Quando o PCP propôs, em 2014, a constituição da Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) à gestão do Banco Espírito Santo e do Grupo Espírito Santo, com vista
ao esclarecimento das condições em que foi
aplicada a medida da resolução ao BES, e da
gestão do banco e do grupo que conduziram à
ruptura, fê-lo com a convicção de que constituiria uma oportunidade política relevante para
conhecer em detalhe o modelo de governação
dos monopólios e da sua relação com o poder
político. A vida veio a dar-nos razão.
O caso BES/GES reforça
a necessidade do controlo público
do sistema financeiro
A intervenção do Partido nesta CPI foi determinante para denunciar as práticas do sistema
financeiro e dos grupos monopolistas, o que
aliás pode ser consultado no livro das Edições
Avante! O dossier BES/GES, um retrato do capitalismo monopolista em Portugal, material de
indispensável consulta quando agora assistimos ao arranque do julgamento de alguns dos
seus responsáveis, dez anos após o colapso da
instituição financeira.
O caso da banca, em que ao BES se juntam os
processos do BPN, BPP, BANIF e outros, mostram como estão entrelaçadas as privatizações,
a corrupção, o poder dos grupos económico e
o poder político, a política de direita.
As práticas que levaram o BES ao seu colapso
são internas e externas: o banco financiava
as opções de todo o império Espírito Santo,
o Banco de Portugal (BdP) fingia regular e
supervisionar e os governos enlaçavam-se
com o grupo.
O Grupo e o Banco construíram uma miríade
de off-shores, para todo o tipo de pagamentos
a grandes accionistas. Recorde-se o exemplo
do recurso ao BES Angola para desviar mais de
3 mil milhões de euros para financiar negócios
e propriedades que nunca existiram. As grandes auditoras externas ocultavam – pelo menos
desde 2001 – a situação de exposição grave que
o banco tinha ao GES e tudo isso aconteceu e
acontece no “cumprimento da lei”: é a lei que
permite as transferências para off-shores; é a
lei que dita que o BdP não tem auditoria própria
e que os bancos são auditados por empresas
privadas; é a lei que permite que lucros gerados no País não paguem cá imposto.
E foram as opções políticas que autorizaram o compromisso de milhares de milhões de
euros com a resolução do banco e que determinaram que não seria nacionalizada a componente não financeira do Grupo, impedindo
que se colmatassem as perdas públicas com o
património do GES. E foi o governo PSD/CDS
que determinou que o Estado pagaria a factura da corrupção dos grandes accionistas do
BES que distribuíam créditos entre si, através
do Fundo de Resolução.
É importante frisar que hoje, como em 2014,
ressurgem as ilusões sobre a natureza do fundo
de resolução, seguindo Maria Luís Albuquerque, Passos e Portas. Hoje é claro para todos
(incluindo para o Tribunal de Contas) que o
FdR é uma entidade pública, financiada por
dinheiro público. A ideia de que o FdR ressarcirá o Estado pelos empréstimos é falsa: em
primeiro lugar, porque o dinheiro que alimenta
o fundo é público, resultando de um imposto;
em segundo lugar, porque nunca ultrapassou
os 225 milhões de euros anuais (cobrados em
2023), o que pode significar que serão necessárias mais de quatro décadas para que o dinheiro
seja totalmente devolvido.
Este é o resultado das opções de PS, PSD e
CDS e quanto ao regulador, supervisor e as
grandes empresas de auditoria, estes não são
polícias do sistema financeiro, antes os condutores do carro de fuga que, cúmplices, aguardam à porta disfarçado e tranquilizando os
transeuntes.
A realidade aí está a demonstrar que PS, PSD
e seus sucedâneos pretendem continuar a farsa
e a ocultação. As privatizações de que somos
contemporâneos demonstram isso mesmo:
esse compromisso dos governos com a grande
burguesia nacional e transnacional ultrapassa
qualquer medida de mero bom-senso e acautelamento do interesse público.
Aqui chegados, o julgamento dos arguidos do
caso BES não pode reduzir-se a uma espécie de
expiação da culpa de um grupo circunscrito de
malfeitores, antes tem de se constituir como
um momento que ilustra as práticas e resultados das privatizações, da gestão privada da
banca da farsa da supervisão, da subordinação
do poder político ao poder económico, reafirmando a necessidade do controlo público do
sistema financeiro.
Miguel Tiago
(Avante! 24.10.2024)
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