Sunday, December 31, 2023
POEMA CXIV
Friday, December 29, 2023
lembro-me do futuro
Wednesday, December 27, 2023
A Odete Santos não morreu
A Odete era genuína. Não era comunista por acidente. Era comunista inteira. Como muito poucos. Era das mais brilhantes deputadas. Não era uma deputada de bancada. Não era mais uma no meio de tantos. Era uma deputada do terreno. Ligada às pessoas. Ligada à justiça social e à liberdade.
Não quis ser fotografada na AR. Quis ser fotografada no palco (não me lembro que sala) e junto ao rio Tejo.
Ali, a grande Odete, a brilhante deputada. A obreira da democracia. A mulher da luta. Todos os dias. Junto ao rio, com as gaivotas a voarem em liberdade.
A Odete Santos não morreu.
Sunday, December 24, 2023
Natal...
Elas andam a trabalhar numa fona há dois ou três dias, sem o descanso necessário. Primeiro as compras, depois a cozinha. Fazem sonhos rabanadas aletria arroz doce coscorões azevias e só não fazem o bolo rei porque lhes falta o tempo. São os homens a ir buscar o bolo rei que elas encomendaram. Levantaram-se cedo e começaram logo ainda não saíram da cozinha e os homens a perguntar quando é que se almoça. Fazem-lhe um bife (as que podem) rápido e nem se sentam à mesa, porque há que começar a levar para a sala de jantar o serviço de porcelana e os copos que se usam uma ou duas vezes por ano. Tudo do enxoval. Quantos sonhos ficaram pelo caminho. A esta hora já descascaram as batatas, arranjaram a couve, os tachos estão em cima do fogão que será ligado daqui a pouco para cozer o bacalhau. E eles sentados no sofá a verem televisão. Elas põem a mesa com a toalha que usam uma vez por ano, o serviço de porcelana e os copos. Têm de caber quinze. Os três filhos chegarão dentro de pouco tempo com os respectivos parceiros e dois filhos cada um. Vai ser uma festa pois vai mas ninguém pensa que elas estão de pé há mais de dez horas e ainda têm pela frente mais seis ou sete horas de trabalho até poderem ir descansar um pouco sim porque amanhã o almoço é igualmente lá em casa e elas têm de se levantar às sete ou oito para voltarem a por a mesa, repor os doces e acender o fogão onde se irá assar o perú, que elas têm temperado há dois dias. Eles levantam-se mais tarde, chegam à cozinha e pedem o pequeno almoço, depois fumam um cigarro e vão à vida deles. Voltam a aparecer quando são chamados para a mesa. Elas não veem mais nada a não ser os ponteiros do relógio avançarem e os filhos estão quase a chegar e o arroz de passas ainda está por fazer e ela tem ainda de tomar um duche. É tão lindo o Natal quando elas trabalham assim e eles dizem ponham os olhos na vossa mãe, que é uma mulher como deve ser. Felizmente à noite o jantar vai ser o que sobejou do almoço e do jantar da véspera. Despediram-se ao final do dia e elas mal aguentam pensar que amanhã é já daqui a meia dúzia de horas... e que o trabalho as espera.
Saturday, December 23, 2023
Poema de natal
Tuesday, December 19, 2023
Refaz-me
Penetras-me todos os dias, sempre que te apetece. Deixas que eu me encha de ti, naturalmente. Namoras-me e saboreias-me da mesma forma e ao mesmo tempo que te namoro e te saboreio. As crianças a brincarem com a nossa espuma.
A corrente leva-me sempre para ti, e traz-te de volta. Mas é de noite que nos amamos melhor. Com as estrelas como manto. Às vezes a lua, cúmplice dos nossos beijos e abraços. Enquanto as crianças sonham com castelos de areia e sorriem.
Nas minhas margens costumam chapinhar os mais pequenos e deixo que os barquinhos se passeiem imaginando viagens que não fazem. Mas estes dias foram de tempestades e amores proibidos, e as margens que em mim deixaste são enormes. Cavaste um fosso entre mim e o que resta da praia, que continuas a lamber. As minhas margens são agora enormes. Como podem as crianças voltar a brincar no meu regaço?
