Saturday, August 31, 2024

Discurso de Aquilino Ribeiro

Uma imagem com Cara humana, retrato, esboço, quadro

Descrição gerada automaticamente

AQUILINO RIBEIRO

 

“Meus queridos camaradas, olhem sempre em frente, olhem para o sol, não tenham medo de errar sendo originais, iconoclastas, o mais anti que puderem, e verdadeiros, fugindo aos velhos caminhos trilhados de pé posto e a todas as conjuras dos velhos do restelo. Cultivem a inquietação como uma fonte de renovamento. E, enquanto vivermos, façamos de conta que trabalhamos para a eternidade e que tudo o que é produção do nosso espírito fica gravado em bronze para juízes implacáveis julgarem à sua hora”.

.  Uma imagem com escrita à mão, file, Tipo de letra, desenhos de criança

Descrição gerada automaticamente

— AQUILINO RIBEIRO (Sernancelhe, Viseu, 13 de Setembro de 1885 — Lisboa, 27 de Maio de 1963), escritor, no discurso que proferiu aquando da homenagem que lhe foi prestada pelos seus 50 anos de vida literária.

Sunday, August 25, 2024

Wednesday, August 21, 2024

Amiga

Quando já nada resta
nem o cavalinho de pau
em que guardámos
os sonhos das crianças
Quando o fumo da cidade
nos dói de pólvora e estilhaços
porque das chaminés não sobra
nem sequer o preconceito
Ergue-se ainda, confusa e serena,
uma esperança, uma amiga,
a glória e a raiva
vermelha e doce
que nos incendeia a vida.
CG
28.11.1977

Sunday, August 18, 2024

Alma ausente


No te conoce el toro ni la higuera,
ni caballos ni hormigas de tu casa.
No te conoce el niño ni la tarde
porque te has muerto para siempre.
No te conoce el lomo de la piedra,
ni el raso negro donde te destrozas.
No te conoce tu recuerdo mudo
porque te has muerto para siempre.
El otoño vendrá con caracolas,
uva de niebla y montes agrupados,
pero nadie querrá mirar tus ojos
porque te has muerto para siempre.
Porque te has muerto para siempre,
como todos los muertos de la Tierra,
como todos los muertos que se olvidan
en un montón de perros apagados.
No te conoce nadie. No. Pero yo te canto.
Yo canto para luego tu perfil y tu gracia.
La madurez insigne de tu conocimiento.
Tu apetencia de muerte y el gusto de su boca.
La tristeza que tuvo tu valiente alegría.
Tardará mucho tiempo en nacer, si es que nace,
un andaluz tan claro, tan rico de aventura.
Yo canto su elegancia con palabras que gimen
y recuerdo una brisa triste por los olivos.
Federico Garcia Lorca

Saturday, August 17, 2024

Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal,
senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e
uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos Drummond de Andrade
31.10.1902 - 17.8.1987

