Tuesday, January 17, 2023

Calendário


Janeiro. O sol vem devagarinho
bater à minha porta. Vem dizer
que o frio é um punhal. E o caminho
é uma rosa de sono a apodrecer.

Fevereiro. As aves têm medo
de poisar nos braços da manhã.
Morreu a toutinegra. O arvoredo
deita lágrimas de cinza e hortelã.

Depois Março rasteja. É uma hera
penetrando o vente da alegria.
A terra é verde. E é loira a primavera
bordada a fios de sol do meio-dia.

Abril é um abraço. É uma flor.
A flor que tem raiz no coração.
Abril foi um sol dado. Um sol maior.
Uma espingarda dentro da razão.

E Maio? Ah sim! De Maio o menos
que poderei dizer é a verdade.
É da luta na rua que faremos
um país que seja a própria liberdade. 

Mês de Junho: a pedra sobre o lago.
Um barco de palavras que não vejo.
O mar da estranha calma em que naufrago.
A praia onde respira o meu desejo.

De Julho quase nada. Fiz um filho.
As noites são irmãs da minha boca.
E há beijos que me sabem a tomilho
quando abraço das estrelas a mais louca.

Agosto é a seara. A lua cheia
de promessas. De raivas. De cantigas.
O sol é uma aranha. E faz a teia
entre o azul do céu e as espigas.

Setembro da tristeza. Das vindimas.
Ai vinhas da mentira! Orgasmo das videiras!
Há cachos de uvas brancas nestas rimas.
Borboletas colorindo as bebedeiras.

Outubro é um cavalo. Um potro branco.
Escoiceando o vento. Mordendo a claridade.
E ferido de um só golpe sobre o flanco 
ainda vai trotando esta ansiedade.

E vem Novembro. Um assassino deixa
morrer a minha pátria. E jaz no chão
a minha rosa negra. A minha queixa.
Novembro não tem paz. Não tem perdão.

Dezembro. Cantaram-se outros hinos.
Gritaram-se os poemas que não fiz.
E morro entre palavras. Entre os sinos
que tocam a rebate o meu país.

Joaquim Pessoa


2 comments:

" R y k @ r d o " said...

Fernando Pessoa, um POETA brilhante.
.
Saudações poéticas.
.
Poema: “”Pedaços que dividem o coração ””…
.

Maria said...

Joaquim Pessoa, Ricardo.