Tuesday, December 24, 2019
Natal
Hoje é dia de Natal.
O jornal fala dos pobres
em letras grande e pretas,
traz versos e historietas
e desenhos bonitinhos,
e traz retratos também
dos bodos, bodos e bodos,
em casa de gente bem.
Hoje é dia de Natal.
- Mas quando será de todos?
Sidónio Muralha
Thursday, December 19, 2019
Discurso Tardio
À memória de José Dias Coelho
Éramos jovens: falávamos do âmbar
Sem vocação para a morte, víamos passar os barcos,
ou dos minúsculos veios de sol espesso
onde começa o vero; e sabíamos
como a música sobe às torres do trigo.
onde começa o vero; e sabíamos
como a música sobe às torres do trigo.
desatando um a um os nós do silêncio.
Pegavas num fruto: eis o espaço ardente
de ventre, espaço denso, redondo maduro,
dizias; espaço diurno onde o rumor
do sangue é um rumor de ave –
repara como voa, e poisa nos ombros
da Catarina que não cessam de matar.
Sem vocação para a morte, dizíamos. Também
ela, também ela a não tinha. Na planície
branca era uma fonte: em si trazia
um coração inclinado para a semente do fogo.
Morre-se de ter uns olhos de cristal,
morre-se de ter um corpo, quando subitamente
uma bala descobre a juventude
da nossa carne acesa até aos lábios.
Catarina, ou José – o que é um nome?
Que nome nos impede de morrer,
quando se beija a terra devagar
ou uma criança trazida pela brisa?
Eugénio de Andrade
Wednesday, December 18, 2019
Patxi Andión
"A primeira vez que vim a Portugal foi para fazer a primeira parte de um espetáculo de Manolo Díaz. Ele foi expulso antes do concerto e a mim deram-me 12 horas para deixar o país. Na segunda vez que vim foi para cantar no programa Zip Zip. Quando saí do canal a PIDE estava à minha espera. Meteram-me num carro tal como eu estava vestido, sem documentação e deixaram-me na fronteira de Badajoz. Dessa vez eu tive mesmo muito medo. Foi uma viagem feita de noite e todas as vezes que eles paravam, eu pensava que iam dar-me um tiro." - Patxi Andión
Morreu hoje um dos maiores cantautores que conheci. Jamais esquecerei o concerto no Coliseu, em Março de 1973.
Saturday, December 07, 2019
Serenidade, és minha
Vem, serenidade!
Vem cobrir a longa
fadiga dos homens,
este antigo desejo de nunca ser feliz
a não ser pela dupla humidade das bocas.
Vem, serenidade!
Faz com que os beijos cheguem à altura dos ombros
e com que os ombros subam à altura dos lábios,
faz com que os lábios cheguem à altura dos beijos.
Carrega para a cama dos desempregados
todas as coisas verdes, todas as coisas vis
fechadas no cofre das águas:
os corais, as anémonas, os monstros sublunares,
as algas, porque um fio de prata lhes enfeita os cabelos.
Vem, serenidade,
com o país veloz e virginal das ondas,
com o martírio leve dos amantes sem Deus,
com o cheiro sensual das pernas no cinema,
com o vinho e as uvas e o frémito das virgens,
com o macio ventre das mulheres violadas,
com os filhos que os pais amaldiçoam,
com as lanternas postas à beira dos abismos,
e os segredos e os ninhos e o feno
e as procissões sem padre, sem anjos e, contudo
com Deus molhando os olhos
e as esperanças dos pobres.
Vem, serenidade,
com a paz e a guerra
derrubar as selvagens
florestas do instinto.
Vem, e levanta
palácios na sombra.
Tem a paciência de quem deixa entre os lábios
um espaço absoluto.
Vem, e desponta,
oriunda dos mares,
orquídea fresca das noites vagabundas,
serena espécie de contentamento,
surpresa, plenitude.
Vem dos prédios sem almas e sem luzes,
dos números irreais de todas as semanas,
dos caixeiros sem cor e sem família,
das flores que rebentam nas mãos dos namorados
dos bancos que os jardins afogam no silêncio,
das jarras que os marujos trazem sempre da China,
dos aventais vermelhos com que as mulheres esperam
a chegada da força e da vertigem.
Vem, serenidade,
e põe no peito sujo dos ladrões
a cruz dos crimes sem cadeia,
põe na boca dos pobres o pão que eles precisam,
põe nos olhos dos cegos a luz que lhes pertence.
Vem nos bicos dos pés para junto dos berços,
para junto das campas dos jovens que morreram,
para junto das artérias que servem
de campo para o trigo, de mar para os navios.
Vem, serenidade!
E do salgado bojo das tuas naus felizes
despeja a confiança,
a grande confiança.
Grande como os teus braços,
grande serenidade!
E põe teus pés na terra,
e deixa que outras vozes
se comovam contigo
no Outono, no Inverno,
no Verão, na Primavera.
Vem, serenidade,
para que se não fale
nem da paz nem da guerra nem de Deus,
porque foi tudo junto
e guardado e levado
para a casa dos homens.
Vem, serenidade,
vem com a madrugada,
vem com os anjos de ouro que fugiram da Lua,
com as nuvens que proíbem o céu,
vem com o nevoeiro.
Vem com as meretrizes que chamam da janela,
o volume dos corpos saciados na cama,
as mil aparições do amor nas esquinas,
as dívidas que os pais nos pagam em segredo,
as costas que os marinheiros levantam
quando arrastam o mar pelas ruas.
Vem, serenidade,
e lembra-te de nós,
que te esperamos há séculos sempre no mesmo sítio,
um sítio aonde a morte tem todos os direitos.
Lembra-te da miséria dourada dos meus versos,
desta roupa de imagens que me cobre
o corpo silencioso,
das noites que passei perseguindo uma estrela,
do hálito, da fome, da doença, do crime,
com que dou vida e morte
a mim próprio e aos outros.
Vem, serenidade,
e acaba com o vício
de plantar roseiras no duro chão dos dias,
vicio de beber água
com o copo do vinho milagroso do sangue.
Vem, serenidade,
não apagues ainda
a lâmpada que forra
os cantos do meu quarto,
o papel com que embrulho meus rios de aventura
em que vai navegando o futuro.
Vem, serenidade!
E pousa, mais serena que as mãos de minha Mãe,
mais húmida que a pele marítima do cais,
mais branca que o soluço, o silêncio, a origem,
mais livre que uma ave em seu voo,
mais branda que a grávida brandura do papel em que escrevo,
mais humana e alegre que o sorriso das noivas,
do que a voz dos amigos, do que o sol nas searas.
Vem, serenidade,
para perto de mim e para nunca.
.............................. .........................
De manhã, quando as carroças de hortaliça
chiam por dentro da lisa e sonolenta
tarefa terminada,
quando um ramo de flores matinais
é uma ofensa ao nosso limitado horizonte,
quando os astros entregam ao carteiro surpreendido
mais um postal da esperança enigmática,
quando os tacões furados pelos relógios podres,
pelas tardes por trás das grades e dos muros,
pelas convencionais visitas aos enfermos,
formam, em densos ângulos de humano desespero,
uma nuvem que aumenta a vã periferia
que rodeia a cidade,
é então que eu te peço como quem pede amor:
Vem, serenidade!
Com a medalha, os gestos e os teus olhos azuis,
vem, serenidade!
Com as horas maiúsculas do cio,
com os músculos inchados da preguiça,
vem, serenidade!
Vem, com o perturbante mistério dos cabelos,
o riso que não é da boca nem dos dentes
mas que se espalha, inteiro,
num corpo alucinado de bandeira.
Vem, serenidade,
antes que os passos da noite vigilante
arranquem as primeiras unhas da madrugada,
antes que as ruas cheias de corações de gás
se percam no fantástico cenário da cidade,
antes que, nos pés dormentes dos pedintes,
a cólera lhes acenda brasas nos cinco dedos,
a revolta semeie florestas de gritos
e a raiva vá partir as amarras diárias.
Vem, serenidade,
leva-me num vagão de mercadorias,
num convés de algodão e borracha e madeira,
na hélice emigrante, na tábua azul dos peixes,
na carnívora concha do sono.
Leva-me para longe
deste bíblico espaço,
desta confusão abúlica dos mitos,
deste enorme pulmão de silêncio e vergonha.
Longe das sentinelas de mármore
que exigem passaporte a quem passa.
A bordo, no porão,
conversando com velhos tripulantes descalços,
crianças criminosas fugidas à policia,
moços contrabandistas, negociantes mouros,
emigrados políticos que vão
em busca da perdida liberdade,
Vem, serenidade,
e leva-me contigo.
Com ciganos comendo amoras e limões,
e música de harmónio, e ciúme, e vinganças,
e subindo nos ares o livre e musical
facho rubro que une os seios da terra ao Sol.
Vem, serenidade!
Os comboios nos esperam.
Há famílias inteiras com o jantar na mesa,
aguardando que batam, que empurrem, que irrompam
pela porta levíssima,
e que a porta se abra e por ela se entornem
os frutos e a justiça.
Serenidade, eu rezo:
Acorda minha Mãe quando ela dorme,
quando ela tem no rosto a solidão completa
de quem passou a noite perguntando por mim,
de quem perdeu de vista o meu destino.
Ajuda-me a cumprir a missão de poeta,
a confundir, numa só e lúcida claridade,
a palavra esquecida no coração do homem.
Vem, serenidade,
e absolve os vencidos,
regulariza o trânsito cardíaco dos sonhos
e dá-lhes nomes novos,
novos ventos, novos portos, novos pulsos.
E recorda comigo o barulho das ondas,
as mentiras da fé, os amigos medrosos,
os assombros da índia imaginada,
espanto aprendiz da nossa fala,
ainda nossa, ainda bela, ainda livre
destes montes altíssimos que tapam
as veias ao Oceano.
Vem, serenidade,
e faz que não fiquemos doentes,
só de ver que a beleza não nasce dia a dia na terra.
E reúne os pedaços dos espelhos partidos,
e não cedas demais ao vislumbre de vermos
a nossa idade exacta
outra vez paralela ao percurso dos pássaros.
E dá asas ao peso
da melancolia,
e põe ordem no caos e carne nos espectros,
e ensina aos suicidas a volúpia do baile,
e enfeitiça os dois corpos quando eles se apertarem,
e não apagues nunca o fogo que os consome,
o impulso que os coloca, nus e iluminados,
no topo das montanhas, no extremo dos mastros
na chaminé do sangue.
Serenidade, assiste
à multiplicação original do Mundo:
Um manto terníssimo de espuma,
um ninho de corais, de limos, de cabelos,
um universo de algas despidas e retráteis,
um polvo de ternura deliciosa e fresca.
Vem, e compartilha
das mais simples paixões,
do jogo que jogamos sem parceiro,
dos humilhantes nós que a garganta irradia,
da suspeita violenta, do inesperado abrigo.
Vem, com teu frio de esquecimento,
com tua alucinante e alucinada mão,
e põe, no religioso ofício do poema,
a alegria, a fé, os milagres, a luz!
Vem, e defende-me
da traição dos encontros,
do engano na presença de Aquele
cuja palavra é silêncio,
cujo corpo é de ar,
cujo amor é demais
absoluto e eterno
para ser meu, que o amo.
Para sempre irreal,
para sempre obscena,
para sempre inocente,
Serenidade, és minha.
Vem cobrir a longa
fadiga dos homens,
este antigo desejo de nunca ser feliz
a não ser pela dupla humidade das bocas.
Vem, serenidade!
Faz com que os beijos cheguem à altura dos ombros
e com que os ombros subam à altura dos lábios,
faz com que os lábios cheguem à altura dos beijos.
Carrega para a cama dos desempregados
todas as coisas verdes, todas as coisas vis
fechadas no cofre das águas:
os corais, as anémonas, os monstros sublunares,
as algas, porque um fio de prata lhes enfeita os cabelos.