Refaz-me, uma e outra vez, com a doçura com que sempre o fizeste. Preciso do teu abraço, forte. E das gargalhadas das crianças...
Monday, December 18, 2023
Amor
Thursday, December 14, 2023
TERRA
Tuesday, December 05, 2023
POEMA DA CURVA
Monday, December 04, 2023
O BAR
Saturday, December 02, 2023
***
Adoro-te minha gata de Janeiro meu amor minha gazela meu miosótis minha estrela minha amante minha Via Láctea minha filha minha mãe minha esposa minha margarida meu gerânio minha princesa aristocrática minha preta minha branca minha chinezinha minha Paulina Bonaparte minha história de fadas minha Ariana minha heroína de Racine minha ternura meu gosto de luar meu Paris minha fita de cor meu vício secreto minha torre de andorinhas três horas da manhã minha melancolia minha polpa de fruto meu diamante meu sol meu copo de água minhas Escadinhas da Saudade minha morfina ópio cocaína minha ferida aberta minha extensão polar minha floresta meu fogo minha única alegria minha América e meu Brasil minha vela acesa minha candeia minha casa meu lugar habitável minha mesa posta minha toalha de linho minha cobra minha figura de andor meu anjo de Boticelli meu mar meu feriado meu domingo de Ramos meu Setembro de vindimas meu moinho no monte meu vento norte meu sábado à noite meu diário minha história de quadradinhos meu recife de Manuel Bandeira minha Passargada meu templo grego minha colina meu verso de Holderlin meu gerânio meus olhos grandes de noite minha linda boca macia dupla como uma concha fechada meus seios suaves e carnudos meu enxuto ventre liso minhas pernas nervosas minhas unhas polidas meu longo pescoço vivo e ágil minhas palavras segredadas meu vaso etrusco minha sala de castelo espelhada meu jardim minha excitação de risos minha doce forquilha de coxas minha eterna adolescente minha pedra brunida meu pássaro no mais alto ramo da tarde meu voo de asas minha ânfora meu pão de ló minha estrada minha praia de Agosto minha luz caiada meu muro meu soluço de fonte meu lago minha Penélope meu jovem rio selvagem meu crepúsculo minha aurora entre minas minha Grécia minha maré cheia minha muralha contra as ondas meu véu de noiva minha cintura meu pequenino queixo zangado minha transparência de tules minha taça de oiro minha Ofélia meu lírio meu perfume de terra meu corpo gémeo meu navio de partir minha cidade meus dentes ferozmente brancos minhas mãos sombrias minha torre de Belém meu Nilo meu Ganges meu templo hindu minha areia entre os dedos minha aurora minha harpa meu arbusto de sons meu país minha ilha minha porta para o mar meu mangerico meu cravo de papel minha Madragoa minha morte de amor minha Ana Karénine minha lâmpada de aladino minha mulher
Wednesday, November 15, 2023
Declaração de independência da Palestina
Em 15 de Novembro de 1988, há 35 anos, Yasser Arafat leu, em Argel, a Declaração de Independência da Palestina, escrita pelo poeta Mahmoud Darwich e acabada de aprovar pelo Conselho Nacional Palestino, reunido no exílio: «O Conselho Nacional da Palestina, em nome de Deus e em nome do povo árabe palestino, proclama a criação do Estado da Palestina no nosso território palestino, tendo como capital Jerusalém (Al-Quds Ash-Sharif).»
