O dia foi cinzento. Como cinzenta e escura foi a noite. É esta a cor que me vai perseguir mais umas horas, é em cinza que te vais tornar daqui a pouco, e eu recolho-me no abraço que nunca mais nos daremos.
Pauso-me. Para fazer o que tem de ser feito.
Nesses diaserasílaba a sílabaque
chegavas. Quem
conheça o sul e a suatransparência também sabe
que no verão
pelas veredas da cal a crispação da sombracaminhadevagar. De tantapalavraque disseste algumas se perdiam, outras duramainda, sãolume brevearadoceia de pobreroupa
remendada. Habitavas a terra, o comum da terra, e a
paixão eramorada e instrumento de alegria. Esseerastu: inclinação da água. Na margem ventoareiaslábios, tudo
ardia.
Lua que me adormece e me embala No mar revolto dos sonhos por viver Deixa que as ondas me venham lamber Este corpo que é teu mas que se cala
Mãos que se entrelaçam deste lado Sorrisos que trocamos de olhar absorto Beijos que não demos, um nem outro Em pas-de-deux fugidio e isolado
No lado de nós ficará, por fim Tudo o que dissemos e fizemos um dia E em que nos demos o abraço em alegria Quando plantámos mais uma flor no teu jardim.
Clareia manhã O sol vai esconder a clara estrela Ardente, pérola do céu refletindo teus olhos A luz do dia a contemplar teu corpo Sedento, louco de prazer e desejos Ardentes
Percorres as palavras e o tempo como se fosse a última vez. Sei da dor de ter tanta dor a rasgar o peito. Pousas o olhar no rio que queres mar e lago ao mesmo tempo. E vejo duas lágrimas quentes a escorrerem no leito. Caminhas passo largo nas ruas que reconheces e queres rever. E a saudade de tudo a apertar o coração. Oiço os teus gritos silenciosos e da tua boca nasce outra canção. Rasgas-te de tanta inquietação. Respiras o ar em busca de novo fôlego de nova vida. Raiz de ti! Que continuas de pé e és árvore quando estendes os braços e abraças os teus frutos. Que com sorrisos te vão sarando a cicatriz. Com tempo no tempo e a tempo voltarás sempre a nascer. E sei que já és feliz! É deste lago de ti que te sorrio. E te abraço, num abraço que é só nosso. (as lágrimas também podem aquecer o peito...)
Fala-me do vento. Do que me inunda os sonhos do dia e me inquieta na noite. Do que sopra em todas as direcções menos na minha. Do que te envolve e assobia quando as tempestades te assolam. Fala-me do vento. Do que respiro para ter a sensação de que te engulo. Do que me bate forte na cara logo de manhã para acordar. Do que te entra no olhar e te faz sorrir assim. Fala-me do vento. Do que abraço todas as noites quando me deito. Do que na tua ausência dorme sempre comigo neste leito. Fala-me do vento. Desse que, devagarinho, te faz entrar em mim.
Hoje é sábado, amanhã é domingo A vida vem em ondas, como o mar Os bondes andam em cima dos trilhos E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na Cruz para nos salvar.
Hoje é sábado, amanhã é domingo Não há nada como o tempo para passar Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.
Hoje é sábado, amanhã é domingo Amanhã não gosta de ver ninguém bem Hoje é que é o dia do presente O dia é sábado.
Impossível fugir a essa dura realidade Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas Todos os maridos estão funcionando regularmente Todas as mulheres estão atentas Porque hoje é sábado.
II
Neste momento há um casamento Porque hoje é sábado. Há um divórcio e um violamento Porque hoje é sábado. Há um homem rico que se mata Porque hoje é sábado. Há um incesto e uma regata Porque hoje é sábado. Há um espetáculo de gala Porque hoje é sábado. Há uma mulher que apanha e cala Porque hoje é sábado. Há um renovar-se de esperanças Porque hoje é sábado. Há uma profunda discordância Porque hoje é sábado. Há um sedutor que tomba morto Porque hoje é sábado. Há um grande espírito de porco Porque hoje é sábado. Há uma mulher que vira homem Porque hoje é sábado. Há criancinhas que não comem Porque hoje é sábado. Há um piquenique de políticos Porque hoje é sábado. Há um grande acréscimo de sífilis Porque hoje é sábado. Há um ariano e uma mulata Porque hoje é sábado. Há um tensão inusitada Porque hoje é sábado. Há adolescências seminuas Porque hoje é sábado. Há um vampiro pelas ruas Porque hoje é sábado. Há um grande aumento no consumo Porque hoje é sábado. Há um noivo louco de ciúmes Porque hoje é sábado. Há um garden-party na cadeia Porque hoje é sábado. Há uma impassível lua cheia Porque hoje é sábado. Há damas de todas as classes Porque hoje é sábado. Umas difíceis, outras fáceis Porque hoje é sábado. Há um beber e um dar sem conta Porque hoje é sábado. Há uma infeliz que vai de tonta Porque hoje é sábado. Há um padre passeando à paisana Porque hoje é sábado. Há um frenesi de dar banana Porque hoje é sábado. Há a sensação angustiante Porque hoje é sábado. De uma mulher dentro de um homem Porque hoje é sábado. Há a comemoração fantástica Porque hoje é sábado. Da primeira cirurgia plástica Porque hoje é sábado. E dando os trâmites por findos Porque hoje é sábado. Há a perspectiva do domingo Porque hoje é sábado.
III
Por todas essas razões deverias ter sido riscado do Livro das Origens, ó Sexto Dia da Criação. De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevas E depois, da separação das águas, e depois, da fecundação da terra E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado. Na verdade, o homem não era necessário Nem tu, mulher, ser vegetal dona do abismo, que queres como as plantas, imovelmente e nunca saciada Tu que carregas no meio de ti o vórtice supremo da paixão. Mal procedeu o Senhor em não descansar durante os dois últimos dias Trinta séculos lutou a humanidade pela semana inglesa Descansasse o Senhor e simplesmente não existiríamos Seríamos talvez pólos infinitamente pequenos de partículas cósmicas em queda invisível na terra. Não viveríamos da degola dos animais e da asfixia dos peixes Não seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia Não sofreríamos males de amor nem desejaríamos a mulher do próximo Não teríamos escola, serviço militar, casamento civil, imposto sobre a renda e missa de sétimo dia, Seria a indizível beleza e harmonia do plano verde das terras e das águas em núpcias A paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio A pureza maior do instinto dos peixes, das aves e dos animais em cópula. Ao revés, precisamos ser lógicos, freqüentemente dogmáticos Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade e até praticar amor sem vontade Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia e sim no Sétimo E para não ficar com as vastas mãos abanando Resolveu fazer o homem à sua imagem e semelhança Possivelmente, isto é, muito provavelmente Porque era sábado.
Guardo estes nós dentro do peito. Nós que foram laços, mas que fui atando cada vez mais. Para que nunca saissem de mim. Para que ficassem para sempre. Guardo estes nós dentro do peito. São nós que não desfaço, porque são o meu conforto em horas outras. Quando me perco nas noites. Quando me falta o nosso abraço. Guardo estes nós dentro do peito. Nós dos amores da saudade da luta da memória dos segredos. Porque são a minha vida. E por isso são cheios de tanto...