Vem, serenidade,
com o país veloz e virginal das ondas,
com o martírio leve dos amantes sem Deus,
com o cheiro sensual das pernas no cinema,
com o vinho e as uvas e o frémito das virgens,
com o macio ventre das mulheres violadas,
com os filhos que os pais amaldiçoam,
com as lanternas postas à beira dos abismos,
e os segredos e os ninhos e o feno
e as procissões sem padre, sem anjos e, contudo
com Deus molhando os olhos
e as esperanças dos pobres.
Vem, serenidade,
com a paz e a guerra
derrubar as selvagens
florestas do instinto.
Vem, e levanta
palácios na sombra.
Tem a paciência de quem deixa entre os lábios
um espaço absoluto.
Vem, e desponta,
oriunda dos mares,
orquídea fresca das noites vagabundas,
serena espécie de contentamento,
surpresa, plenitude.
Vem dos prédios sem almas e sem luzes,
dos números irreais de todas as semanas,
dos caixeiros sem cor e sem família,
das flores que rebentam nas mãos dos namorados
dos bancos que os jardins afogam no silêncio,
das jarras que os marujos trazem sempre da China,
dos aventais vermelhos com que as mulheres esperam
a chegada da força e da vertigem.
Vem, serenidade,
e põe no peito sujo dos ladrões
a cruz dos crimes sem cadeia,
põe na boca dos pobres o pão que eles precisam,
põe nos olhos dos cegos a luz que lhes pertence.
Vem nos bicos dos pés para junto dos berços,
para junto das campas dos jovens que morreram,
para junto das artérias que servem
de campo para o trigo, de mar para os navios.
Vem, serenidade!
E do salgado bojo das tuas naus felizes
despeja a confiança,
a grande confiança.
Grande como os teus braços,
grande serenidade!
E põe teus pés na terra,
e deixa que outras vozes
se comovam contigo
no Outono, no Inverno,
no Verão, na Primavera.
Vem, serenidade,
para que se não fale
nem da paz nem da guerra nem de Deus,
porque foi tudo junto
e guardado e levado
para a casa dos homens.
Vem, serenidade,
vem com a madrugada,
vem com os anjos de ouro que fugiram da Lua,
com as nuvens que proíbem o céu,
vem com o nevoeiro.
Vem com as meretrizes que chamam da janela,
o volume dos corpos saciados na cama,
as mil aparições do amor nas esquinas,
as dívidas que os pais nos pagam em segredo,
as costas que os marinheiros levantam
quando arrastam o mar pelas ruas.
Vem, serenidade,
e lembra-te de nós,
que te esperamos há séculos sempre no mesmo sítio,
um sítio aonde a morte tem todos os direitos.
Lembra-te da miséria dourada dos meus versos,
desta roupa de imagens que me cobre
o corpo silencioso,
das noites que passei perseguindo uma estrela,
do hálito, da fome, da doença, do crime,
com que dou vida e morte
a mim próprio e aos outros.
Vem, serenidade,
e acaba com o vício
de plantar roseiras no duro chão dos dias,
vicio de beber água
com o copo do vinho milagroso do sangue.
Vem, serenidade,
não apagues ainda
a lâmpada que forra
os cantos do meu quarto,
o papel com que embrulho meus rios de aventura
em que vai navegando o futuro.
Vem, serenidade!
E pousa, mais serena que as mãos de minha Mãe,
mais húmida que a pele marítima do cais,
mais branca que o soluço, o silêncio, a origem,
mais livre que uma ave em seu voo,
mais branda que a grávida brandura do papel em que escrevo,
mais humana e alegre que o sorriso das noivas,
do que a voz dos amigos, do que o sol nas searas.
Vem, serenidade,
para perto de mim e para nunca.
..............................
De manhã, quando as carroças de hortaliça
chiam por dentro da lisa e sonolenta
tarefa terminada,
quando um ramo de flores matinais
é uma ofensa ao nosso limitado horizonte,
quando os astros entregam ao carteiro surpreendido
mais um postal da esperança enigmática,
quando os tacões furados pelos relógios podres,
pelas tardes por trás das grades e dos muros,
pelas convencionais visitas aos enfermos,
formam, em densos ângulos de humano desespero,
uma nuvem que aumenta a vã periferia
que rodeia a cidade,
é então que eu te peço como quem pede amor:
Vem, serenidade!
Com a medalha, os gestos e os teus olhos azuis,
vem, serenidade!
Com as horas maiúsculas do cio,
com os músculos inchados da preguiça,
vem, serenidade!
Vem, com o perturbante mistério dos cabelos,
o riso que não é da boca nem dos dentes
mas que se espalha, inteiro,
num corpo alucinado de bandeira.
Vem, serenidade,
antes que os passos da noite vigilante
arranquem as primeiras unhas da madrugada,
antes que as ruas cheias de corações de gás
se percam no fantástico cenário da cidade,
antes que, nos pés dormentes dos pedintes,
a cólera lhes acenda brasas nos cinco dedos,
a revolta semeie florestas de gritos
e a raiva vá partir as amarras diárias.
Vem, serenidade,
leva-me num vagão de mercadorias,
num convés de algodão e borracha e madeira,
na hélice emigrante, na tábua azul dos peixes,
na carnívora concha do sono.
Leva-me para longe
deste bíblico espaço,
desta confusão abúlica dos mitos,
deste enorme pulmão de silêncio e vergonha.
Longe das sentinelas de mármore
que exigem passaporte a quem passa.
A bordo, no porão,
conversando com velhos tripulantes descalços,
crianças criminosas fugidas à policia,
moços contrabandistas, negociantes mouros,
emigrados políticos que vão
em busca da perdida liberdade,
Vem, serenidade,
e leva-me contigo.
Com ciganos comendo amoras e limões,
e música de harmónio, e ciúme, e vinganças,
e subindo nos ares o livre e musical
facho rubro que une os seios da terra ao Sol.
Vem, serenidade!
Os comboios nos esperam.
Há famílias inteiras com o jantar na mesa,
aguardando que batam, que empurrem, que irrompam
pela porta levíssima,
e que a porta se abra e por ela se entornem
os frutos e a justiça.
Serenidade, eu rezo:
Acorda minha Mãe quando ela dorme,
quando ela tem no rosto a solidão completa
de quem passou a noite perguntando por mim,
de quem perdeu de vista o meu destino.
Ajuda-me a cumprir a missão de poeta,
a confundir, numa só e lúcida claridade,
a palavra esquecida no coração do homem.
Vem, serenidade,
e absolve os vencidos,
regulariza o trânsito cardíaco dos sonhos
e dá-lhes nomes novos,
novos ventos, novos portos, novos pulsos.
E recorda comigo o barulho das ondas,
as mentiras da fé, os amigos medrosos,
os assombros da índia imaginada,
espanto aprendiz da nossa fala,
ainda nossa, ainda bela, ainda livre
destes montes altíssimos que tapam
as veias ao Oceano.
Vem, serenidade,
e faz que não fiquemos doentes,
só de ver que a beleza não nasce dia a dia na terra.
E reúne os pedaços dos espelhos partidos,
e não cedas demais ao vislumbre de vermos
a nossa idade exacta
outra vez paralela ao percurso dos pássaros.
E dá asas ao peso
da melancolia,
e põe ordem no caos e carne nos espectros,
e ensina aos suicidas a volúpia do baile,
e enfeitiça os dois corpos quando eles se apertarem,
e não apagues nunca o fogo que os consome,
o impulso que os coloca, nus e iluminados,
no topo das montanhas, no extremo dos mastros
na chaminé do sangue.
Serenidade, assiste
à multiplicação original do Mundo:
Um manto terníssimo de espuma,
um ninho de corais, de limos, de cabelos,
um universo de algas despidas e retráteis,
um polvo de ternura deliciosa e fresca.
Vem, e compartilha
das mais simples paixões,
do jogo que jogamos sem parceiro,
dos humilhantes nós que a garganta irradia,
da suspeita violenta, do inesperado abrigo.
Vem, com teu frio de esquecimento,
com tua alucinante e alucinada mão,
e põe, no religioso ofício do poema,
a alegria, a fé, os milagres, a luz!
Vem, e defende-me
da traição dos encontros,
do engano na presença de Aquele
cuja palavra é silêncio,
cujo corpo é de ar,
cujo amor é demais
absoluto e eterno
para ser meu, que o amo.
Para sempre irreal,
para sempre obscena,
para sempre inocente,
Serenidade, és minha.
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Serenidade és minha
Thursday, November 28, 2019
Tabacaria
1. Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
5. Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
10. Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres
Com a morte a pôr umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens.
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
15. Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
20. E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
25. Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
30. Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira.
Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
35. Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu ,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
40. Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
45. Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo.
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando.
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
50. Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
0 mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
55. Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
60. Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num paço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
65. 0 seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
70. Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena; Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
75. Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
80. Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
85. A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
90. Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
95. Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
100. Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei, e até cri,
105. E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
110. E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.
Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
0 dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
115. Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
120. Como um cão tolerado pela gerência Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
125. Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
130. E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
135. E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra, Sempre uma coisa tão inútil como a outra ,
140. Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
145. Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
150. E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
155. Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou á janela.
0 homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
160. Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(0 Dono da Tabacaria chegou á porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da tabacaria sorriu.
Fernando Pessoa
https://youtu.be/a1IBpsuCI14
Thursday, November 21, 2019
POEMA EM LINHA RECTA
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado,
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Álvaro de Campos
https://youtu.be/uElwCENBDJQ
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado,
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Álvaro de Campos
https://youtu.be/uElwCENBDJQ
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Tuesday, November 19, 2019
Mariazinha
Mariazinha, deita os olhos pro mar
Pela tardinha, quando a noite espreitar
E no verde das águas sem fundo
Já se perde da esperança do mundo,
Pela tardinha, quando a noite espreitar
E no verde das águas sem fundo
Já se perde da esperança do mundo,
a afundar, a afundar
Mariazinha, deita os olhos pro mar
Tão pequenina, sem saber que pensar
Vê a roda do mundo girando
E os navios ao longe passando,
sem parar, sem parar
Mariazinha, deita os olhos pro mar
Tão quietinha, a chorar, a chorar
Uma fonte de sangue no peito
Uma sombra na boca e um trejeito
Tão quietinha, a chorar, a chorar
Uma fonte de sangue no peito
Uma sombra na boca e um trejeito
no olhar, sem parar
Mariazinha, deita os olhos pro mar
Tão caladinha, a chamar, a chamar
Vai pro fundo da noite fria
Numa barca de rendas, vazia,
Tão caladinha, a chamar, a chamar
Vai pro fundo da noite fria
Numa barca de rendas, vazia,
a afundar, sem parar
Mariazinha, com rendas de algas tapada
Tão quietinha
No fundo do mar pousada
Tão quietinha
No fundo do mar pousada
José Mário Branco
https://youtu.be/-kF60r6Twak
Friday, November 15, 2019
Memória
São cinco os anos em que já me faltas. Não só a mim, mas a todos nós.
São cinco os anos em que estou, estamos, mais vazios. De ti, das tuas palavras, da tua análise certeira dos tempos que correm.
Cinco anos tão vazios mas tão cheios de saudade...
Friday, October 11, 2019
Petição para 'Impedimento de tomada de posse' de uma deputada recém eleita
Anda por aí uma petição com objectivos muito claros, precisos e concisos, embora o texto da mesma deixe muito a desejar à língua portuguesa.
A velocidade a que está a ser assinada é assustadora.
Porque é sempre preciso lembrar (ou não esquecer), aqui fica, mais uma vez:
Quando os nazistas levaram os comunistas,
eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista.
Quando eles prenderam os sociais-democratas,
eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata.
Quando eles levaram os sindicalistas,
eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista.