A declaração prossegue: «O Estado da Palestina é o Estado dos palestinos, onde quer que se encontrem. O Estado é para eles, para que nele gozem da sua identidade nacional e cultural colectiva, para que nele prossigam uma completa igualdade de direitos. Nele serão salvaguardadas as suas convicções políticas e religiosas e a sua dignidade humana, através de um sistema de governação democrático parlamentar, baseado na liberdade de expressão e na liberdade de constituição de partidos. Os direitos das minorias serão devidamente respeitados pela maioria, uma vez que as minorias devem acatar as decisões da maioria. A governação basear-se-á nos princípios da justiça social, da igualdade e da não discriminação nos direitos públicos dos homens ou das mulheres, em razão da raça, da religião, da cor ou do sexo, e sob a égide de uma Constituição que assegura o Estado de direito e um poder judicial independente. Assim, estes princípios não permitirão qualquer desvio em relação ao património espiritual e civilizacional secular da Palestina em matéria de tolerância e de coexistência religiosa.»
A Declaração radica a sua legitimidade na resolução da ONU que a partilha da Palestina Histórica: «Apesar da injustiça histórica infligida ao povo árabe palestino, que resultou na sua dispersão e o privou do seu direito à autodeterminação, na sequência da Resolução 181 (1947) da Assembleia Geral das Nações Unidas, que dividiu a Palestina em dois Estados, um árabe e um judeu, é esta resolução que continua a proporcionar as condições de legitimidade internacional que garantem o direito do povo árabe palestino à soberania e à independência nacional.»
Ao terminar a leitura da declaração, Arafat, na qualidade de Presidente da OLP, assumiu o título de Presidente da Palestina. Em Abril de 1989, o Conselho Central da OLP elegeu Arafat como o primeiro Presidente do Estado da Palestina.
Reconhecimento diplomático
Esta declaração constituiu um ponto de viragem na história do movimento de libertação nacional palestino: a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) confirmava implicitamente a aceitação palestina da solução dos dois Estados para a questão israelo-palestina, que durava há décadas.
O Estado da Palestina foi reconhecido por 77 países membros da ONU no mês que se seguiu à proclamação da independência, a que se juntaram mais 13 países nos doze meses seguintes. Actualmente, o Estado da Palestina é reconhecido por 138 países membros da ONU, incluindo oito membros da União Europeia, e pela Santa Sé.
Em Dezembro de 2014, a Assembleia da República aprovou uma resolução não vinculativa que apelava ao Governo para que reconhecesse a Palestina como um Estado independente, com apenas 9 dos 230 deputados a oporem-se à medida. Até à data, Portugal não fez esse reconhecimento.
No entanto, Portugal mantém relações diplomáticas com a Palestina, tendo elevado à categoria de Embaixador, em 2010, o chefe da Missão Diplomática da Palestina. Portugal abriu uma representação diplomática em Ramala em 1999.
Um Estado ocupado e violado
Nos trinta e cinco anos decorridos desde a leitura da declaração da independência, tal como em décadas anteriores, o território palestino nunca deixou de estar sob ocupação e o seu povo sujeito à violência do ocupante – fosse o colonizador britânico ou o colonizador israelita. Mas talvez nunca, como hoje, o grau de desumanidade do agressor fosse tão bestial. E isso é reflectido na mensagem de Mahmoud Abbas, o presidente do Estado da Palestina, a assinalar a efeméride:
«Dirijo-me a vós hoje, no aniversário da Declaração de Independência, e enfrentamos juntos uma guerra bárbara de agressão e uma guerra aberta de genocídio contra o nosso povo na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, incluindo Jerusalém, a nossa capital eterna, e um massacre levado a cabo pelo Estado ocupante perante o mundo, a fim de quebrar a nossa vontade e desenraizar a nossa presença nacional na nossa terra, a terra dos nossos pais e avós, na qual o nosso povo vive há mais de seis mil anos.
A guerra injusta e agressiva a que estamos expostos é uma guerra contra a existência palestina e a identidade nacional palestina. A identidade da terra e a identidade do homem, e é um episódio na série de agressões que se prolongam há mais de um século. É também uma vergonha na cara daqueles que apoiam esta agressão e lhe dão cobertura política e militar. São os restos mortais das nossas crianças, despedaçadas pelos mísseis desta agressão israelita, e o sangue das nossas mulheres. Os nossos homens, cujas esperanças e vidas estão a ser assassinadas pelos mísseis do exército agressor, serão uma maldição para a ocupação e para aqueles que a apoiam ou permanecem em silêncio sobre os crimes de guerra que comete contra o nosso povo na Faixa de Gaza, na Cisjordânia e em Jerusalém.»
