Thursday, December 26, 2024

50 anos volvidos sobre a formalização da legalização do PCP

 
A ilegalização do PCP 
A 28 de Maio de 1926, um golpe militar encabeçado pelo General Gomes da Costa, longamente preparado pelas forças reaccionárias do grande capital para colocar o Estado ao seu serviço e travar o movimento operário, impõe a ditadura em Portugal. Foi a reviravolta dos grandes capitalistas para o agravamento da exploração e o confronto com o movimento operário e a sua tomada de consciência política. É dissolvido o Parlamento e imposta a censura prévia à imprensa. São demitidas as vereações municipais. Inicia-se a perseguição policial terrorista às organizações e militantes democráticos e sindicais. 
São criados todos os instrumentos necessários para esmagar a oposição e todos os que da ditadura discordam. As sedes do PCP são encerradas e o PCP é ilegalizado. 
Ilegalizado, o PCP prepara-se para a resistência antifascista, em situação de clandestinidade. A Conferência de Abril e a eleição de Bento Gonçalves para Secretário-Geral do PCP desempenham um importante papel. Posteriormente, a reorganização de 1940/1941 permitirá ao PCP desenvolver-se de novo rapidamente em bases mais sólidas transformando-se então, e para sempre, num grande partido nacional. 
A clandestinidade não foi uma escolha dos comunistas. Foi uma situação que lhes foi imposta pela ditadura fascista. 
O regime fascista negava todas as possibilidades de qualquer actividade política democrática. Reprimia ferozmente a mais pequena manifestação de protesto. Decretava «ilegais» as mais modestas reclamações. Nas condições do terror fascista, aceitar as «leis» fascistas significava capitular, abandonar a luta. Continuar a desenvolver a luta era «ilegal». E qualquer organização política que quisesse prosseguir na luta só podia fazê-lo na clandestinidade, ou seja, sem conhecimento da polícia fascista. 
O PCP seguiu o duro caminho da clandestinidade para lutar pela liberdade. Contra todas as calúnias e mentiras, contra as perseguições e o terror, o PCP permaneceu na luta, estruturou-se na clandestinidade, tornou-se na «ilegalidade» a principal força de oposição ao fascismo. 

A entrega do processo de legalização do PCP faz hoje 50 anos 
Conquistada a liberdade com o levantamento militar e popular do 25 de Abril, o Partido foi o primeiro partido a entregar o processo de legalização. 
Uma delegação composta pelos camaradas Álvaro Cunhal, Secretário-Geral do Partido, Octávio Pato e Sérgio Vilarigues do Secretariado do Comité Central (CC), Dias Lourenço da Comissão Política e Pedro Soares do CC, acompanhados pelo advogado comunista Lopes de Almeida, estiveram no dia 26 de Dezembro de 1974 (faz hoje cinquenta anos), no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), onde fizeram a entrega de toda a documentação exigida por lei para a formalização da legalização do PCP.
O significado político era entendido como um marco na vida e na história do PCP e simultaneamente um passo relevante na institucionalização da democracia portuguesa saída do movimento de 25 de Abril. 
O partido dos trabalhadores, o partido da resistência que ao longo de 48 anos de fascismo viveu na mais feroz «ilegalidade» e pôs em prática formas das mais complexas na luta clandestina, foi também o primeiro a apresentar o processo para a formalização da sua legalização, marcando assim, no plano institucional, a afirmação das liberdades democráticas alcançadas com a Revolução de Abril. 
O pedido de legalização entregue no STJ subscrito por 6145 portugueses de todos os pontos do País, revestiu-se de uma certa solenidade, pelo próprio significado que assumia: significava não somente que o Partido se submetia à lei e e se propunha acatá-la, mas também a sua vontade de velar firmemente para que fosse respeitada e cumprida e que defenderia com todas as suas forças a legalidade democrática.
Com o processo de legalização, foi dado um novo passo, ao qual se seguiram muitos outros passos, para que o PCP pudesse pensar, trabalhar, organizar-se e exprimir-se em liberdade. 

A luta pela liberdade e em defesa do regime democrático prossegue 
Toda a luta travada, ao longo dos últimos cinquenta anos em defesa do regime democrático, pela afirmação dos valores de Abril e em defesa da Constituição, contra operações de provocação ou de mistificação, mentira, manipulação e calúnia, que incluíram a destruição de Centros de Trabalho, bem como contra as disposições antidemocráticas das leis aprovadas (Lei Orgânica (LO) n.º 2/2003 , de 24 de Abril, com as alterações introduzidas pela LO n.º2/2008, de 14 de Maio - «Lei dos Partidos Políticos») e sucessivamente interpretadas abusivamente, visando retirar aos membros do Partido a liberdade de decidir sobre a sua forma de organização e impor ao PCP o modo de funcionamento de outros partidos e desencadear processos de devassa da vida interna e de abusiva limitação à angariação de meios que lhe permitam garantir a sua sua intervenção política, inserem-se neste combate. 
Como sublinhou no seu XXII Congresso, este é o combate que o PCP hoje prossegue para enfrentar uma situação em que se adensam os projectos de intensificação de uma política ao serviço do capital monopolista e de promoção de concepções retrógradas e reaccionárias que ameaça direitos, condições de vida e a democracia. Tomando a iniciativa, por Abril, pela democracia, pelo socialismo e o comunismo.

