Tuesday, March 26, 2024

O Bombista


Flamejante auriflama incendiada
patriótica face entumecida
com dentes de coroa cariada
e alma nacional - apodrecida.

Galões de oficial. Na face armada
um sorriso de arcanjo genocida
mais os comendadores da comenda
da comandita que nos comanda a vida.

Olhar alarve mas não inocente
na mão aberta a palma democrata
na mão escondida a saudação fascista.

É fácil perceber que nem é gente
é um simples piolho que se cata
é um filho da puta é um bombista. 

Ary dos Santos

Thursday, March 21, 2024

***


não é dia de natal nem do teu aniversário
ou do meu, e nem sequer é dia da mulher
é um dia qualquer como outros que já foram
uns espantosos e alguns nem por isso
fala-se pouco dos dias assim assim
e é deles o tijolo mais bonito e imperfeito
das construções a dois
como se fala pouco de amor fora das datas
esse amor oficial de calendário
o tal que nunca nos interessou
porque dissemos sempre e sempre e outra vez
ou amor todo ou não me interessa
tenho mais o que fazer
e é talvez isso ou só pode ser isso
que eu sou já velho mas estou outra vez
no elevador estrangeiro onde tirei esta foto
e vejo hoje - daqui a pouco - quando chegares
o que foi - e o agora - e o sempre. 

Rodrigo Guedes de Carvalho

Sunday, March 17, 2024

Soneto



Lábios que encontram outros lábios
num meio de caminho, como peregrinos
interrompendo a devoção, nem pobres
nem sábios numa embriaguez sem vinho:

que silêncio os entontece quando
de súbito se tocam e, cegos ainda,
procuram a saída que o olhar esquece
num murmúrio de vagos segredos?

É de tarde, na melancolia turva
dos poentes, ouvindo um tocar de sinos
escorrer sob o azul dos céus quentes,

que essa imagem desce de agosto, ou
setembro, e se enrola sem desgosto
no chão obscuro desse amor que lembro.

Nuno Júdice
1949 - 2024

Saturday, March 16, 2024

16 de Março de 1974

 



Foi há 50 anos...
16 de Março de 1974
A 1ª tentativa do Spínola 'controlar' o Movimento dos Capitães.
Felizmente saiu-lhe o tiro pela culatra 🙂

Tuesday, March 12, 2024

Rádio Portugal Livre

 


Das memórias...
Em 12 de Março de 1962, FAZ HOJE 62 ANOS,
a RÁDIO PORTUGAL LIVRE dava início às suas emissões.
*
UMA VOZ QUE O FASCISMO NUNCA CONSEGUIU CALAR
No início de 1962, inserida na luta de resistência ao fascismo e como reforço à imprensa clandestina, o PCP decidiu criar a Rádio Portugal Livre.
Assim, em 12 Março de 1962 a Rádio Portugal Livre iniciou as suas emissões e durante 12 anos manteve emissões diárias de meia hora, que iam para o ar 4 vezes por dia; aos domingos uma emissão que era dirigida especialmente aos camponeses e aos agricultores; e aos sábados uma emissão ("A Voz das Forças Armadas") dirigida às forças armadas.
Hoje pode-se revelar, sem transgredir regras de segurança que então eram necessárias, que os emissores da RPL estavam instalados na Roménia e que foi a partir de Bucareste (quando se dizia que era de Moscovo ou de Praga) que foi lançada “no ar” de Portugal, desde a primeira até à última emissão.
Durante os 12 anos e meio da sua existência, a pequena redacção da RPL trabalhou em condições de completa "extra-territorialidade", como se estivesse instalada em território português, e com total independência quanto à sua orientação e à organização do seu trabalho.
Durante esses 12 anos e meio, a Rádio Portugal Livre foi a voz livre dos que, cá dentro, não podiam falar livremente. Era uma voz que vinha de longe, é certo, mas que era ouvida bem de perto, com o ouvido colado à onda curta, abafando os sons que pudessem levar à sua detecção na noite ainda a dormir, ou na madrugada por acordar.
Contra essa voz, foi montado um autêntico arsenal técnico de interferências, numa orquestração de ruídos estridentes e confusos, por vezes de um agudo tão metálico que parecia querer furar os tímpanos de quem a escutava. Nessa infame “missão”, à colaboração dos emissores da "Voz da América", localizados no Ribatejo, juntaram-se os serviços de rádio-comunicações das Forças Armadas, numa tentativa desesperada para calar aquela voz que inquietava, que agitava, que acordava consciências...
O contacto permanente com o País, através das notícias enviadas pelo Partido, foi o principal suporte do trabalho diário na RPL. Eram notícias que passavam de mão em mão, por muitas mãos, atravessando muitos perigos e fronteiras, até chegarem às mãos de quem as iria fazer chegar a todo o país. Não teria sido possível alimentar os programas de uma rádio com emissões diárias, sem esse suporte de informações colhidas por todo o país, através da organização do PCP, em fábricas, empresas, escolas, quartéis, cidades, vilas e aldeias.
Em Outubro de 1974, por se considerar que já existiam condições para consolidar a democracia conquistada com o 25 de Abril, a RPL terminou as suas emissões. E a sua última emissão acabou com a seguinte frase: "Esperamos que nunca mais seja necessário haver uma rádio clandestina, para que o povo português saiba o que se passa no seu próprio país".