Na imagem: Yasser Arafat declara em Argel a criação do Estado da Palestina. (Foto WAFA)
Quarta, 15 Novembro, 2023 - 19:01
daqui: https://www.mppm-palestina.org/content/ha-35-anos-yasser-arafat-leu-em-argel-declaracao-de-independencia-da-palestina?fbclid=IwAR28OzHu9PzsUYffWnpZB5NRmr7iRz0LnkwjybXUlOICkGbD4WDmEN9-FIM
Saturday, November 11, 2023
Conheçam os seus nomes *
Rayan Al-Astal; Mian Al-Astal; Salam Al-Astal; Zein al-Najjar; Yasmine El Masry; Maria Al-Masry; Aisha Shaheen; Rahima Shaheen; Mohammed Abu Jazar; Tia Abu Jazar;Bahaa Musa; Rakan Musa; Musk Hegazy; Ahmed Nofal; Moaz Al-Aidi; Qais Al-Aidi; Nabil Al-Aidi; Alma Hamdan; Misk Gouda; Bilal Hamdan; Abdul Awad; Tahany Zoroub; Mohammed Atallah; Mustafa Saqallah; Abdul AlFarra; Mohammed Shehab; Sarah Al-Farra; Bilal Sobh; Obaida Muailiq; Louay Al-Ajrami; Iyad Muheisen; Anisa Mahmoud; Ahmed Ali; Hamza Ashour; Salma Shaaban; Mohammed Abu Hamad; Aseed Abu Hamad; Ahmed Daloul; Mohammed Radwan; Aseel Dhair; Mohammed al-Akkad; Mohammed Aliwa; Eliana Mekheimer; Abdul Saad; Omar Al-Bahtini; Watin Abu Hilal; Malak Abu Saif; Hoda Abu Seif; Misk Al-Halabi; Omar Shamlakh; Ibrahim Al-Qara; Osama Aslim; Ahmed AlHaddad; Hoor Al-Eid; Ghazal Al-Haddad; Shaima Al-Laham; Moaz Al-Wadiya; Tayim Jaarour; Ayla Abu Ras; Amal Al-Bayouk; Layan Hussein; Ghazal Abu Lashin; Sham Al-Sawalha; Mohammed AlKhayyat; Adam Al-Dahdouh; Adam Abu Ajwa; Jalal Masa; Khaled Al Baba; Maha Al Baba; Ayat Farwaneh; Firas Tamraz; Essam Farag; Moatasem Hammad; Khaled Abu Al-Amrain; Sarah Hammad; Mahmoud Al-Baba; Abdul Al Baba; Raed Alai; George Al-Souri; Alia Al-Souri; Ismail Farhat; Rose Al-Ghoul; Alyan Al-Ashqar; Sanad Amara; Rima Al-Buraim; Hassan Al-Amsi; Anas Al-Hasanat; Zaid Al-Bahbahani; Mohammed Al-Qanou; Sarah Ahl; Mohammed Al-Dairi; Mohammed Al-Qanou; Celine Daher; Raghad Abu Khattab; Jannah Hamouda; Hour Al-Mamlouk; Aws Al-Aleel; Taqa Abu Nuseira; Hind Jahjouh; Hour Al-Azaib; Suzan Al-Ashi; Joan Amer; Basil Abu Jasser; Mahmoud Abu Shawish; Youmna Al-Rifi; Raed Rajab; Abdul Hoso; Maria Al-Shanti; Aylool Abu Rahma; Salama Abu Atiwi; Celine Al-Bahtiti; Sham Al-Qufaidi; Fahd Al-Ajez; Lana Loulou; Diaa Musa; Jihad AlDalis; Rafif Al-Faqawi; Youssef Abu Mahdi; Manal Abu Al-Awf; Joel Al-Amsh; …
* Nomes de alguns dos bebés assassinados nos bombardeamentos de Israel contra a Faixa de Gaza, todos com menos de um ano completo. A lista, retirada de aljazeera.com, prolongava-se por mais de 330 páginas, contendo o nome e a idade de todos os mortos que foi possível identificar até ao dia 25 de Outubro: bebés, crianças, jovens, idosos, grávidas, refugiados de 1948 e de 1967, médicos, enfermeiros, jornalistas, funcionários das Nações Unidas… Quando há quem tente centrar o debate em saber qual a «medida certa» do mal chamado direito de Israel a defender-se e em regatear os números de vítimas apresentados pelas autoridades de Gaza e por organizações internacionais que lá trabalham, é útil lembrar que os palestinianos são pessoas e não números. Que cada morte deixa pais sem filhos e filhos sem pais, sonhos desfeitos e traumas inimagináveis. Como se fosse cá. Ou em qualquer outro lado.