Avante nº 2665 

Tuesday, December 24, 2024

“Um Natal em Almada"

 
Naquela pequeníssima casa do Pragal, herdada de uns avós que tinham finalmente regressado ao seu Alentejo, uma casa pequena quase coberta pelo colorido das sardinheiras que alegravam as suas janelas, as mais floridas do Beco dos Pimentas... viviam Maria e José.
Maria, de apenas 23 anos, filha de pescadores da Trafaria, era cozinheira. A mais bonita do refeitório da Lisnave, dizia-se. Ele, mais velho, com 29, soldador na Parry & Son. Conheceram-se nos poucos intervalos do trabalho e por ali foram namorando, em passeios e conversas cada vez mais sérias, até um dia o Zé convencer a Maria a casar e ir viver para o seu Pragal, logo ali aos pés na novidade que era o Cristo-Rei.
A meio desse verão já não era possível esconder a gravidez da Maria. Em Dezembro estava linda, com a sua barriga muito redonda a fazer empinar cada vez mais as saias.
O Zé sentia um aperto no coração de cada vez que via a Maria ocupar-se de alguma tarefa mais pesada, fosse em casa fosse no emprego. A barriga da Maria ia ficando todos os dias maior e toda a gente sabia que não chegaria Janeiro sem que houvesse um novo, ou nova habitante no Beco dos Pimentas.
Quem tomava conta da casa, enquanto os dois jovens trabalhadores estavam lá longe, junto à água e à agitação dos grandes estaleiros navais de Cacilhas, era a mãe do Zé, Margarida, mulher de força nos seus cinquenta e poucos, que há muito tinha que ir fazendo de mãe e pai daquela família, porque o seu homem, o António, serralheiro mecânico naval, apesar de trabalhador e honesto até aos ossos, era já a terceira vez que estava preso. As duas primeiras vezes tinha sido coisa rápida, mas agora já lá iam uns anos no Forte de Peniche. Ninguém entre os vizinhos dizia abertamente porquê, embora não fosse segredo para ninguém quais os motivos que o tinham levado à prisão.
Voltando ao Zé e à Maria, ela iluminada de felicidade, ele cada dia mais apreensivo, só tinham olhos um para o outro.
Ela estava em paz. Contava que desde que num momento de descanso, na cozinha do refeitório, um raio de sol tinha entrado pelo vidro da grande janela e pousado na sua enorme barriga, parecia-lhe ter ouvido uma voz que lhe disse que tudo ia correr bem e que o seu filho – sim, um rapaz – ia nascer saudável. Dizia também que a voz a tinha convencido de que o futuro do seu filho iria ser muito diferente da vida dos pais... e ainda mais da vida do avô António.
Toda a miudagem do bairro sentia já os cheiros do Natal e o sabor das coisas boas que as avós e as mães sempre faziam. A excitação de, desta vez, poder ser mesmo verdade que apareceria na sala, junto à pequena árvore enfeitada com bolas brilhantes, aquele brinquedo igualzinho ao que tinham visto numa loja da Rua Capitão Leitão, que os mais velhos insistiam em chamar Rua Direita. Aquele carro de bombeiros de lata pintada, ou o soldadinho de chumbo, ou aquela boneca que abria e fechava os olhos, brinquedos para somar às horas de brincadeiras na rua, até a tarde cair, jogando à bola, ou à macaca, ou à cabra-cega, ou ao pião, ou correndo atrás de aros de bicicleta.
E nisto chegou o dia 24 de Dezembro. A avó Margarida tinha feito rabanadas, filhós, arroz doce... estava já a cozer o bacalhau com couves e batatas para a Maria e o Zé e o seu irmão mais velho, o Miguel que vinha do Barreiro, onde trabalhava nos comboios, trazendo a sua mulher Isabel e as duas filhas gémeas de cinco anos.
Quando se preparavam par ir para a mesa em que os esperava a consoada... aconteceu! A Maria estremeceu, abriu um grande sorriso, o Zé tremia muito e suava, a avó Margarida, como sempre, sabia exactamente o que devia fazer. Chamou a já prevenida vizinha parteira, que morava apenas duas portas ao lado... e ao som de risos e da algazarra dos vizinhos que regressavam da Missa do Galo, depois da meia-noite, nasceu o menino, nas primeiras horas do dia 25. Foi uma noite de alegria. A ceia ficou a arrefecer e quase ninguém comeu. Chegaram vizinhos com presentes. Cada um oferecendo o que podia.
O menino dormia sobre um pequeno colchão, sob o olhar atento do Matateu, um grande cão que, ironicamente, era totalmente branco, manso como um cordeiro e com um bafo fumegante que parecia querer aquecer o quarto e aquele humano pequenino que era novo para ele, mas que iria ser o seu melhor amigo.
Lá fora alguém cantava cantigas de Natal.
Poderiam ter-lhe chamado Jesus... mas não. Escolheram chamar-lhe António, como o seu avô, o único que não pôde estar na festa.
(Samuel – Novembro de 2016)

