Saturday, March 21, 2015

A defesa do poeta


Senhores jurados sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto

Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim
Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes
Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei
Senhores professores que pusestes
a prémio minha rara edição
de raptar-me em criança que salvo
do incêndio da vossa lição
Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis
Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além
Senhores três quatro cinco e Sete
que medo vos pôs por ordem?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem?
Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa
Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever
ó subalimentados do sonho!
a poesia é para comer!
  
Natália Correia


5 comments:

Justine said...

Toca a comê-la! A Natália tinha razão...
Bom fim de semana, minhamiga:-)

samuel said...

Grande!!!
A minha primeira parceira oficial de autoria de canções.
Pena... que nenhuma tenha ficado registada! Nem na memória, nem em qualquer outro "suporte" :-)

Elvira Carvalho said...

Sempre gostei da poesia de Natália Correia.
Este é mais um excelente poema.
Um abraço e bom Domingo

Parapeito said...

Que haja sempre muita fome de poesia.
Faz cá falta a Natália.
Não sabendo se conhece, deixo este grande momento do Botequim
https://www.youtube.com/watch?v=Tmzqj3m3sws
Costumava passar muitas vezes junto ao Botequim quando ia com familiares que moravam na calçada do Monte e que iam à Igreja da Graça.
Lembro de haver quem achasse que aquilo era um antro de comunistas e de gente esquisita.
Santa ignorância já achava eu com os meus 12/13 anos.
Ainda resiste,mas não é a mesma coisa.
Falta a alma da Natália Correia .
Gosto de a ver por aqui.
Abraço e brisas doces **

Maria said...

Também costumava passar por lá, já com mais anos ;)
Hoje nada é como dantes (para o bem e para o mal), mas é a vida a acontecer.
Abraço, Lobinha de olho azul.