Wednesday, August 07, 2024

Memória da Mísia

Da página do Diogo Varela Silva

Hoje despedimo-nos da Mísia. Foi abraçada pelo xaile da sua avó, o mesmo xaile que a abraçava neste vídeo.
Foi com uma lágrima no olho e um sorriso maroto (tão típico nela) que nos despedimos, numa linda cerimónia, onde, entre outras coisas, a Isabel Ruth nos leu a Carta a Deus, de Mísia:
Mísia
July 26, 2017 ·
CARTA A DEUS ( Mísia)
Querido Deus
Não sei se te lembras de mim e de um episódio passado há muito tempo, no Colégio Liverpool no Porto. Com treze anos e depois de ler "Porque não sou Cristão" (tu sabes qual o autor), com a frontalidade que ainda hoje conservo, fui direita bater à porta do gabinete da Madre Directora comunicar-lhe pessoalmente que já não acreditava em Ti.
A seguir deitei fora a minha coleção de santinhos de que tanto gostava , suas nuvens trespassadas por feixes de luz celestial.
Interna desde os seis anos, fiquei mais só a partir desse dia. Uma solidão cósmica, sem nenhuma luz ao fundo do corredor. Viisualizava-me como uma astronauta pendurada pelo cordão da cápsula espacial, com o negro infinito do espaço como edredon eterno.
Três anos mais tarde li "O Mito de Sísifo" e então aí é que ficou tudo estragado entre nós.
Hoje percebo que a função da ideia de Ti teria sido uma útil consolação para o vazio afectivo daqueles anos e dos seguintes. Mas nesse tempo eu ainda não possuia a sabedoria necessária para aceitar que a verdade não é o que mais interessa, e que a ideia de Ti não tem um valor fixo.
Não sabia que a tua morte pode ser um enorme vazio, sobretudo para uma agnóstica como eu.
Sou hoje uma agnóstica não praticante. Pago promessas na ilha japonesa de Enoshima, a BentenSan - ciumenta deusa das gueishas, dos artistas e jogadores - e trago sempre comigo um minusculo Stº António (versão homeopática )que faz tudo o que lhe peço: só milagres muito pequeninos e sempre possíveis.
De facto, nunca me refiz do luto de Ti .
Por isso a voz desta carta é ainda a daquela aluna que não quis mentir por omissão. Por isso, esta é uma carta íntima só entre tu e eu , um textinho sem grandeza ou sombra literária , sem pretensões deontológicas. Nada de Heidegger , Levinas , Nietzsche ou Coleridge e a sua suspensão da incredulidade.
Querido Deus, tenho tantas perguntas a fazer-te! Algumas desde os treze anos, outras desde ontem.
É verdade que depois de crear o mundo, te foste embora não vendo assim o que fizeste?
Nunca viste os tsunamis que nos engolem, os fogos que nos abrasam, os ventos que nos estrelam contra coisas duras, e os raios que nos partem?
Nem as crianças em fase terminal nos hospitais morrendo devagar , com olhos febris como lagos cintilantes?
Porquê tiveste tanta imaginação para células doentes e virus mutantes?
Não sabes nada da falta de compaixão da humanidade, da tortura , das violações, da crueldade entre nós ? Do nosso sofrimento físico e moral ? "Heavy furniture", querido Deus....
Talvez as minhas perguntas te pareçam impertinentemente ingénuas, mas - qual Lilith- fiquei para sempre cristalizada no estádio de estarrecimento primário que me provocou e provoca o tipo de lugar em que nos puseste.
Dirás que só te falo de grandes catástrofes e da barbárie mais extrema. Que as flores são lindas ,que as joaninhas têm design dos sixties, que os passarinhos cantam e que as crianças sorriem sem motivo. Sim, são excelentes argumentos aos quais sou sensível, mas não chegam para acalmar mil dúvidas (algumas bastante quotidianas), acumuladas desde o Colégio Liverpool.
És capaz de assitir a um documentário da National Geographic sem tapar os olhos quando o bebé antilope mais frágil, de pernas a tremelicar imenso, vai ser mesmo comido ?
E a calçada portuguesa, não podias fazer de maneira que continuasse a ser "tãaao linda! " mas menos letal de modo a não enviar para a traumatologia os idosos com osteoporose ? E já agora, que também se pudesse andar com sapatos de tacão sem o risco de partirmos a moleirinha?
Não achas que evitar a segunda parte de Bambi teria sido uma boa operação de marketing para a tua imagem?
Por favor Deus, diz que sim!Não podias inventar um nome mais poético para Ranholas?
Temos também o caso da estátua do Pessoa no Chiado - ele tão pouco sociável- numa exposição sem defesa, entregue aos turistas de Badajoz. Achas que ele merecia uma coisa assim?
E pela Tua Santa Saúde, nao podias aconselhar o João Braga a decidir de uma vez por todas em que tom quer cantar?
Desculpa a irrelevância e a provocação de algumas questões mas como muito bem sabes, fizeste-me irresistivelmente imperfeita. Poderia continuar a importunar-te com a minha curiosidade, mas com que sentido perguntar ad aeternum?
Não sei se algum dia e de que maneira me responderás. ...Nem sei se ainda quero as Tuas respostas. Era de facto mais fácil até aos treze anos quando estavas dentro de mim e não precisava de te escrever.
Lenta genuflexão,
Mísia
Ps: Ah, já me esquecia!
Obrigada pelos pinguins, cães salsichas, peixinhos da horta e tremoços .
Pela maravilhosa Celeste Rodrigues, Yoshitomo Nara e Mahler.
Obrigada pelas palavras" cogumelo e borboleta ".(Delete "fronha" please)
Obrigada pelo milagre das cerejeiras em flor e pelos barquinhos de papel.
Ten points por Veneza! Yess!
Sincera e eternamente agradecida pelo meu fantástico gato Virgula!