Quando levaram os judeus,
eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu.
Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse.
Martin Niemöller
Wednesday, October 09, 2019
Elegia das Águas Negras para Che Guevara
Atado ao silêncio, o coração ainda
pesado de amor, jazes de perfil,
escutando, por assim dizer, as águas
negras da nossa aflição.
Pálidas vozes procuram-te na bruma;
de prado em prado procuram
um potro mais livre, a palmeira mais alta
sobre o lago, um barco talvez
ou o mel entornado da nossa alegria.
Olhos apertados pelo medo
aguardam na noite o sol do meio-dia,
a face viva do sol onde cresces,
onde te confundes com os ramos
de sangue do verão ou o rumor
dos pés brancos da chuva nas areias.
A palavra, como tu dizias, chega
húmida dos bosques: temos que semeá-la;
chega húmida da terra: temos que defendê-la;
chega com as andorinhas
que a beberam sílaba a sílaba na tua boca.
Cada palavra tua é um homem de pé,
cada palavra tua faz do orvalho uma faca,
faz do ódio um vinho inocente
para bebermos, contigo
no coração, em redor do fogo.
Eugénio de Andrade
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Tuesday, October 08, 2019
Poema à boca fechada
Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.
Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.
Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.
Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.
José Saramago
(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)
Wednesday, October 02, 2019
Poema à Mãe
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe
Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.
Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...
Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.
Boa noite. Eu vou com as aves.
Eugénio de Andrade,
in "Os Amantes Sem Dinheiro"
Sunday, September 29, 2019
Petição de repúdio e exigência de que se trave e abandone a anunciada criação do «Museu Salazar», com esse ou outro nome, em Santa Comba Dão
Petição de repúdio e exigência de que se trave e abandone a anunciada criação do «Museu Salazar», com esse ou outro nome, em Santa Comba Dão
Para: Exmº Senhor Presidente da Assembleia da República
O
projecto da reabilitação da figura de Salazar e do fascismo, que cumpre
denunciar já foi travado há anos atrás, na sua primeira versão. Agora,
perante a amplitude da indignação que suscitou e suscita, reaparece de
novo, encenado e refugiando-se, desta vez, com designação e dimensão
pretensamente mais ampla e com contornos de investigação e critérios
académicos mas sem iludir o objectivo prosseguido, de sediar em Santa
Comba Dão um “museu” ao ditador, adoptando a designação de “Centro de
Interpretação do Estado Novo”, projecto que a Assembleia da República já
condenou em 2007 e agora, de novo, o reafirma na Comissão Permanente
reunida a 11 de Setembro de 2019.
Nesse sentido, as cidadãs e cidadãos que se identificam e assinam a presente Petição, vêm solicitar ao Senhor Presidente da Assembleia da República e aos Senhores Deputados que, no início da nova legislatura, efectuem as diligências necessárias, no respeito pelos valores inscritos na Constituição da República, para que tal ofensa aos portugueses em geral, e em particular à memória dos milhares de vítimas do regime fascista do «Estado Novo», seja definitivamente travada e abandonada.
Considerando os sinais concretos do desenvolvimento de forças fascistas e fascizantes por toda a Europa (e não só), a criação de um museu como o anunciado em Santa Comba Dão, não será apenas um depósito do espólio do ditador Salazar, mas um centro de conspiração contra a Democracia e o Portugal de Abril.
O “museu” não vai ser “um local de estudo e um centro interpretativo do Estado Novo” como proclamam os seus defensores, mas sim um instrumento para congregar saudosistas do passado e assumir-se como centro de divulgação e acção enquadradas na matriz corporativa/fascista que a maioria do Povo sofreu sob o “Estado Novo”.
Para fazer a história do “Estado Novo” existem já os baluartes e projecto da resistência e luta pela Liberdade em Peniche, no Aljube e outros deverão ser abertos, como a antiga cadeia da PIDE na Rua do Heroísmo, no Porto.
Ao que acrescem razões jurídico-substantivas para que não possa ser uma realidade a criação de tal associação-museu.
De facto, o n.º 4, do artigo 46.º da Constituição da República Portuguesa, proíbe todas as organizações que partilhem a ideologia fascista, esclarecendo a Lei 64/78 de 6 de Outubro, que «são proibidas e não pode exercer toda e qualquer actividade as organizações que mostrem (…) pretender difundir ou difundir efectivamente os valores, os princípios, os expoentes, as instituições e os métodos característicos dos regimes fascistas (…) nomeadamente (…) o corporativismo ou a exaltação das personalidades das mais representativas daqueles regimes.»
Pelo exposto e nos termos do número 1, do artigo 52 da Constituição da República Portuguesa, os abaixo assinados solicitam que a Assembleia da República, em nome do Portugal de Abril, mas também da Constituição da República Portuguesa e da Lei, condene politicamente o processo de criação do “Museu Salazar”, em Santa Comba Dão, e processe as diligências necessárias ao impedimento do intento que tanto ofende a memória dos milhares de vítimas do “Estado Novo” e os Portugueses em geral.
------------------------------
Primeiros subscritores,
cidadãs e cidadãos, democratas de diferentes sensibilidades, profissões e regiões: médicos; advogados; juristas; operários; escritores; empregados; académicos; autarcas; membros de entidades do turismo; ex-presos políticos; jornalistas; músicos; sindicalistas; professores; estudantes; artistas e militares de Abril que agora vos apelam para que se juntem, assinem e divulguem.
Abílio Fernandes
Adelino Pereira da Silva
Adelino Silva Nunes Pereira
Adilo Oliveira Costa
Aguinaldo Cabral
Albano Nunes
Alberto Lopes Andrade
Alexandre Jorge Almeida
Alfredo Campos
Alfredo Graça
Alfredo Maia
Alfredo Monteiro
Alice Capela
Alice Vieira
Alma Rivera
Almada Contreiras
Álvaro Beijinha
Amadeu Battel
Américo Flor
Amílcar Cardoso
Ana Margarida Carvalho
Ana Souto
Anabela Mota Ribeiro
André Carmo
Aniceto Henrique Afonso
António Antunes - Tó Trips (Dead Combo)
António Avelãs Nunes
António Bernardo Colaço
António Branco
António Ceia da Silva
António Cluny
António Fernandes de Matos
António Figueira Mendes
António Gervásio
António Goulart
António José Martins
António Lopes
António Manuel Simões Ferreira
António Martins
António Matos
António Menano
António Neto Brandão
António Recto
António Redol
António Regala
António Rodrigues Canelas
António Saiote
António Vilarigues
Apolónia Teixeira
Aprígio Ramalho
Armando Myre Dores
Arménio Carlos
Augusto Flor
Avelino Gonçalves
Baptista Alves
Bernardino Soares
Camilo Mortágua
Carlos Campos Rodrigues Costa
Carlos Coutinho
Carlos Gonçalves Oliveira Duarte
Carlos Humberto Pinheiro Palácios de Carvalho
Carlos Manuel Tomé da Costa
Carlos Pinto Sá
Carlos Santos Pereira
Carlos Vale
Carvalho da Silva
Casimiro Menezes
Catarina Pires
Celso Moreira de Oliveira
Cláudio Torres
Conceição Matos
Custódia Chibante
Damião Ribeiro
Daniel Cabrita
Daniel Sampaio
Deolinda Machado
Diamantino Estanislau
Dinis Lourenço
Diniz de Almeida
Diogo Correia
Domingos Abrantes
Domingos Lobo
Dulce Rebelo
Eduardo Gageiro
Emídio Martins
Eulália Miranda
Eva Soares de Pinho da Cruz Leite Freitas
Fátima Amaral
Faustino Reis
Fernando Medina
Fernando Paes
Firmino Martins
Francisco Bruto da Costa
Francisco Canelas
Francisco Dias Pereira
Francisco Duarte Mangas
Francisco Jesus
Francisco Lobo
Francisco Melo
Francisco Mesquita Machado
Glória Maria Marreiros
Gonçalo Lagar
Graciete Cruz
Guilherme da Fonseca
Heitor Sequeira Alves
Hélder Madeira
Helena Pato
Henrique Mendonça
Herculana Velez
Hortênsia Menino
Inês Fontinha
Isabel do Carmo
Jaime Carvalho
Jaime Mendes
Jaime Serra
Joana Dias Pereira
Joana Manuel
Joana Villaverde
João Carlos Lopes Serra
João Correia da Cunha
João Durão Carvalho
João Goulão
João Gralheiro
João Leonardo da Cunha
João Luis Madeira Lopes
João Miguel Judas
João Miranda
João Monge
João Neves
João Português
João Torres
Joaquim Almeida
Joaquim Barata
Joaquim Correia
Joaquim Judas
Joaquim Letria
Joaquim Loureiro
Joaquim Santos
Joaquina Silvério
Jorge Cabral Campos
Jorge Sarabando
Jorge Sario de Matos
José Abreu
José Alberto Quintino
José Barata-Moura
José Costa Neves
José Elio Sucena
José Ernesto Cartaxo
José Jorge Letria
José Goulão
José Lestra Gonçalves
José Lopes de Almeida
José Luís Peixoto
José Manuel Jara
José Manuel Mendes
José Manuel Sampaio
José Pedro Soares
José Santa Bárbara
José Teodósio Cachochas
José Veloso
José Viale Moutinho
José Viola
Josué Marques
Júlia Maria de Almeida Lima e Sequeira Rodrigues
Júlio Dias
Laura Lopes
Levy Baptista
Lídia Jorge
Luís Cília
Luís Farinha
Luís Ferreira
Luís Filipe Lopes Pinheiro
Luís Filipe Pimenta Correia
Luís Miguel Carraça Franco
Luís Simão
Luísa Tito de Morais
Machado dos Santos
Madalena Santos
Manuel Barbosa da Silva
Manuel Begonha
Manuel Condenado
Manuel Freire
Manuel José Costa Oliveira
Manuel Lima Bastos
Manuel Magrinho
Manuel Pedro
Manuel Strecht Monteiro
Manuela Bernardino
Margarida Barbedo
Margarida Taveira
Margarida Tengarrinha
Maria da Piedade Morgadinho
Maria das Dores Meira
Maria João Brilhante
Maria João Luís
Maria José Ribeiro
Maria Lourença Cabecinha
Maria Manuela Antunes da Silva
Mariana Metelo Cunha Lopes
Mariana Rafael
Mariana Silva
Marília Villaverde Cabral
Mário Araújo
Mário de Carvalho
Mário Pereira
Martins Guerreiro
Miguel Amoêdo Canudo
Miguel Boeiro
Miguel Pessoa
Modesto Navarro
Nuno Judíce
Nuno Ramos de Almeida
Nuno Silva
Odete Santos
Osvaldo de Sousa
Otelo Saraiva de Carvalho
Pedro Estorninho
Pedro Fernandes
Pedro Gonçalves (Dead Combo)
Pedro Santos
Pezarat Correia
Pilar del Río
Ribeiro Cardoso
Ricardo Ferraz
Rita Magrinho
Rodrigo Francisco
Rosalina Carmona Pica
Rui Cardoso Martins
Rui Garcia
Rui Mateus
Rui Namorado Rosa
Rui Nunes
Rui Raposo
Rui Solheiro
Samuel Quedas
Santa Clara Gomes
Sérgio Augusto Costa Esperança
Sérgio Dias Branco
Sérgio Machado Letria
Sérgio Manso Pinheiro
Sérgio Ribeiro
Sérgio Vicente
Sílvia Pinto
Silvina Miranda
Susana Sousa Dias
Tarroso Gomes
Teresa Carvalho
Teresa Lopes
Teresa Tito de Morais
Tiago Jacinto
Tiago Mota Saraiva
Tomás Urbano
Tomé Pires
Valter Ferreira
Vasco Lourenço
Vicente Barbedo Gonçalves
Vítor Costa
Vítor Proença
Vítor Zacarias
Vitorino
Zeferino Coelho
Nesse sentido, as cidadãs e cidadãos que se identificam e assinam a presente Petição, vêm solicitar ao Senhor Presidente da Assembleia da República e aos Senhores Deputados que, no início da nova legislatura, efectuem as diligências necessárias, no respeito pelos valores inscritos na Constituição da República, para que tal ofensa aos portugueses em geral, e em particular à memória dos milhares de vítimas do regime fascista do «Estado Novo», seja definitivamente travada e abandonada.