Gustavo Carneiro
Avante nº 2606 de 9 de Novembro de 2023
Thursday, November 09, 2023
Manuel Gusmão: Um lutador com sensibilidade de poeta
Ensaísta, poeta, crítico, tradutor, activista político e professor universitário, deputado do PCP na Assembleia Constituinte, Manuel Gusmão faleceu esta quinta-feira, em Lisboa.
«Quando não estás a olhar é o mundo que te olha. Nunca saberás o que vê.»
Assim escreveu Manuel Gusmão, em «Quando não estás a olhar», um dos poemas de A Terceira Mão, livro editado em 2008. Para Manuel Gusmão, a poesia era diálogo e pertencia à mesma natureza da política, outra das áreas em que se destacou.
Militante do PCP desde a clandestinidade, Gusmão foi deputado na Assembleia Constituinte e na primeira legislatura da Assembleia da República. Como escreveu aqui Manuel Augusto Araújo, «o mundo é a sua tarefa e o seu tempo é sempre um tempo de resistência, o que transmite em todos os seus textos com uma rara clarividência e criatividade, um rigor extremo». No PCP, «o partido mais diferente, pela sua natureza de classe, pela teoria que o guia, pelos objectivos imediatos e finais que prossegue», Manuel Gusmão foi membro do Comité Central e dirigente dirigente no Sector Intelectual da Organização Regional de Lisboa.
Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com tese dedicada à poesia dramática de Fernando Pessoa, Manuel Gusmão realizou a sua tese de doutoramento sobre a Poética de Francis Ponge, em 1987, autor que o próprio traduziu para português, tendo sido professor da Faculdade de Letras de Lisboa.
Na revista Vértice, assumiu a responsabilidade de coordenador editorial a partir de 1988. Antes disso, Manuel Gusmão pertenceu às redacções das revistas O Tempo e o Modo e Letras e Artes, foi director do Caderno Vermelho, tendo trabalhado também no Jornal Crítica, entre 1961 e 1971. Pela sua mão nasceram as revistas Ariane (revue d’études littéraires françaises) e Dedalus, da Associação Portuguesa de Literatura Comparada, porque, como escreveu a propósito de uma passagem dos Manuscritos Económico-Filosóficos de Marx, «também somos feitos de textos».
Nascido em Évora, em Dezembro de 1945, Manuel Gusmão foi autor de ensaios e prefácios de obras de Fernando Pessoa, Gastão Cruz, Carlos de Oliveira, Herberto Helder, Sophia de Mello Breyner Andresen, Luiza Neto Jorge, Ruy Belo, Armando Silva Carvalho e Fernando Assis Pacheco, Almeida Faria, Maria Velho da Costa, Nuno Bragança, Maria Gabriela Llansol, Luís de Sousa Costa e José Saramago.
Com 45 anos estreia-se como poeta ao lançar a obra Dois Sóis, A Rosa - A Arquitetura do Mundo. Seguem-se Mapas, o Assombro a Sombra, que lhe valeu o prémio do PEN Club para melhor obra de poesia, em 1997, tendo conquistado o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores e o Prémio de Poesia Luís Miguel Nava relativos a 2001 com Teatros do Tempo.
