Saturday, March 02, 2013

Música para o fim-de-semana





BALADA DO MEDO

Eram quatro cavalos de silêncio negro.
Quatro esporas ferindo as éguas do canto.
Quatro asas de fumo sobre o pensamento.
Quatro sombras de medo à volta da casa.

Eram quatro nomes. E quatro navalhas.
Eram quatro paredes. E quatro guardas.
Eram quatro assassinos. E quatro espingardas.
Eram quatro sorrisos. E quatro navalhas.

Eram quatro. Eram quatro. E o meu peito batia.
Quatro lanças no sangue. Quatro gritos na voz.
Quatro lenços de vento. Quatro rosas tardias.
Eram quatro forcas. Eram quatro nós.

Eram quatro letras com rasto de lume.
Quatro olhos acesos na boca da noite.
Quatro harpas cantando a hora de um crime.
Eram quatro farpas. Eram quatro açoites.

Quatro balas. Quatro. Eram quatro, sim.
Eram quatro servos. E quatro chicotes.
Eram quatro cabeças. E quatro garrotes.
Eram sempre quatro os gritos que ouvi.

Quatro rosas negras. Quatro armas brancas.
Quatro luas velhas. Quatro aves de sono.
Quatro feridas sujas. Quatro hienas mortas.
Eram quatro lobos. Quatro cães sem dono.

Eram quatro. Eram quatro. Agora me lembro
das vozes gritando ao longo do tejo.
Eram quatro gaivotas no céu de Novembro.
Quatro mãos em sangue que agora não vejo.

Eram quatro copos. Eram quatro taças.
Eram quatro algemas. Eram quatro espadas.
Eram quatro pombas quase esfaceladas.
Eram quatro risos. E quatro desgraças.

Eram quatro, sim. Eram sempre quatro
as feridas abertas na palma da mão.
Eram quatro janelas fechadas no quarto.
Eram quatro loucos com olhos de cão.

Eram quatro tempos num tempo de medo.
Eram quatro, eram, as larvas do tédio.
Eram quatro mortes todas em segredo.
Eram quatro vidas todas sem remédio.

Foram sempre quatro as lutas que eu tive
com quatro cavalos qual deles o mais forte.
Quatro razões certas por quem um homem vive
sem temer os quatro cavalos da morte.

Joaquim Pessoa

3 comments:

Manuel Veiga said...

saudades da voz de Carlos Mendes.

bela canção e um belo poema

beijos

Pata Negra said...

Fiquei feito num quatro! Venham mais quatro de um assentada que eu pago já, já me obrigaram a ir para rua gritar... não era a troika mas a quaoika... o será que a banca portuguesa não manda nada??
Um abraço do poema que, por ignorância, não conhecia

Justine said...

E se for preciso termos mais lutas, tê-las-emos!

Grande poema e óptima escolha, Maria:))))