Considerando os sinais concretos do desenvolvimento de forças fascistas e fascizantes por toda a Europa (e não só), a criação de um museu como o anunciado em Santa Comba Dão, não será apenas um depósito do espólio do ditador Salazar, mas um centro de conspiração contra a Democracia e o Portugal de Abril.
O “museu” não vai ser “um local de estudo e um centro interpretativo do Estado Novo” como proclamam os seus defensores, mas sim um instrumento para congregar saudosistas do passado e assumir-se como centro de divulgação e acção enquadradas na matriz corporativa/fascista que a maioria do Povo sofreu sob o “Estado Novo”.
Para fazer a história do “Estado Novo” existem já os baluartes e projecto da resistência e luta pela Liberdade em Peniche, no Aljube e outros deverão ser abertos, como a antiga cadeia da PIDE na Rua do Heroísmo, no Porto.
Ao que acrescem razões jurídico-substantivas para que não possa ser uma realidade a criação de tal associação-museu.
De facto, o n.º 4, do artigo 46.º da Constituição da República Portuguesa, proíbe todas as organizações que partilhem a ideologia fascista, esclarecendo a Lei 64/78 de 6 de Outubro, que «são proibidas e não pode exercer toda e qualquer actividade as organizações que mostrem (…) pretender difundir ou difundir efectivamente os valores, os princípios, os expoentes, as instituições e os métodos característicos dos regimes fascistas (…) nomeadamente (…) o corporativismo ou a exaltação das personalidades das mais representativas daqueles regimes.»
Pelo exposto e nos termos do número 1, do artigo 52 da Constituição da República Portuguesa, os abaixo assinados solicitam que a Assembleia da República, em nome do Portugal de Abril, mas também da Constituição da República Portuguesa e da Lei, condene politicamente o processo de criação do “Museu Salazar”, em Santa Comba Dão, e processe as diligências necessárias ao impedimento do intento que tanto ofende a memória dos milhares de vítimas do “Estado Novo” e os Portugueses em geral.
------------------------------
Primeiros subscritores,
cidadãs e cidadãos, democratas de diferentes sensibilidades, profissões e regiões: médicos; advogados; juristas; operários; escritores; empregados; académicos; autarcas; membros de entidades do turismo; ex-presos políticos; jornalistas; músicos; sindicalistas; professores; estudantes; artistas e militares de Abril que agora vos apelam para que se juntem, assinem e divulguem.
Abílio Fernandes
Adelino Pereira da Silva
Adelino Silva Nunes Pereira
Adilo Oliveira Costa
Aguinaldo Cabral
Albano Nunes
Alberto Lopes Andrade
Alexandre Jorge Almeida
Alfredo Campos
Alfredo Graça
Alfredo Maia
Alfredo Monteiro
Alice Capela
Alice Vieira
Alma Rivera
Almada Contreiras
Álvaro Beijinha
Amadeu Battel
Américo Flor
Amílcar Cardoso
Ana Margarida Carvalho
Ana Souto
Anabela Mota Ribeiro
André Carmo
Aniceto Henrique Afonso
António Antunes - Tó Trips (Dead Combo)
António Avelãs Nunes
António Bernardo Colaço
António Branco
António Ceia da Silva
António Cluny
António Fernandes de Matos
António Figueira Mendes
António Gervásio
António Goulart
António José Martins
António Lopes
António Manuel Simões Ferreira
António Martins
António Matos
António Menano
António Neto Brandão
António Recto
António Redol
António Regala
António Rodrigues Canelas
António Saiote
António Vilarigues
Apolónia Teixeira
Aprígio Ramalho
Armando Myre Dores
Arménio Carlos
Augusto Flor
Avelino Gonçalves
Baptista Alves
Bernardino Soares
Camilo Mortágua
Carlos Campos Rodrigues Costa
Carlos Coutinho
Carlos Gonçalves Oliveira Duarte
Carlos Humberto Pinheiro Palácios de Carvalho
Carlos Manuel Tomé da Costa
Carlos Pinto Sá
Carlos Santos Pereira
Carlos Vale
Carvalho da Silva
Casimiro Menezes
Catarina Pires
Celso Moreira de Oliveira
Cláudio Torres
Conceição Matos
Custódia Chibante
Damião Ribeiro
Daniel Cabrita
Daniel Sampaio
Deolinda Machado
Diamantino Estanislau
Dinis Lourenço
Diniz de Almeida
Diogo Correia
Domingos Abrantes
Domingos Lobo
Dulce Rebelo
Eduardo Gageiro
Emídio Martins
Eulália Miranda
Eva Soares de Pinho da Cruz Leite Freitas
Fátima Amaral
Faustino Reis
Fernando Medina
Fernando Paes
Firmino Martins
Francisco Bruto da Costa
Francisco Canelas
Francisco Dias Pereira
Francisco Duarte Mangas
Francisco Jesus
Francisco Lobo
Francisco Melo
Francisco Mesquita Machado
Glória Maria Marreiros
Gonçalo Lagar
Graciete Cruz
Guilherme da Fonseca
Heitor Sequeira Alves
Hélder Madeira
Helena Pato
Henrique Mendonça
Herculana Velez
Hortênsia Menino
Inês Fontinha
Isabel do Carmo
Jaime Carvalho
Jaime Mendes
Jaime Serra
Joana Dias Pereira
Joana Manuel
Joana Villaverde
João Carlos Lopes Serra
João Correia da Cunha
João Durão Carvalho
João Goulão
João Gralheiro
João Leonardo da Cunha
João Luis Madeira Lopes
João Miguel Judas
João Miranda
João Monge
João Neves
João Português
João Torres
Joaquim Almeida
Joaquim Barata
Joaquim Correia
Joaquim Judas
Joaquim Letria
Joaquim Loureiro
Joaquim Santos
Joaquina Silvério
Jorge Cabral Campos
Jorge Sarabando
Jorge Sario de Matos
José Abreu
José Alberto Quintino
José Barata-Moura
José Costa Neves
José Elio Sucena
José Ernesto Cartaxo
José Jorge Letria
José Goulão
José Lestra Gonçalves
José Lopes de Almeida
José Luís Peixoto
José Manuel Jara
José Manuel Mendes
José Manuel Sampaio
José Pedro Soares
José Santa Bárbara
José Teodósio Cachochas
José Veloso
José Viale Moutinho
José Viola
Josué Marques
Júlia Maria de Almeida Lima e Sequeira Rodrigues
Júlio Dias
Laura Lopes
Levy Baptista
Lídia Jorge
Luís Cília
Luís Farinha
Luís Ferreira
Luís Filipe Lopes Pinheiro
Luís Filipe Pimenta Correia
Luís Miguel Carraça Franco
Luís Simão
Luísa Tito de Morais
Machado dos Santos
Madalena Santos
Manuel Barbosa da Silva
Manuel Begonha
Manuel Condenado
Manuel Freire
Manuel José Costa Oliveira
Manuel Lima Bastos
Manuel Magrinho
Manuel Pedro
Manuel Strecht Monteiro
Manuela Bernardino
Margarida Barbedo
Margarida Taveira
Margarida Tengarrinha
Maria da Piedade Morgadinho
Maria das Dores Meira
Maria João Brilhante
Maria João Luís
Maria José Ribeiro
Maria Lourença Cabecinha
Maria Manuela Antunes da Silva
Mariana Metelo Cunha Lopes
Mariana Rafael
Mariana Silva
Marília Villaverde Cabral
Mário Araújo
Mário de Carvalho
Mário Pereira
Martins Guerreiro
Miguel Amoêdo Canudo
Miguel Boeiro
Miguel Pessoa
Modesto Navarro
Nuno Judíce
Nuno Ramos de Almeida
Nuno Silva
Odete Santos
Osvaldo de Sousa
Otelo Saraiva de Carvalho
Pedro Estorninho
Pedro Fernandes
Pedro Gonçalves (Dead Combo)
Pedro Santos
Pezarat Correia
Pilar del Río
Ribeiro Cardoso
Ricardo Ferraz
Rita Magrinho
Rodrigo Francisco
Rosalina Carmona Pica
Rui Cardoso Martins
Rui Garcia
Rui Mateus
Rui Namorado Rosa
Rui Nunes
Rui Raposo
Rui Solheiro
Samuel Quedas
Santa Clara Gomes
Sérgio Augusto Costa Esperança
Sérgio Dias Branco
Sérgio Machado Letria
Sérgio Manso Pinheiro
Sérgio Ribeiro
Sérgio Vicente
Sílvia Pinto
Silvina Miranda
Susana Sousa Dias
Tarroso Gomes
Teresa Carvalho
Teresa Lopes
Teresa Tito de Morais
Tiago Jacinto
Tiago Mota Saraiva
Tomás Urbano
Tomé Pires
Valter Ferreira
Vasco Lourenço
Vicente Barbedo Gonçalves
Vítor Costa
Vítor Proença
Vítor Zacarias
Vitorino
Zeferino Coelho
Link para assinar a petição:
https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=naoaomuseusalazar&fbclid=IwAR3q7F4IkA_8O3dDQnGZlkyGmJWqGQ9ygJVbynOXhnqGOVOTz2Uw9byjoOw
https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=naoaomuseusalazar&fbclid=IwAR3q7F4IkA_8O3dDQnGZlkyGmJWqGQ9ygJVbynOXhnqGOVOTz2Uw9byjoOw
Friday, September 27, 2019
Pequena Elegia de Setembro
Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.
Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos poisados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de Setembro.
Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.
Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?
Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.
Eugénio de Andrade
(«Coração do Dia» - 1956-1958)
Monday, September 23, 2019
Carta a um Super-herói (II)
Carta a um Super-herói (II)
Esta noite viajámos juntos nos meus sonhos. Passámos a noite acordados a correr, a jogar à bola, a comer gelados, a conversar... rimos muito, abracei-te muito!
Contaste-me as tuas novidades e eu contei-te as minhas: "Sabes, a tia ainda não te disse, mas vais ter mais um priminho... está a crescer forte e só espero que seja um terço do que tu és - Já dizia isso do primeiro e saiu-me melhor que a encomenda - Tu riste-te com aquele teu jeito envergonhado e maroto.
Falaste-me das tuas aventuras todas de Super-T, mostraste-me as tuas
medalhas e conquistas. Estás crescido! És um verdadeiro Super-herói! E
eu tenho muito orgulho em ti!
O despertador tocou e eu tive de voltar à minha realidade. São 4 meses... e ainda não parece real. Não sei lidar com a tua ausência, não quero lidar com ela. Continuo sem compreender, continuo sem aceitar. Não sei se algum dia isso acontecerá.
Esta música, uma das mais bonitas canções de embalar de sempre, fazem-me lembrar de ti... acho que tu sabes porquê! ;)
Obrigada pelo sonho perfeito, volta logo à noite, sim?
https://youtu.be/PC2-IBgWX1w
Joana Correia
O despertador tocou e eu tive de voltar à minha realidade. São 4 meses... e ainda não parece real. Não sei lidar com a tua ausência, não quero lidar com ela. Continuo sem compreender, continuo sem aceitar. Não sei se algum dia isso acontecerá.
