Friday, February 04, 2011

Foi há 50 anos, em Luanda...

Adeus à hora da largada


Minha Mãe


(todas as mães negras
cujos filhos partiram)

tu me ensinaste a esperar
como esperaste nas horas difíceis

Mas a vida
matou em mim essa mística esperança

Eu já não espero
sou aquele por quem se espera

Sou eu minha Mãe
a esperança somos nós
os teus filhos
partidos para uma fé que alimenta a vida

Hoje
somos as crianças nuas das sanzalas do mato
os garotos sem escola a jogar a bola de trapos
nos areais ao meio-dia
somos nós mesmos
os contratados a queimar vidas nos cafezais
os homens negros ignorantes
que devem respeitar o homem branco
e temer o rico

somos os teus filhos
dos bairros de pretos
além aonde não chega a luz elétrica
os homens bêbedos a cair
abandonados ao ritmo dum batuque de morte
teus filhos
com fome
com sede
com vergonha de te chamarmos Mãe
com medo de atravessar as ruas
com medo dos homens
nós mesmos

Amanhã
entoaremos hinos à liberdade
quando comemorarmos
a data da abolição desta escravatura

Nós vamos em busca de luz
os teus filhos Mãe
(todas as mães negras
cujos filhos partiram)
Vão em busca de vida.

Agostinho Neto


(continuo distante. mas volto.)

19 comments:

salvoconduto said...

É um dos que deve andar a dar pontapés no túmulo... Não merecia o que está a acontecer no país que ajudou a libertar.

Abreijos.

Fernando Samuel said...

Grande dia foi esse 4 de Fevereiro que aqui relembras com este poema belíssimo de Agostinho Neto.

Um beijo grande.

Justine said...

A escravatura mantem-se, diferente mas igual...

Mar Arável said...

SEMPRE NO CAMINHO DA LUZ

mesmo nas noites brancas

Paula Barros said...

com certeza deve ser a pior dor, ver os filhos partirem.

beijo

Mesmo longe, estás perto, estás na minha sala. rsrs Qualquer dia envio fotos dos cantinhos que estás.

Rosa dos Ventos said...

Mãe preta, mãe branca!
Tantas mães que sofreram com a guerra iniciada neste dia...
E que continuam a sofrer!

Abraço

Parapeito said...

...e vão continuar a partir...e a deixar partido o coração das mães...
Que possam um dia regressar e Acreditar.
brisas mansas para ti**

samuel said...

Belo poema!
Não suspeitava Agostinho Neto qual a dimensão do tremendo desvio que iria ser feito no caminho...

Abreijo.

Duarte said...

Um passado presente...

Não conhecia este poema, e gostei.

Um grande abraço

Maria P. said...

Tanto sofrimento...

Beijinho, minha Maria (com saudades)*

mdsol said...

Bem recordado, Maria.
:)))

Oliva verde said...

Um grande poema de um Poeta Enorme!
Ouço a voz do Rui mingas a cantá-lo e lembro ...
Obrigada

mfc said...

Um abraço sentido... encurta distâncias!

João P. said...

Também não conhecia!

Obrigado

João

svasconcelos said...

Era menina quando ofereci este poema a minha mãe! Um camarada tinha-lhe oferecido um livro do Agostinho Neto, que li e reli infinitas vezes durante tardes a fio...mesmo sem o entender nessa época, adorava lê-lo.
Obrigada por me trazeres estas memórias.:)
Um beijo

GR said...

Bonito poema.

Volta depressa.

Gd Bj,

GR

OUTONO said...

A poesia de um grande poeta...raramente conhecido como tal!

Beijinho

Maria said...

Muito obrigada por terem passado por aqui.

Beijos a todos.

bettips said...

A Liberdade
ainda não passou por ali. O sonho é que os aguenta, aos meninos de ontem.
Agostinho Neto merecia ser lembrado porque é um orgulho (nosso também) que tivesse existido.
Bjs