Saturday, August 03, 2024

Princípio do fim de Salazar

Princípio do fim de Salazar começou a 3 de Agosto de 1968
Hilário emprestou-lhe o «Diário de Notícias». O ditador de Santa Comba Dão, que governava o país com punho de ferro e era «muito cabeça no ar», como recordava o seu barbeiro Manuel Marques, deixou-se cair para uma cadeira de lona.
Com o peso, António Oliveira Salazar tomba para trás. Com violência, cai no chão e a cabeça dá uma pancada nas lajes do terraço do forte onde anualmente passava as férias, acompanhado pela governanta, Maria de Jesus, a famosa D. Maria.
D. Maria, e Hilário, que estava a lavar as mãos numa bacia, precipitam-se para Salazar. Ele levanta-se, atordoado. Queixa-se de dores no corpo, mas pede segredo sobre a queda nem quer que chamem os médicos - é o que conta Franco Nogueira, no livro «Salazar, Volume VI - O Último Combate (1964-70)».
Outra testemunha, o barbeiro Manuel Marques, contou Fernando Dacosta, na revista Visão, em 1998, contraria esta tese. Afinal, Salazar não caiu na cadeira de lona, já desaparecida, mas tombou no chão desamparado.
Diz o barbeiro que Salazar «não se apercebeu, nessa manhã que a cadeira, onde se deveria instalar, se encontrava fora do sítio». «O dr. Salazar era muito educado, mas muito cabeça no ar», lembra.
A vida de António Oliveira Salazar prossegue normal. Hilário trata as unhas do ditador e só três dias depois é que o médico do presidente do conselho com o que se passou ao seu médico, Eduardo Coelho.
A 19 de Agosto, embora mal disposto, o chefe do executivo vai ao Palácio de Belém para assistir à posse daquele que viria a ser o seu último governo.
Só 16 dias depois, a 04 de Setembro, Salazar admite que se sente doente - «não sei o que tenho». A 06 de Setembro, à noite, sai um carro de São Bento. Com o médico, Salazar e, no lugar da frente, o director da PIDE, Silva Pais.
Envolto na noite e em segredo, a Censura encarregava-se de evitar qualquer notícia, Salazar é internado no Hospital de São José e os médicos não se entendem quanto ao diagnóstico - hematoma intracraniano ou trombose cerebral - mas concordam que é preciso operar, o que acontece a 07 de Setembro.
Só nesse dia sai o primeiro boletim clínico e se resume a uma frase: «O sr. Presidente de Conselho foi operado esta noite de um hematoma, sob anestesia local, encontrando-se bem».
A 16 de Setembro, o ditador desmaia, no Centro de Saúde de Benfica, onde ficou internado, e a situação agrava-se com uma hemorragia no cérebro. A médicos e até ao Cardeal Cerejeira é exigido segredo.
Nove dias depois, o presidente Américo Tomás é informado pelos médicos de que «a vida política de Salazar está terminada» e começam os contactos para formar um novo governo.
A 26 de Setembro, Tomás anuncia a substituição de Salazar e no dia seguinte Marcelo Caetano toma posse. O ditador tinha governado Portugal 40 anos, quatro meses e 28 dias.
O país é informado da substituição de Salazar por Marcelo, que dá início a uma tentativa de abertura do regime, mas o professor de finanças públicas foi o único a pensar que ainda estava na cadeira do poder.
A encenação à volta do ex-presidente do conselho deposto durou ainda dois anos.
«Há uma ficção de tragédia posta em teatro: Salazar vivendo na residência oficial do chefe de Governo. Salazar recebendo ministros, embaixadores, jornalistas estrangeiros. Salazar discutindo política, concedendo entrevistas. E Salazar sendo somente um grande inválido despojado de todo o poder terreno, cidadão como os outros, sem dúvida carregado de passado, de história, de simbologia nos seus princípios, e do poder próprio de uma autoridade moral», escreve Franco Nogueira.
A 15 de Julho de 1970, é acometido por uma grave «doença infecciosa» e 11 dias depois Salazar agoniza com perturbações cardiovasculares, funções renais, edema pulmonar. Gomes Duarte, pároco da Estrela, dá-lhe a extrema-unção.
Os médicos declararam a morte de António Oliveira Salazar às 09:15 de 27 de Julho de 1970. Morreu aos 81 anos.

Diário Digital / Lusa