Esta música, uma das mais bonitas canções de embalar de sempre, fazem-me lembrar de ti... acho que tu sabes porquê! ;)
Obrigada pelo sonho perfeito, volta logo à noite, sim?
https://youtu.be/PC2-IBgWX1w
Joana Correia
Saturday, September 14, 2019
O mar nos teus olhos
Vives comigo e não te conheço. Apenas sei que o teu pensamento está na Ilha, porque vejo-te mar. Há noites em que sais e só chegas de madrugada, ébria de tudo, e aninhas-te no canto que é teu. Dormes um sono agitado e curto. E o mar nos teus olhos. O vestido de alças descai-te do ombro, e beijo-o. Estás fria. Abraço-te na tentativa de te aquecer. Acendes um cigarro e sais para o jardim, gostas de andar descalça na relva e na terra. E o mar nos teus olhos. Criaste um mundo que é só teu e que ninguém consegue romper. Dizes-te feliz e eu não sei o que é essa felicidade. Sentas-te e escolhes um livro ao acaso, que abres ao acaso. Numa página em branco. Dizes que é a página da tua vida. E o mar nos teus olhos.
Wednesday, September 11, 2019
Homenagem ao povo do Chile
Foram não sei quantos mil
operários trabalhadores
mulheres ardinas pedreiros
jovens poetas cantores
camponeses e mineiros
foram não sei quantos mil
que tombaram pelo Chile
morrendo de corpo inteiro.
Nas suas almas abertas
traziam o sol da esperança
e nas duas mãos desertas
uma pátria ainda criança.
Gritavam Neruda Allende
davam vivas ao Partido
que é a chama que se acende
no povo jamais vencido.
- o povo nunca se rende
mesmo quando morre unido.
Foram não sei quantos mil
operários trabalhadores
mulheres ardinas pedreiros
jovens poetas cantores
camponeses e mineiros
foram não sei quantos mil
que tombaram pelo Chile
morrendo de corpo inteiro.
Alguns traziam no rosto
um rictus de fogo e dor
fogo vivo fogo posto
pelas mãos do opressor.
Outros traziam os olhos
rasos de silêncio e água
maré-viva de quem passa
uma vida à beira-mágoa.
Foram não sei quantos mil
operários trabalhadores
mulheres ardinas pedreiros
jovens poetas cantores
camponeses e mineiros
foram não sei quantos mil
que tombaram pelo Chile
morrendo de corpo inteiro.
Mas não termina em si próprio
quem morre de pé. Vencido
é aquele que tentar
separar o povo unido.
Por isso os que ontem caíram
levantam de novo a voz.
Mortos são os que traíram
e vivos ficamos nós.
Foram não sei quantos mil
operários trabalhadores
mulheres ardinas pedreiros
jovens poetas cantores
camponeses e mineiros
foram não sei quantos mil
que nasceram para o Chile
morrendo de corpo inteiro.
José Carlos Ary dos Santos
Saturday, September 07, 2019
Festa do Avante 2019
Falta-me o barulho, falta-me o 'respirar', falta-me a multidão, faltam-me os Camaradas, faltam-me as papas de sarrabulho de Viana, a sopa da pedra de Santarém, a sopa de cebola de Vila Real, os doces de Aveiro, o queijo e o salpicão da Guarda, os maranhos de Castelo Branco, o calor da Festa, a poncha e a nikita da Madeira, a morcela com ananás dos Açores, a broa de Avintes com qualquer coisa (podem ser azeitonas) do Porto, o choco frito de Setúbal, os filetes de bacalhau frito e a malga de branco gelado de Braga, o calor da Festa, as tarefas no Palco 25A, a tarefa (importantíssima!!!) no Palco Raízes, os mojitos em Cuba, o calor da Festa, os abraços a e de Camaradas que não vejo há tanto tempo (as vidas mudam, as casas também, a Amizade e o Amor não!), falta-me a cachupa em Cabo Verde, as caipirinhas no Brasil, o café de Timor, o calor da Festa, faltam-me as perguntas de quem lá vai pela primeira vez 'porque é que não pode ser assim todos os dias', falta-me o borrego de Évora e o cante alentejano, o calor da Festa, oh... falta-me tanto...
Friday, September 06, 2019
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Falta-me o barulho, falta-me o 'respirar', falta-me a multidão, faltam-me os Camaradas, faltam-me as papas de sarrabulho de Viana, a sopa da pedra de Santarém, a sopa de cebola de Vila Real, os doces de Aveiro, o queijo e o salpicão da Guarda, os maranhos de Castelo Branco, o calor da Festa, a poncha e a nikita da Madeira, a morcela com ananás dos Açores, a broa de Avintes com qualquer coisa (podem ser azeitonas) do Porto, o choco frito de Setúbal, os filetes de bacalhau frito e a malga de branco gelado de Braga, o calor da Festa, as tarefas na Cidade Internacional, no Palco 25A, a tarefa (importantíssima!!!) no Palco Raízes, os mojitos em Cuba, o calor da Festa, os abraços a e de Camaradas que não vejo há tanto tempo (as vidas mudam, as casas também, a Amizade e o Amor não!), falta-me a cachupa em Cabo Verde, as caipirinhas no Brasil, o café de Timor, o calor da Festa, faltam-me as perguntas de quem lá vai pela primeira vez 'porque é que não pode ser assim todos os dias', falta-me o borrego de Évora e o cante alentejano, o calor da Festa, oh... falta-me tanto...
Friday, August 30, 2019
Carta - Petição da URAP
Ex-Presos Políticos protestam contra a criação do Museu Salazar
Carta enviada ao Primeiro Ministro e ao Presidente da Assembleia da República a 12 de Agosto de 2019, e hoje divulgada à Comunicação Social, assinada por 204 ex-presos políticos.
Exmo. Senhor Primeiro-Ministro
Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República
Lisboa, 12 de Agosto de 2019
Os abaixo-assinados, ex-presos políticos, manifestam, em nome próprio e no da memória de milhares de vítimas do regime fascista – de que Salazar foi principal mentor e responsável – o mais veemente repúdio pelo anúncio da criação de um “Museu Salazar” feito pelo Presidente da Câmara de Santa Comba Dão e apelam ao Governo para que, em conformidade com o relatório aprovado por unanimidade, em Julho de 2008, pela Comissão de Assuntos Constitucionais da Assembleia da República e com normas da Constituição da República Portuguesa, intervenha para impedir a concretização desse projeto que, longe de visar esclarecer a população e sobretudo as jovens gerações sobre o que foi o regime fascista, se prefigura como um instrumento ao serviço do seu branqueamento e um centro de romagem para os saudosistas do regime derrubado com o 25 de Abril.
Quando em muitos países se assiste ao renascer de forças fascistas e fascizantes, o país precisa, não de instrumentos de propaganda do fascismo – que a Constituição da República expressamente proíbe – mas de meios de pedagogia democrática que não deixem esquecer o cortejo de crimes do fascismo salazarista e preserve a memória das suas vítimas.
Os abaixo-assinados apelam ainda a todos os democratas e amantes da liberdade que se manifestem contra a criação, nos termos em que tem vindo a ser anunciado, desse memorial ao ditador.
Adelino Pereira da Silva
Afonso Rodrigues
Aguinaldo Cabral
Aguinaldo Espada de Oliveira Santos
Aires de Aguiar Bustorff
Albertino Almeida
Alberto Borges
Alexandre Jorge Almeida
Alexandre José Pirata
Alfredo Caldeira
Alfredo Guaparrão
Alfredo de Matos
Alice Capela
Álvaro Monteiro
Álvaro Pato
Américo Joaquim Brás
Américo Leal
Ana Abel
António Almeida
António Antunes Canais
António Borges Coelho
António Caçola Alcântara
António Cerqueira
António Espirito Santo
António Gervásio
António Graça
António Inácio Baião
António José Baltazar Condeço
António Lenine Moiteiro
António Melo
António Pedro Braga
António Ramalho Alcântara
António Redol
António Rodrigues Canelas
António Rodrigues Correia
António Santos
António Santos Pereira
António Velhinho Ventura
Armando Cerqueira
Arménio Marques Gil
Armando de Lacerda
Artur Monteiro de Oliveira
Artur Pinto
Aurélio Pato
Aurora Rodrigues
Bárbara Judas
Camilo Mortágua
Carlos Brito
Carlos Campos Rodrigues Costa
Carlos Coutinho
Carlos Marum
Carlos Myre Dores
Carlos Oliveira Santos
Clemente Alves
Conceição Matos
Cristiano de Freitas
Daniel Cabrita
Danilo Matos
Diana Andringa
Domingos Abrantes
Domingos Lopes
Domingos Pinho
Duarte Nuno Clímaco Pinto
Eduardo Baptista
Eduardo Ferreira
Eduardo Meireles
Elídia Rosa Caeiro
Emília Brederode
Encarnação Raminho
Estevão A. P. Caeiro Oca
Eugénia Varela Gomes
Eugénio Ruivo
Feliciano David
Fernando Almeida Simões
Fernando Baeta Neves
Fernando Chambel
Fernando Correia
Fernando Cortez Pinto
Fernando Flávio Espada
Fernando Martins Adão
Fernando Miguel Bernardes
Fernando Rosas
Fernando Vicente
Filipe Augusto Neves do Carmo
Filipe Mendes Rosas
Firmino Martins
Francisco Braga
Francisco Bruto da Costa
Francisco Carrasco dos Santos
Francisco do Carmo Martins
Francisco Lobo
Francisco Melo
Francisco Nilha Jorge
Francisco Silva Alves
Graça Érica Rodrigues
Helena Cabeçadas
Helena Neves
Helena Pato
Herculano Neto Silva
Humberto Rui Moreira
Isabel do Carmo
Jaime Fernandes
Jaime Serra
João Augusto Aldeia
João Carrasco Caeiro
João Queirós
João Viegas
Joaquim Barata
Joaquim Henrique Rodrigues
Joaquim Jorge Araújo
Joaquim Judas
Joaquim Labaredas
Joaquim Monteiro Matias
Joaquim P. Pinto Isidro
Joaquim Santos
Jorge Carvalho
Jorge Querido
Jorge Neto Valente
Jorge Seabra
Jorge Silva Melo
Jorge Vasconcelos
José A . Guimarães Morais
José Carlos Almeida
José Eduardo Baião
José Eduardo Brissos
José Ernesto Cartaxo
José Guimarães Morais
José Jaime Fernandes
José Lamego
José Leitão
José Luís Machado Feronha
José Manuel Serra Picão de Abreu
José Marcelino
José Mário Branco
José Marques
José Oliveira
José Revés
José Ribeiro Sineiro
José Teodósio Cachochas
José Pedro Soares
Justino Pinto de Andrade
Laura Valente
Lígia Calapês
Luís Firmino
Luís Fonseca
Luís Moita
Luís Figueiredo
Luísa Oliveira
Manuel Candeias
Manuel Custódio Jesus
Manuel Ferreira Gonçalves
Manuel Henriques Estevão
Manuel José Brás
Manuel Pedro
Manuel Pedro Baião
Manuel Policarpo Guerreiro
Manuel Quinteiro Gomes
Manuel Ruivo
Manuel dos Santos Guerreiro
Manuela Bernardino
Maria da Conceição Moita
Maria Custódia Chibante
Maria Dulce Antunes
Maria Emilia Miranda de Sousa
Maria Fernanda Dâmaso Marques
Maria da Graça Marques Pinto
Maria Guilhermina Ferreira Galveias
Maria Helena Rocha Soares
Maria Hermínia de Sousa Santos
Maria Isabel Areosa Feio de Barros
Maria João Gerardo
Maria José Pinto Coelho da Silva
Maria João Lobo
Maria José Ribeiro
Maria Luíza Sarsfield Cabral
Maria de Lurdes Clarisse
Maria Lourença Cabecinha
Maria Margarida Barbosa de Carvalho Pino
Mário Abrantes
Mário Araújo
Mário de Carvalho
Mário Lino
Matilde Bento
Miguel Guimarães
Miriam Halpern Pereira
Modesto Navarro
Nozes Pires
Nuno Luís Silva
Nuno Pereira da Silva Miguel
Nuno Potes Duarte
Óscar Manuel Romualdo
Óscar Vieira
Osvaldo Osório
Paula Correia
Pedro Borges
Raúl Carvalho
Sara Amâncio
Saúl Nunes
Sérgio Ribeiro
Sérgio Valente
Teresa Dias Coelho
Teresa Tito de Morais
Úrsula da Conceição Farinha
Vasco Paiva
Violante Saramago Matos
Vítor Dias
Vítor Zacarias
Carta enviada ao Primeiro Ministro e ao Presidente da Assembleia da República a 12 de Agosto de 2019, e hoje divulgada à Comunicação Social, assinada por 204 ex-presos políticos.