Tuesday, December 10, 2024

*

 
Andámos a distribuir cigarros pelos soldados.
De guarda aos quartéis, espingardas mansas assentes no chão.
E os cravos [tão presentes em nós, ainda].
E a gente... tanta.
Tu aqui, e tu, e tu, também. Afinal...
Os cartazes alinhavados por mãos apaixonadas gritando todas as palavras só conhecidas em letra clandestina.
Todos os abraços, todas as presenças até então atrás de grades, de fronteiras, de casas escondidas.
Todas as lágrimas choradas de alegrias, agora.
- Como cresci, irmão. Como embranqueceram entretanto os teus cabelos.
Esquecer a dor. Soltá-la. Vê-la transformada num imenso rio a caminho do amanhã.
Em cada rosto, em cada olhar, lia-se uma só palavra - Liberdade.
E nas vozes um grito forte que continua ainda hoje a comandar os nossos passos.
Mesmo quando silenciosos, mesmo quando nasce o desencanto.
Nunca mais!
Maria Eugénia Cunhal

Saturday, December 07, 2024

Fado Lezíria

Mar Ribatejo, maré cheia
O meu cavalo deslumbrou se
E galopando pela areia
Bebeu o mar salgado e doce.
É na lezíria que nos cheira
A maré viva nos esteiros
Água chorada a vida inteira
De homens que foram pioneiros.
Luz numa praça de aventura
Luzes no traje de um toureiro
Garcia Lorca que procura
Ver numa arena o seu tinteiro.
Mundo de passes e faenas
E de lugares de sombra e sol
Os dois sectores que há nos poemas
Vivos na prosa do Redol.
Tira o barrete põe o colete
De homem p'ra homem enfrenta o toiro
Ensina o verde ao teu ginete
Que o verde é esperança
Que o verde é oiro.
Tira o barrete põe o colete
Pega de caras o teu destino
Tira do verde todo o verdete
Homem inteiro, verde campino.

Ary dos Santos

Friday, December 06, 2024

Voto de pesar pela morte de Celeste dos Cravos aprovado por unanimidade

Apresentada pelo PCP, a iniciativa recordou a mulher que um dia «levantou-se para ir trabalhar num restaurante situado em Lisboa, na Rua Braancamp» e acabou por dar cor à Revolução. Após a votação todos, à excepção do Chega e CDS, bateram palmas de pé.


Celeste Caeiro, também conhecida carinhosamente por Celeste dos Cravos, faleceu no passado dia 15 de Novembro, aos 91 anos. Nascida em Lisboa a 2 de Maio de 1933, «oriunda de uma família humilde, e viveu grande parte da sua vida em Lisboa», Celeste ficou na história por ter sido a pessoa que começou a distribuir cravos, batizando a Revolução e tornando-se numa cara de Abril.

«Enfrentou uma vida de dificuldades com perseverança. Mulher trabalhadora, de fortes convicções, e militante comunista até ao fim da sua vida, a sua generosidade e afabilidade ficará na memória de todos os que com ela conviveram», podia ler-se na iniciativa apresentada pelo PCP. 

O voto de pesar dos comunistas descreveu também o dia em que Celeste ficou na história, relembrando que o restaurante onde trabalhava fazia um ano a 25 de Abril de 1974 e por essa razão comprou flores para oferecer aos clientes. Com o alvoroço e incerteza, o restaurante acabou por não abrir nesse dia e os cravos foram distribuídos pelas trabalhadoras. Celeste não foi para casa, juntou-se aos populares no Chiado e tendo sido informada por um dos soldados de que estava em curso uma revolução, ofereceu-lhe um cravo que o militar colocou no cano da espingarda. 

Aprovado por unanimidade, de seguida as bancadas bateram palmas de pé aos familiares presentes nas galerias, à exceção do Chega e CDS-PP, cujos deputados permaneceram sentados. 

Sobre o Centenário do Nascimento de Mário Soares

https://youtu.be/zVzOXhpIWKw?si=ThH3FZamPB26rTIa