Manuel Gusmão foi ainda autor de um libreto para a ópera Os Dias Levantados, de António Pinho Vargas, sobre a Revolução de Abril, e deu nome ao Grande Prémio de Ensaio, instituído em 2023 pela Associação Portuguesa de Escritores.
Em Fevereiro de 2019, recebeu a Medalha de Mérito Cultural em reconhecimento, pelo Governo português, do «inestimável trabalho de uma vida dedicada à produção literária e à poesia».
AbrilAbril
Thursday, November 02, 2023
44º aniversário, hoje
Por ocasião do 30.º aniversário da Conferência de Lisboa
Declaração conjunto do CPPC e do MPPM por ocasião do 30.º aniversário da «Conferência Mundial de Solidariedade com o Povo Árabe e a sua Causa Central: a Palestina», realizada em Lisboa entre 2 e 6 de Novembro de 1979Wednesday, November 01, 2023
Thursday, October 26, 2023
Vossos nomes
Monday, October 23, 2023
… e não consigo…
Inundaste-me com a alegria de um menino. E eu sorri.
Dançámos todas as danças que havia para inventar. Estremeci
e o teu coração bateu forte, apressado.
No vai e vem das marés andámos por caminhos proibidos. E tu sabias.
Demos as mãos com a ternura do amor primeiro. O nosso.
Pintámos esse amor com o vermelho da paixão. Vivido.
Das palavras que nos dissemos só uma ficou acordada. Falo da saudade
Todas as outras adormeceram no tempo no dia na hora que não escolhemos
Vejo os teus olhos que me sorriem e tu não me vês.
Dou-te um abraço apertado que tu não sentes.
Beijo-te o corpo sem te tocar e amo-te!
Mantenho o teu cheiro, que guardo com todos os sentidos.
Vives rente ao meu coração que ainda bate descompassado, por ti.
Agora sou eu que quero sair de dentro de mim.
Estilhaçar-me em mil pedaços.
… e não consigo…
Thursday, October 05, 2023
DAQUI DESTE DESERTO EM QUE PERSISTO
Nenhum ruído no branco.
Nesta mesa onde cavo e escavo
rodeado de sombras
sobre o branco
abismo
desta página
em busca de uma palavra
escrevo cavo e escavo a cave desta página
atiro o branco sobre o branco
em busca de um rosto
ou folha
ou de um corpo intacto
a figura de um grito
ou às vezes simplesmente uma pedra
busco no branco o nome do grito
o grito do nome
busco
com uma fúria sedenta
a palavra que seja
a água do corpo a corpo
intacto no silêncio do seu grito
ressurgindo do abismo da sede
com a boca de pedra
com os dentes das letras
com o furor dos punhos
nas pedras
Sou um trabalhador pobre
que escreve palavras pobres quase nulas
às vezes só em busca de uma pedra
uma palavra
violenta e fresca
um encontro talvez com o ínfimo
a orquestra ao rés da erva
um insecto estridente
o nome branco à beira da água
o instante da luz num espaço aberto
Pus de parte as palavras gloriosas
na esperança de encontrar um dia
o diadema no abismo
a transformação do grito
num corpo
descoberto na página do vento
que sopra deste buraco
desta cinzenta ferida
no deserto.