Exmo. Senhor Primeiro-Ministro
Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República
Lisboa, 12 de Agosto de 2019
Os abaixo-assinados, ex-presos políticos, manifestam, em nome próprio e no da memória de milhares de vítimas do regime fascista – de que Salazar foi principal mentor e responsável – o mais veemente repúdio pelo anúncio da criação de um “Museu Salazar” feito pelo Presidente da Câmara de Santa Comba Dão e apelam ao Governo para que, em conformidade com o relatório aprovado por unanimidade, em Julho de 2008, pela Comissão de Assuntos Constitucionais da Assembleia da República e com normas da Constituição da República Portuguesa, intervenha para impedir a concretização desse projeto que, longe de visar esclarecer a população e sobretudo as jovens gerações sobre o que foi o regime fascista, se prefigura como um instrumento ao serviço do seu branqueamento e um centro de romagem para os saudosistas do regime derrubado com o 25 de Abril.
Quando em muitos países se assiste ao renascer de forças fascistas e fascizantes, o país precisa, não de instrumentos de propaganda do fascismo – que a Constituição da República expressamente proíbe – mas de meios de pedagogia democrática que não deixem esquecer o cortejo de crimes do fascismo salazarista e preserve a memória das suas vítimas.
Os abaixo-assinados apelam ainda a todos os democratas e amantes da liberdade que se manifestem contra a criação, nos termos em que tem vindo a ser anunciado, desse memorial ao ditador.
Adelino Pereira da Silva
Afonso Rodrigues
Aguinaldo Cabral
Aguinaldo Espada de Oliveira Santos
Aires de Aguiar Bustorff
Albertino Almeida
Alberto Borges
Alexandre Jorge Almeida
Alexandre José Pirata
Alfredo Caldeira
Alfredo Guaparrão
Alfredo de Matos
Alice Capela
Álvaro Monteiro
Álvaro Pato
Américo Joaquim Brás
Américo Leal
Ana Abel
António Almeida
António Antunes Canais
António Borges Coelho
António Caçola Alcântara
António Cerqueira
António Espirito Santo
António Gervásio
António Graça
António Inácio Baião
António José Baltazar Condeço
António Lenine Moiteiro
António Melo
António Pedro Braga
António Ramalho Alcântara
António Redol
António Rodrigues Canelas
António Rodrigues Correia
António Santos
António Santos Pereira
António Velhinho Ventura
Armando Cerqueira
Arménio Marques Gil
Armando de Lacerda
Artur Monteiro de Oliveira
Artur Pinto
Aurélio Pato
Aurora Rodrigues
Bárbara Judas
Camilo Mortágua
Carlos Brito
Carlos Campos Rodrigues Costa
Carlos Coutinho
Carlos Marum
Carlos Myre Dores
Carlos Oliveira Santos
Clemente Alves
Conceição Matos
Cristiano de Freitas
Daniel Cabrita
Danilo Matos
Diana Andringa
Domingos Abrantes
Domingos Lopes
Domingos Pinho
Duarte Nuno Clímaco Pinto
Eduardo Baptista
Eduardo Ferreira
Eduardo Meireles
Elídia Rosa Caeiro
Emília Brederode
Encarnação Raminho
Estevão A. P. Caeiro Oca
Eugénia Varela Gomes
Eugénio Ruivo
Feliciano David
Fernando Almeida Simões
Fernando Baeta Neves
Fernando Chambel
Fernando Correia
Fernando Cortez Pinto
Fernando Flávio Espada
Fernando Martins Adão
Fernando Miguel Bernardes
Fernando Rosas
Fernando Vicente
Filipe Augusto Neves do Carmo
Filipe Mendes Rosas
Firmino Martins
Francisco Braga
Francisco Bruto da Costa
Francisco Carrasco dos Santos
Francisco do Carmo Martins
Francisco Lobo
Francisco Melo
Francisco Nilha Jorge
Francisco Silva Alves
Graça Érica Rodrigues
Helena Cabeçadas
Helena Neves
Helena Pato
Herculano Neto Silva
Humberto Rui Moreira
Isabel do Carmo
Jaime Fernandes
Jaime Serra
João Augusto Aldeia
João Carrasco Caeiro
João Queirós
João Viegas
Joaquim Barata
Joaquim Henrique Rodrigues
Joaquim Jorge Araújo
Joaquim Judas
Joaquim Labaredas
Joaquim Monteiro Matias
Joaquim P. Pinto Isidro
Joaquim Santos
Jorge Carvalho
Jorge Querido
Jorge Neto Valente
Jorge Seabra
Jorge Silva Melo
Jorge Vasconcelos
José A . Guimarães Morais
José Carlos Almeida
José Eduardo Baião
José Eduardo Brissos
José Ernesto Cartaxo
José Guimarães Morais
José Jaime Fernandes
José Lamego
José Leitão
José Luís Machado Feronha
José Manuel Serra Picão de Abreu
José Marcelino
José Mário Branco
José Marques
José Oliveira
José Revés
José Ribeiro Sineiro
José Teodósio Cachochas
José Pedro Soares
Justino Pinto de Andrade
Laura Valente
Lígia Calapês
Luís Firmino
Luís Fonseca
Luís Moita
Luís Figueiredo
Luísa Oliveira
Manuel Candeias
Manuel Custódio Jesus
Manuel Ferreira Gonçalves
Manuel Henriques Estevão
Manuel José Brás
Manuel Pedro
Manuel Pedro Baião
Manuel Policarpo Guerreiro
Manuel Quinteiro Gomes
Manuel Ruivo
Manuel dos Santos Guerreiro
Manuela Bernardino
Maria da Conceição Moita
Maria Custódia Chibante
Maria Dulce Antunes
Maria Emilia Miranda de Sousa
Maria Fernanda Dâmaso Marques
Maria da Graça Marques Pinto
Maria Guilhermina Ferreira Galveias
Maria Helena Rocha Soares
Maria Hermínia de Sousa Santos
Maria Isabel Areosa Feio de Barros
Maria João Gerardo
Maria José Pinto Coelho da Silva
Maria João Lobo
Maria José Ribeiro
Maria Luíza Sarsfield Cabral
Maria de Lurdes Clarisse
Maria Lourença Cabecinha
Maria Margarida Barbosa de Carvalho Pino
Mário Abrantes
Mário Araújo
Mário de Carvalho
Mário Lino
Matilde Bento
Miguel Guimarães
Miriam Halpern Pereira
Modesto Navarro
Nozes Pires
Nuno Luís Silva
Nuno Pereira da Silva Miguel
Nuno Potes Duarte
Óscar Manuel Romualdo
Óscar Vieira
Osvaldo Osório
Paula Correia
Pedro Borges
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Wednesday, August 28, 2019
O último abraço que me dás
Ali, na sala de quimioterapia, jamais escutei um gemido, jamais vi uma lágrima. Somente feições sérias, de uma seriedade que não topei em mais parte alguma, rostos com o mundo inteiro em cada prega, traços esculpidos a fogo na pele
Para Luís Costa
O lugar onde, até hoje, senti mais orgulho em ser pessoa foi o Serviço de Oncologia do Hospital de Santa Maria, onde a elegância dos doentes os transforma em reis. Numa das últimas vezes que lá fui encontrei um homem que conheço há muitos anos. Estava tão magro que demorei a perceber quem era. Disse-me
- Abrace-me porque é o último abraço que me dá
durante o abraço
- Tenho muita pena de não acabar a tese de doutoramento
e, ao afastarmo-nos, sorriu. Nunca vi um sorriso com tanta dor entre parêntesis, nunca imaginei que fosse tão bonito.
Com o meu corpo contra o dele veio-me à cabeça, instantâneo, o fragmento de um poema do meu amigo Alexandre O'Neill, que diz que apenas entre os homens, e por eles, vale a pena viver. E descobri-me cheio de respeito e amor. Um rapaz, de cerca de vinte anos, que fazia quimioterapia ao pé de mim, numa determinação tranquila:
- Estou aqui para lutar
e,
por estranho que pareça, havia alegria em cada gesto seu. Achei nele o
medo também, mais do que o medo, o terror e, ao mesmo tempo que o
terror, a coragem e a esperança.
A extraordinária delicadeza e atenção dos médicos, dos enfermeiros, comoveu-me. Tropecei no desespero, no malestar físico, na presença da morte, na surpresa da dor, na horrível solidão da proximidade do fim, que se me afigura de uma injustiça intolerável. Não fomos feitos para isto, fomos feitos para a vida. O cabelo cresce-me de novo, acho-me, fisicamente, como antes, estou a acabar o livro e o meu pensamento desvia-se constantemente para a voz de um homem no meu ouvido
- Acabar a tese de doutoramento, acabar a tese de doutoramento, acabar a tese de doutoramento
porque não aceito a aceitação, porque não aceito a crueldade, porque não aceito que destruam companheiros. A rapariga com a peruca no braço da cadeira. O senhor que não olhava para ninguém, olhava para o vazio. Ali, na sala de quimioterapia, jamais escutei um gemido, jamais vi uma lágrima. Somente feições sérias, de uma seriedade que não topei em mais parte alguma, rostos com o mundo inteiro em cada prega, traços esculpidos a fogo na pele. Vi morrer gente quando era médico, vi morrer gente na guerra, e continuo sem compreender. Isso eu sei que não compreenderei. Que me espanta. Que me faz zangar. Abrace-me porque é o último abraço que me dá: é uma frase que se entenda, esta? Morreu há muito pouco tempo. Foda-se. Perdoem esta palavra mas é a única que me sai. Foda-se. Quando eu era pequeno ninguém morria. Porque carga de água se morre agora, pelo simples facto de eu ter crescido? Morra um homem fique fama, declaravam os contrabandistas da raia. Se tivermos sorte alguém se lembrará de nós com saudade. De mim ficarão os livros. E depois? Tolstoi, no seu diário: sou o melhor; e depois? E depois nada porque a fama é nada.
O que é muito mais do que nada são estas criaturas feridas, a recordação profundamente lancinante de uma peruca de mulher num braço de cadeira. Se eu estivesse ali sozinho, sem ninguém a ver-me, acariciava uma daquelas madeixas horas sem fim. No termo das sessões de quimioterapia as pessoas vão-se embora. Ao desaparecerem na porta penso: o que farão agora? E apetece-me ir com eles, impedir que lhes façam mal:
- Abrace-me porque talvez não seja o último abraço que me dá.
Ao M. foi. E pode afigurar-se estranho mas ainda o trago na pele. Durante quanto tempo vou ficar com ele tatuado? O lugar onde, até hoje, senti mais orgulho em ser pessoa foi o Serviço de Oncologia do Hospital de Santa Maria onde a dignidade dos escravos da doença os transforma em gigantes, onde só existem, nas palavras do Luís, Heróis.
