Sunday, January 18, 2015

Desespero


Não eram meus os olhos que te olharam
Nem este corpo exausto que despi
Nem os lábios sedentos que poisaram
No mais secreto do que existe em ti.

Não eram meus os dedos que tocaram
Tua falsa beleza, em que não vi
Mais que os vícios que um dia me geraram
E me perseguem desde que nasci.

Não fui eu que te quis. E não sou eu
Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto,
Possesso desta raiva que me deu

A grande solidão que de ti espero.
A voz com que te chamo é o desencanto
E o esperma que te dou, o desespero.

Ary dos Santos, in 'Liturgia do Sangue'

4 comments:

Pata Negra said...

Até o desespero tem sempre uma espera, nem que seja o fim do desespero.
Nenhuma poesia se digere sem se rasgar, caso contrário não haverá lugar para outra poesia.
Um abraço e espero

Rogério G.V. Pereira said...

Ary,
sempre ágil em rasgos de alma

Desesperemos!

Era uma vez um Girassol said...

Beleza de poema....
E sempre a espera...apesar do desespero!
Bjs da flor (agora mais blogueira...)

Manuel Veiga said...

beijos Maria.

Ary dos Santos e o seu inigualável talento.