Thursday, November 24, 2022

Não há vagas

O preço do feijão 
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
luz e telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açucar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.

Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

- porque o poema, senhores,
está fechado:
"não há vagas"

So cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema senhores,
não fede
nem cheira.

Ferreira Gullar

3 comments:

- R y k @ r d o - said...

Está tudo caríssimo, rsrssr. Gostei do poema
.
Cumprimentos poéticos.
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.

Maria João Brito de Sousa said...

Peço desculpa, mas este soneto nasceu da leitura desse poema:

HOJE HÁ VAGAS!
*


No mundo dos versos nascidos de humanos

Descubro um poema que cheira a suor,

Que pode comer-se, que fede a bolor,

Que treme de frio coberto de panos,
*



Que pinga das bicas, que escorre dos canos

De esgoto da casa de um trabalhador

Que ostenta as mazelas sem qualquer pudor,

Que geme de dor, que desmente os enganos...
*



No mundo dos versos dos homens reais

Se sonhos encontro, procuro bem mais

Do que fantasias com asas douradas
*



E se por achá-lo todos vós me achais

Inconveniente ou rebelde demais,

Replico "hoje há vagas": portas arrombadas!
*



Mª João Brito de Sousa

03.02.2022 - 15.45h

Maria said...

Obrigada, Maria João. Beijinho.