Isaura Moreira
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© António Domingues - Rádio Portugal Livre, Gravura

Friday, March 08, 2024

Calçada de Carriche


Luísa sobe, sobe a calçada,
sobe e não pode que vai cansada.
Sobe, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe sobe a calçada.
Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.
Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa. Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.
Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas
não dá por nada.
Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.
Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa. Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.


António Gedeão

Tuesday, March 05, 2024

A Reunião de Cascais 5 de Março de 1974

Há 50 anos, a 5 de março de 1974, o Movimento dos Capitães dava o último passo decisivo no caminho para o 25 de Abril.

Numa reunião em Cascais, onde participam cerca de 200 homens em representação de mais de 600, os Capitães assumem como irreversível a opção pelo golpe de Estado, determinam um reforço da sua organização e acionam os mecanismos para a conclusão de um projeto político que sintetiza os seus objetivos fundamentais.

O encontro clandestino é preparado com relevantes preocupações de segurança. Os jovens militares são inicialmente convocados para 18 cafés ou pastelarias em Lisboa, onde devem esperar por um elemento que os encaminhe para o local da sessão. O plano inicial é realizar a reunião no edifício Franjinhas, no cruzamento das ruas Castilho e Braamcamp, mas é alterado nesse mesmo dia: o destino acaba por ser o 1.º andar do número 45 da rua Visconde Luz, em Cascais, no ateliê do arquiteto Braula Reis.

Nesse pequeno espaço, cumpre-se uma etapa determinante na história do Movimento dos Capitães e para o sucesso da «Operação Viragem Histórica», que, dali por 51 dias, derrubaria uma ditadura que durava há quase meio século.

Durante o encontro, é aprovado pela maioria dos presentes (111) o documento de síntese «O Movimento, as Forças Armadas e a Nação». Este é o primeiro projeto político dos Capitães, fundamental para balizar os seus objetivos, mas também para condicionar quem, derrubada a ditadura, viesse a deter o poder. Fica patente a intenção do Movimento de democratizar o país e de acabar com a guerra e dá-se aqui a passagem do Movimento dos Capitães a Movimento das Força Armadas (MFA). Os Capitães decidem delegar em Melo Antunes a responsabilidade de presidir e coordenar a comissão de elaboração do Programa.

No mesmo encontro realiza-se uma nova votação sobre os futuros chefes do Movimento, num escrutínio mais uma vez ganho por Francisco da Costa Gomes, então Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.

Os presentes dão ainda um voto de confiança à Comissão Coordenadora do Movimento e à direção para desenvolver todas as atividades necessárias à preparação do golpe de Estado.

#50anosdo25deabril