado onde antes se tinham jogado futebol. E havia um palhaço para as entreter e ao final da tarde música (onde o fado teve um lugar de destaque).
Isto tudo para dizer que os anfitriões foram, mais uma vez, exímios na preparação da festa, não pararam um segundo, e eu continuo a sentir-me ali como se estivesse em casa. Afinal já vi nascerem duas gerações...
Muito obrigada Ana Isabel  e Oscar pelo belo dia que me (nos) proporcionaram. É bom estar com Amigos.
Boas férias e bom descanso, rapidamente nos veremos e para o ano já me sinto aí. Esse pão quente com manteiga é a minha perdição.