Tuesday, April 22, 2008

A poesia de Abril I

Queixa das Almas Jovens Censuradas


Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prêmio de ser assim
sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crânios ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
conosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte

(Natália Correia)

26 comments:

FERNANDINHA & POEMAS said...

Olá querida Amiga Maria, bela escolha deste lindíssimo poema... Parabéns!
Beijinhos de carinho,
Fernandinha

C Valente said...

Boa escolha de poema
25 de Abril sempre
Saudações amigas

samuel said...

Esta era uma das cantigas do José Mário Branco que mais me "tirava do sério" antes de Abril.
Ainda tem o mesmo efeito... mas na época era um bocadinho mais arrepiante.
Grande poema da Natália!

Abreijo

isabel said...

fantasmas tão educados. vazios despovoados.

lembra bem o meio onde fui(fomos)criados.

excelente poema!

beijo maria

Anonymous said...

Boa escolha. Amiga, defenderemos e lutaremos pelas conquistas de Abril!
Kiss em Liberdade

Mié said...

que bela surpresa

Natália Correia


Um beijo enorme

maria Abril sempre!!

Ana Luar said...

As tuas escolhas são sempre em favor da liberdade... por isso minha querida mais do que aprovado este poema da nossa querida Natália... (perfeita a escolha)

Um beijo e obrigada pelo carinho.... Gosto-te!

Anonymous said...

esta minha conterrânea...
alto poema!
beijocas grandessssss
vovó Maria.

jorge esteves said...

A Natália Correia é, de facto, nestes escuros (e escusos!...) tempos, uma voz que faz falta... para avisar a malta!

abraços!

Oris said...

Belo poema de Natália Correia.
É pena, os grandes poetas não serem recordados como mereciam.

Beijitos, Maria.

Maria P. said...

Fantástico!

Beijinho Maria*

Carla said...

uma voz forte...uma voz de liberdade
beijos

antónio paiva said...

Natália Correia,

O exemplo perfeito de que a liberdade não tem cor política.

Que tal pensar nisso?

Beijo.

Justine said...

Belo e amargo poema, que a voz do Zé Mário Branco tanto divulgou. às vezes tenho saudades...

Filoxera said...

Confesso que não conhecia este poema da Natália Correia.
Gostei.
Beijos.

Anonymous said...

Abril sempre.Beijinho terno.Salomé

rosa dourada/ondina azul said...

Passo e deixo um beijinho,

Isamar said...

Natália Correia uma açoreana que foi um vulcão. Infelizmente desapareceu prematuramente.
Um poema que, cantado, arrepia como diz o Samuel.

Beijinhos

~ Marina ~ said...

Admiráveis inspiração e inteligência desta poetisa.

Beijos pra ti!

as velas ardem ate ao fim said...

Gsoto tanto da Natália!Ai se gosto!

bjos

amigona avó e a neta princesa said...

Arrepia, sim!Mas é lindo! Beijos amiga...

Manuel Veiga said...

beijo. bravíssima Natália. bravíssima MARIA!

CNS said...

Obrigada por este momento de Natália.

um beijo

Maria said...

herético

cns


Obrigada por terem passado...

Beijos

Um Momento said...

E sim...
Houve um tempo em que lia muito Natália Correia.
Boa Partilha ;))))

Beijo !

(*)

O Sibarita said...

Fia, oi eu sou Correia também ,viu? Será? Ai Deus do Céu! kkkkkkkk

Belo poema da Natalia Correia!

bjs
O Sibarita