Aqui as minhas palavras são frias
têm o frio da página
e da noite
de todas as sombras que me envolvem
são palavras
são palavras frágeis como insectos
como pulsos
e acumulo pedras sobre pedras
cavo e escavo a página deserta
para encontrar um corpo
entre a vida e a morte
entre o silêncio e o grito
Que tenho eu para dizer mais do que isto
sempre isto desta maneira ou doutra
que procuro eu senão falar
desta busca vã
de um espaço em que respira
a boca de mil bocas
do corpo único no abismo branco
sou um trabalhador pobre
nesta mina branca
onde todas as palavras estão ressequidas
pelo ardor do deserto
pelo frio do abismo total
Que tenho eu para dizer
neste país
se um homem levanta os braços
e grita com os braços
o que mais oculto havia
na secreta ternura de uma boca
que era a única boca do seu povo
Que posso eu fazer senão
daqui
deste deserto
em que persisto
chamar-lhe camarada
(poema dedicado a Vasco Gonçalves)
(foto da abrilabril)
Friday, September 29, 2023
O olhar perto do chão
Sunday, September 24, 2023
Foi há 50 anos
República da Guiné-Bissau celebra 50 anos de existência
A 24 de Setembro de 1973, nasceu a República da Guiné-Bissau, proclamada ainda durante a luta armada de libertação contra o colonialismo português. O PCP saudou na altura a histórica decisão do povo guineense com dimensões e alcance internacionais.
Nascida em plena luta armada de libertação nacional contra o colonialismo português, a República da Guiné-Bissau festeja 50 anos de existência no próximo domingo, 24.
Foi a 24 de Setembro de 1973, na região libertada do Boé, no leste da Guiné, que a Assembleia Nacional Popular – o parlamento guineense, cujos deputados tinham sido eleitos anteriormente – proclamou o primeiro Estado e a independência do país.
Como previu Amílcar Cabral, dirigente da luta independentista encabeçada pelo PAIGC, «da situação de colónia que dispõe de um movimento de libertação e cujo povo já libertou em 10 anos de luta armada a maior parte do seu território nacional», a Guiné-Bissau passou «à situação de um país que dispõe do seu Estado e que tem uma parte do seu território nacional ocupado por forças armadas estrangeiras».
Na altura, o Partido Comunista Português, na clandestinidade, saudou a decisão do povo guineense, com «dimensões e alcance internacionais». O Avante!, na sua edição de Outubro de 1973, destacava na primeira página que «a proclamação da independência não é, como os fascistas portugueses propagandearam alguns dias depois, um acto formal e gratuito. Foi uma decisão maduramente preparada e baseada nos êxitos militares e políticos do PAIGC».
Informava o jornal que a Assembleia Nacional Popular guineense aprovara «a constituição do novo Estado e os seus órgãos de soberania» e que elegera Luís Cabral para presidente do Conselho de Estado e Francisco Mendes para liderar o Conselho dos Comissários de Estado (governo), «militantes destacados do PAIGC na frente de combate e na organização política e militar».
Na mesma edição, o Avante! publicava uma mensagem do PCP, subscrita por Álvaro Cunhal em nome do Comité Central do Partido, e enviada a Aristides Pereira, Secretário-Geral do PAIGC, e aos dirigentes eleitos à frente dos novos órgãos estatais.
«Por motivo da proclamação da República da Guiné-Bissau, enviamo-vos as mais calorosas felicitações do Partido Comunista Português. Estamos certos de traduzir os sentimentos dos trabalhadores e das forças progressistas de Portugal, saudando este acto histórico que constitui um novo e importante passo no caminho da libertação completa do vosso povo da exploração e do domínio capitalista», afirmava a mensagem.
Álvaro Cunhal escrevia mais, antecipando o futuro: «Nenhuns interesses ou objectivos separam e muito menos opõem o povo português e o povo da Guiné-Bissau. As lutas dos dois povos são solidárias e dirigem-se contra os mesmos inimigos. Estamos certos de que os laços de amizade hoje existentes entre os nossos dois Partidos, os sentimentos de fraternidade existentes entre os nossos dois povos, se traduzirão um dia, quando o colonialismo português for finalmente derrotado e quando Portugal for libertado do fascismo e da submissão ao imperialismo, numa cooperação fraternal entre os nossos dois países livres e iguais».
E finalizava a mensagem do PCP: «Hoje, como sempre, podeis contar com a nossa activa solidariedade. Estais certos de que não pouparemos esforços nem sacrifícios para desenvolver em Portugal a luta contra a criminosa guerra colonial, pelo reconhecimento da independência da vossa Pátria».
Avante nº 2599 de 21.9.2023