Onde só existem Heróis. Não estou doente agora. Não sei se voltarei a estar. Se voltar a estar, embora não chegue aos calcanhares de herói algum, espero comportar-me como um homem. Oxalá o consiga. Como escreveu Torga o destino destina mas o resto é comigo. E é. Muito boa tarde a todos e as melhoras: é assim que se despedem no Serviço de Oncologia. Muito boa tarde a todos e até já, mesmo que seja o último abraço que damos.
O lugar onde, até hoje, senti mais orgulho em ser pessoa foi o Serviço de Oncologia do Hospital de Santa Maria, onde a elegância dos doentes os transforma em reis. Numa das últimas vezes que lá fui encontrei um homem que conheço há muitos anos. Estava tão magro que demorei a perceber quem era. Disse-me
- Abrace-me porque é o último abraço que me dá
durante o abraço
- Tenho muita pena de não acabar a tese de doutoramento
e, ao afastarmo-nos, sorriu. Nunca vi um sorriso com tanta dor entre parêntesis, nunca imaginei que fosse tão bonito.
Com o meu corpo contra o dele veio-me à cabeça, instantâneo, o fragmento de um poema do meu amigo Alexandre O'Neill, que diz que apenas entre os homens, e por eles, vale a pena viver. E descobri-me cheio de respeito e amor. Um rapaz, de cerca de vinte anos, que fazia quimioterapia ao pé de mim, numa determinação tranquila:
- Estou aqui para lutar
A extraordinária delicadeza e atenção dos médicos, dos enfermeiros, comoveu-me. Tropecei no desespero, no malestar físico, na presença da morte, na surpresa da dor, na horrível solidão da proximidade do fim, que se me afigura de uma injustiça intolerável. Não fomos feitos para isto, fomos feitos para a vida. O cabelo cresce-me de novo, acho-me, fisicamente, como antes, estou a acabar o livro e o meu pensamento desvia-se constantemente para a voz de um homem no meu ouvido
- Acabar a tese de doutoramento, acabar a tese de doutoramento, acabar a tese de doutoramento
porque não aceito a aceitação, porque não aceito a crueldade, porque não aceito que destruam companheiros. A rapariga com a peruca no braço da cadeira. O senhor que não olhava para ninguém, olhava para o vazio. Ali, na sala de quimioterapia, jamais escutei um gemido, jamais vi uma lágrima. Somente feições sérias, de uma seriedade que não topei em mais parte alguma, rostos com o mundo inteiro em cada prega, traços esculpidos a fogo na pele. Vi morrer gente quando era médico, vi morrer gente na guerra, e continuo sem compreender. Isso eu sei que não compreenderei. Que me espanta. Que me faz zangar. Abrace-me porque é o último abraço que me dá: é uma frase que se entenda, esta? Morreu há muito pouco tempo. Foda-se. Perdoem esta palavra mas é a única que me sai. Foda-se. Quando eu era pequeno ninguém morria. Porque carga de água se morre agora, pelo simples facto de eu ter crescido? Morra um homem fique fama, declaravam os contrabandistas da raia. Se tivermos sorte alguém se lembrará de nós com saudade. De mim ficarão os livros. E depois? Tolstoi, no seu diário: sou o melhor; e depois? E depois nada porque a fama é nada.
O que é muito mais do que nada são estas criaturas feridas, a recordação profundamente lancinante de uma peruca de mulher num braço de cadeira. Se eu estivesse ali sozinho, sem ninguém a ver-me, acariciava uma daquelas madeixas horas sem fim. No termo das sessões de quimioterapia as pessoas vão-se embora. Ao desaparecerem na porta penso: o que farão agora? E apetece-me ir com eles, impedir que lhes façam mal:
- Abrace-me porque talvez não seja o último abraço que me dá.
Ao M. foi. E pode afigurar-se estranho mas ainda o trago na pele. Durante quanto tempo vou ficar com ele tatuado? O lugar onde, até hoje, senti mais orgulho em ser pessoa foi o Serviço de Oncologia do Hospital de Santa Maria onde a dignidade dos escravos da doença os transforma em gigantes, onde só existem, nas palavras do Luís, Heróis.
Onde só existem Heróis. Não estou doente agora. Não sei se voltarei a estar. Se voltar a estar, embora não chegue aos calcanhares de herói algum, espero comportar-me como um homem. Oxalá o consiga. Como escreveu Torga o destino destina mas o resto é comigo. E é. Muito boa tarde a todos e as melhoras: é assim que se despedem no Serviço de Oncologia. Muito boa tarde a todos e até já, mesmo que seja o último abraço que damos.
Sunday, August 25, 2019
Nasceu-te um Filho
jamais, a extrema solidão da vida.
Se a não chegaste a conhecer, se a vida
ta não mostrou - já não conhecerás
a dor terrível de a saber escondida
até no puro amor. E esquecerás,
se alguma vez adivinhaste a paz
traiçoeira de estar só, a pressentida,
leve e distante imagem que ilumina
uma paisagem mais distante ainda.
Já nenhum astro te será fatal.
E quando a Sorte julgue que domina,
ou mesmo a Morte, se a alegria finda
- ri-te de ambas, que um filho é imortal.
Jorge de Sena, in 'Visão Perpétua'
Thursday, August 22, 2019
sem título
dói-me o pulmão esquerdo do planeta
e o amazonas.
o fascismo mata. mais que monóxido de carbono.
Miguel Tiago
Miguel Tiago
Monday, August 19, 2019
Túmulo de Lorca
Em ti choramos os outros mortos todos
Os que foram fuzilados em vigílias sem data
Os que se perdem sem nome na sombra das cadeias
Tão ignorados que nem sequer podemos
Perguntar por eles imaginar seu rosto
Choramos sem consolação aqueles que sucumbem
Entre os cornos da raiva sob o peso da força
Não podemos aceitar. O teu sangue não seca
Não repousamos em paz na tua morte
A hora da tua morte continua próxima e veemente
E a terra onde abriram a tua sepultura
É semelhante à ferida que não fecha
O teu sangue não encontrou nem foz nem saída
De Norte a Sul de Leste a Oeste
Estamos vivendo afogados no teu sangue
A lisa cal de cada muro branco
Escreve que tu foste assassinado
Não podemos aceitar. O processo não cessa
Pois nem tu foste poupado à patada da besta
A noite não pode beber nossa tristeza
E por mais que te escondam não ficas sepultado
Sophia de Mello Breyner Andresen
Friday, August 16, 2019
Woodstock
Foram 3 dias de 'paz e música', que começaram a 15 de Agosto de 1969. Há 50 anos!
Jimi Hendrix, Janis Joplin, Carlos Santana, Joan Baez, The Who, Ravi Shankar, Joe Cocker, Credence Clearwater Revival, Joni Mitchel, Crosby, Stills, Nash & Young foram apenas alguns dos músicos que passaram pela fazenda da cidade de Bethel, interior de New York, de 15 a 18 de Agosto de 1969.
Foi há 50 anos, em Woodstock!
https://youtu.be/MwIymq0iTsw
Tuesday, August 06, 2019
Hiroshima
6 de Agosto de 1945. 8h16, horário do Japão. O bombardeiro norte americano B-29 lança a “Little Boy” sobre Hiroshima, sede do comando militar do Japão Imperial. A explosão matou cerca de 100 mil pessoas. 35 mil ficaram feridas. Mais de 60 mil pessoas faleceram até ao final daquele ano, por causa dos efeitos da chuva radioactiva.
Repito, o bombardeiro norte americano B-29, que foi chamado de Enola Gay!
Tuesday, July 02, 2019
Centenário de Sophia
Esta Gente
Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco
Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis
Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre
Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome
E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada
Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo
Sophia de Mello Breyner Andresen
Ora me lembra reis
Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre
Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome
E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada
Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo
Sophia de Mello Breyner Andresen
Saturday, June 22, 2019
Carta a um Super-herói
Carta a um Super-herói
Faz hoje 7 anos e 1 mês que te vi pela primeira vez. Quando soube que estavas quase a nascer, deixei tudo e corri para ser das primeiras pessoas que tu visses, para que soubesses logo ali que poderias contar comigo para tudo. E poucos minutos depois de vires ao mundo, ali estava eu a contemplar-te, completamente apaixonada e rendida aos teus olhos rasgados e feições perfeitas. Foi a primeira vez que senti o mais puro amor incondicional.
E desde então foi um crescendo de amor. Pelos teus olhos e sorriso via-se o amor que te envolvia, a felicidade nos teus passos confiantes, a inteligência em cada aprendizagem tua, a doçura na tua voz e a alegria em tudo o que fazias.
Lembras-te dum dia que estávamos os dois sentados no sofá a conversar, tinhas uns 5 anos e o teu primo meia dúzia de meses e tu, a olhar para ele me dizes: "Ó tia, porque não tiveste o primo mais cedo para eu poder brincar mais com ele..." e que resposta te poderia dar?! "Tens razão, meu amor, mas agora vais ter muito tempo para brincar com ele." E se brincaram... e que paciência a tua... porque ele não te largava um instante! Nele vejo muito de ti... no que veste, nos brinquedos e nas brincadeiras, mas acima de tudo no olhar, no mesmo olhar feliz!
Tenho pensado muito nessa resposta que te dei e numa frase que o teu tio costuma dizer: "Temos uma vida toda para isso..." e acabamos por ir adiando as coisas. Contigo aprendi que não se pode adiar, que o que é agora amanhã pode já não ser. Dói-meu saber que não te liguei para me contares como foi conheceres os jogadores do Benfica (mas vi o video umas 30 vezes), que não te disse vezes suficientes que te adorava e que tinha muito orgulho em ti e no Super-T em que te transformaste, "até porque, achava eu, iríamos ter uma vida toda para isso..."
Custa-me pensar naquilo que não fizeste e no tanto que ainda tinhas para fazer. No almoço de aniversário do teu pai; na festa de pijama que íamos fazer em minha casa; no passeio ao jardim zoológico com o teu primo e os teus avós; na tua festa do 7º aniversário (e todas as seguintes) com todas as pessoas que te adoram; no aprenderes a ler e a escrever; o ver-te tornar adolescente e depois num homem. Era assim que deveria ser... tinhas tanto para ser, para viver!
Sabes Super-T, este mês tem sido muito difícil. Com toda a certeza o mais difícil da minha vida. Quando me perguntam: "Está tudo bem?" A minha resposta imediata é "Está tudo bem, obrigada!", mas por dentro só eu sei como estou destroçada. A vida não é a mesma, não pode ser a mesma! Partiu contigo uma parte de mim.
Quero muito acreditar que um dia vou voltar a ver esse teu sorriso a dizer: "Olá tia, tive saudades tuas!" e abraçar-te até tu te fartares.
Ahh... e não te preocupes, estamos todos a tomar conta dos teus pais e da tua mana e a tentar que os dias deles voltem a amanhecer a sorrir...
Se não te importares, de vez em quando vou-te escrevendo estas cartas para sentir que estamos sempre juntos.
Beijinhos da tia que te adora!!!
Ps. Quando tiveres matado essas saudades todas do avô Zé e tiveres um tempinho livre, manda um pouco desses teus super-poderes, que aqui em baixo estamos a precisar.
Joana Correia
Faz hoje 7 anos e 1 mês que te vi pela primeira vez. Quando soube que estavas quase a nascer, deixei tudo e corri para ser das primeiras pessoas que tu visses, para que soubesses logo ali que poderias contar comigo para tudo. E poucos minutos depois de vires ao mundo, ali estava eu a contemplar-te, completamente apaixonada e rendida aos teus olhos rasgados e feições perfeitas. Foi a primeira vez que senti o mais puro amor incondicional.
E desde então foi um crescendo de amor. Pelos teus olhos e sorriso via-se o amor que te envolvia, a felicidade nos teus passos confiantes, a inteligência em cada aprendizagem tua, a doçura na tua voz e a alegria em tudo o que fazias.
Lembras-te dum dia que estávamos os dois sentados no sofá a conversar, tinhas uns 5 anos e o teu primo meia dúzia de meses e tu, a olhar para ele me dizes: "Ó tia, porque não tiveste o primo mais cedo para eu poder brincar mais com ele..." e que resposta te poderia dar?! "Tens razão, meu amor, mas agora vais ter muito tempo para brincar com ele." E se brincaram... e que paciência a tua... porque ele não te largava um instante! Nele vejo muito de ti... no que veste, nos brinquedos e nas brincadeiras, mas acima de tudo no olhar, no mesmo olhar feliz!
Tenho pensado muito nessa resposta que te dei e numa frase que o teu tio costuma dizer: "Temos uma vida toda para isso..." e acabamos por ir adiando as coisas. Contigo aprendi que não se pode adiar, que o que é agora amanhã pode já não ser. Dói-meu saber que não te liguei para me contares como foi conheceres os jogadores do Benfica (mas vi o video umas 30 vezes), que não te disse vezes suficientes que te adorava e que tinha muito orgulho em ti e no Super-T em que te transformaste, "até porque, achava eu, iríamos ter uma vida toda para isso..."
Custa-me pensar naquilo que não fizeste e no tanto que ainda tinhas para fazer. No almoço de aniversário do teu pai; na festa de pijama que íamos fazer em minha casa; no passeio ao jardim zoológico com o teu primo e os teus avós; na tua festa do 7º aniversário (e todas as seguintes) com todas as pessoas que te adoram; no aprenderes a ler e a escrever; o ver-te tornar adolescente e depois num homem. Era assim que deveria ser... tinhas tanto para ser, para viver!
Sabes Super-T, este mês tem sido muito difícil. Com toda a certeza o mais difícil da minha vida. Quando me perguntam: "Está tudo bem?" A minha resposta imediata é "Está tudo bem, obrigada!", mas por dentro só eu sei como estou destroçada. A vida não é a mesma, não pode ser a mesma! Partiu contigo uma parte de mim.
Quero muito acreditar que um dia vou voltar a ver esse teu sorriso a dizer: "Olá tia, tive saudades tuas!" e abraçar-te até tu te fartares.
Ahh... e não te preocupes, estamos todos a tomar conta dos teus pais e da tua mana e a tentar que os dias deles voltem a amanhecer a sorrir...
Se não te importares, de vez em quando vou-te escrevendo estas cartas para sentir que estamos sempre juntos.
Beijinhos da tia que te adora!!!
Ps. Quando tiveres matado essas saudades todas do avô Zé e tiveres um tempinho livre, manda um pouco desses teus super-poderes, que aqui em baixo estamos a precisar.
Joana Correia
Tuesday, June 11, 2019
Carvalhesa
Carvalhesa - Texto de Ruben de Carvalho
31 Maio 2001
Em Março de 1985 a Comissão Política do CC do PCP criou um grupo de trabalho com o objectivo de se tentar criar um tema musical para a campanha eleitoral para as eleições legislativas desse ano e que desse identidade sonora às diversas manifestações, desde os carros de som até aos indicativos de tempos de antena.
A primeira ideia dessa equipa foi a de encontrar um tema de música tradicional portuguesa a que se pudesse dar um tratamento instrumental no estilo do que entretanto se começara a chamar MPP, Música Popular Portuguesa. Vivia-se então um momento de grande criatividade em termos de música popular, na esteira de Zeca Afonso e Sérgio Godinho, os trabalhos dos Trovante, de Júlio Pereira, de Fausto tinham criado uma sonoridade tão nova quanto portuguesa e que conseguia um resultado inteiramente surpreendente: conquistava público em todo o País e em todas as áreas culturais. Pelas suas raízes no folclore despertava eco nas audiências culturalmente fixadas em raízes e padrões rurais com a mesma facilidade com que desencadeava o entusiasmo de plateias juvenis que de bom grado trocavam a batida rock por surpreendentes linhas rítmicas bebidas em adufes e Zés-Pereiras.
Pensou-se assim procurar um dos temas tradicionais que Lopes-Graça harmonizara para o Coro da Academia de Amadores de Música, assegurando mais uma significante ligação entre duas épocas e dois estilos, ligados pela comum paixão pelo património popular e pela comum identificação ideológica e política com os interesses do povo português. Optou-se em primeiro lugar por uma conhecidíssima melodia, a do «Canta, camarada, canta». Sabe-se como esta velha canção de contrabandistas transmontanos adquirira durante o fascismo um cunho claramente progressista, não apenas pelo facto de a Lopes-Graça se dever a sua divulgação, mas também pelo uso do vocativo «camarada».
A ideia era que o arranjo fosse puramente instrumental, mas defrontou-se a dificuldade de a melodia possuir letra tradicional e bem conhecida entre os democratas - sendo praticamente inevitável que a sua execução coral acabasse a generalizar-se. E se nada vinha de mal ao mundo se num comício da então APU se cantasse «canta, camarada canta/canta que ninguém te afronta», já parecia polémico que no mesmo local se atroasse os ares afirmando «eu hei-de morrer de um tiro/ou de uma faca de ponta»... E se não seriam de prever críticas ao «viva a malta, trema a terra/daqui
ninguém arredou», as coisas poder-se-iam complicar com o «quem há-de temer a guerra/sendo um homem como eu sou»...
Passou-se então à consulta do livro «Cancioneiro Popular Português» de Michel Giacometti (Círculo de Leitores. Lisboa, 1981). Piano em frente, lá se foi procurando e, uma semana decorrida, pelas três da manhã, a «Carvalhesa» deve ter soado pela primeira vez fora de Trás-os-Montes, de onde é natural. Em Julho desse ano gravou-se a primeira versão e editou-se um maxi-single de vinyl.
Como se explica no folheto que acompanhou essa primeira edição, verificou-se, porém, ainda antes da gravação, um «caso». Poucos dias depois da escolha, tinha-se procurado nos discos dos «Arquivos Sonoros Portugueses», de Giacometti e Lopes-Graça, se lá estaria a «Carvalhesa» gravada em versão original e popular - e estava! Imediatamente se decidiu pedir a Giacometti uma cópia da gravação e ter-se-ia um excelente lado B do maxi-single.
Contudo, ao ouvir o disco dos «Arquivos», verificou-se com grande perplexidade que a «Carvalhesa» que o gravador de Giacometti registara em Trás-os-Montes e ali se reproduzia não era manifestamente aquela cuja pauta se encontrava no livro e que se iria utilizar. O mistério seria decifrado dias mais tarde pelo próprio Giacometti.
No início deste século, um jovem maestro e compositor alemão, nascido em Berlim em 1882, fixou-se em Nova Iorque. Estudara em Berlim e Munique, apenas com 20 anos era maestro assistente da ópera de Stuttgart e, em 1905, começa a desempenhar idênticas funções no New York Metropolitan. O seu nome - Kurt Schindler.
O trabalho de Schindler nos Estados Unidos foi profícuo em numerosas áreas. Criou, em 1909, o coro da MacDowell Church (rebaptizado Schola Cantorum em 1912) que desempenhou importantíssimo papel na divulgação e recuperação coral clássica e moderna, foi organista do famoso Temple Emanu-El de Nova Iorque, compôs, dirigiu.
No final da década de 20, o laureado maestro largou a sua confortável vida de músico reconhecido e respeitado na grande metrópole e embarcou para a Europa para fazer investigação etnográfica - em Espanha! A escolha do local não é surpreendente: a música espanhola, coral e de órgão, estivera sempre no centro dos interesses de Schindler, tanto quanto a música tradicional, para a qual fora profundamente influenciado pelo seu professor de adolescência Max Friedlander.
De gravador de discos de alumínio debaixo do braço, Schindler percorreu durante os anos de 1931 e 32 as Astúrias, Navarra, o Norte da península, e, em 1932, atravessando as difusas raias transmontanas, acabou por entrar em Portugal onde prosseguiu o seu trabalho. Infelizmente, porém, o gravador avariara-se e Schindler fez a sua recolha em Trás-os-Montes apenas mediante transcrições musicais.
Regressado aos EUA, viria a falecer em 1935. Postumamente, a Columbia University editou o resultado das suas investigações em «Folk Music and Poetry of Spain and Portugal» (Columbia University. Hispanic Institut in the United States. New York, 1941. Existe uma reedição do Centro de Cultura Tradicional. Salamanca, 1991. Vd. http://digilib.nypl.org/dynaweb/ead/music/musschindle).
Mais de vinte anos depois, em 1958, um etnólogo natural de Ajaccio, na Córsega, que acabara de dirigir uma missão internacional de estudo do folclore das ilhas mediterrânicas, descobriu o livro de Schindler nas prateleiras da biblioteca do Museu do Homem, em Paris. Meses depois, sobraçando o primeiro gravador Nagra (ainda de manivela!) a aparecer em Portugal, Michel Giacometti seguia as pisadas de Schindler no Nordeste transmontano e entrava pela primeira vez num país que iria adoptar como seu e que o iria adoptar como um dos seus filhos.
Nessas primeiras andanças por Trás-os-Montes, Giacometti foi ainda encontrar a memória do investigador americano que por ali andara duas décadas antes. E o seu tecnológico microfone era comparado, pelos músicos populares que gravou, com a fascinação que sobre eles exercera aquele estrangeiro que escrevia sinais num papel enquanto os escutava para depois, quase misteriosamente, repetir exactamente os mesmos sons lendo os pontos e riscos que anotara...
Em 1981, Giacometti teve finalmente possibilidades de editar o seu «Cancioneiro Popular Português» e fê-lo com a probidade de intelectual e de homem de ciência que era: nele não inclui exclusivamente os registos efectuadas durante o seu trabalho e a sua colaboração com Fernando Lopes-Graça, mas sim uma selecção geral - definida por critérios de rigor e qualidade - do trabalho de quantos contribuíram para a recolha de melodias criadas pelo povo português. E ali se encontram mesmo recolhas de homens que, fixando embora a voz do povo, bem pouco a respeitavam, como o caso do desconfiado musicólogo amador que, nos anos 60, informou pressuroso a PIDE de que pelas suas terras andava pregando a subversão um francês que recolhia melodias e tradições... Giacometti sorria, quando contava: «Mandei-lhe o livro, telefonou-me, agradecendo, desfazendo-se em desculpas, tentando explicar aquilo ..» E, investigador apaixonado e generoso, concluía: «É de direita, mas é um bom homem. E muito sério nas recolhas que fez.»
A «Carvalhesa» foi uma das peças objecto de selecção. Exactamente na mesma aldeia (Tuiselo, perto de Vinhais - Bragança) onde em 1932 Schindler recolhera a melodia publicada em «Folk Songs...», Giacometti havia recolhido em 1970 uma outra, a que os seus executantes populares atribuíam o mesmo nome, mas inteiramente diferente.
O facto não é estranho. Como se afirma nas notas do «Cancioneiro», «a "CarvaIhesa", dança de quatro laços, era, com a "Murinheira" e o "Passeado", o baile preferido da região. O instrumento tradicional a acompanhar estas danças era a gaita de foles». Ou seja, a «Carvalhesa» é essencialmente uma dança, para a qual se conhecem duas melodias, mas que poderá mesmo ter sido dançada com outras entretanto perdidas. Face às duas versões, Giacometti entendeu ser mais interessante a recolhida por esse compositor alemão que fora o ausente cicerone da sua descoberta de Portugal. E, página 217 do «Cancioneiro, tema 166, lá ficaria a «Carvalhesa» recolhida por Kurt Schindler.
O arranjo da «Carvalhesa» gravado em 1985 acompanhou a actividade política do PCP em sucessivas campanhas eleitorais, na Festa do «Avante!», cujos palcos sempre abre e encerra e dos quais se tornou verdadeiramente emblemática.
Ruben de Carvalho
Julho de 2001
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