Tuesday, September 23, 2008

Pablo Neruda, 35 anos depois...

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros à distância".
E o vento da noite gira pelo céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu a quis e por vezes ela também me quis.
Em noites como esta tive-a entre meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela me quis, e por vezes eu também a quis.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos?
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

E ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como na relva o orvalho.
Que importa o meu amor se eu não pudesse guardá-la?
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. À distância alguém canta. À distância...
A minha alma não se conforma por havê-la perdido.
Como para alcançá-la o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, mas ela não está comigo.

A mesma noite faz branquejar as mesmas árvores.
Nós, os de outrora, já não somos os mesmos.
Já não a quero, é certo, mas talvez ainda a queira
Minha voz ia no vento cantar-lhe ao ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos.
Já não a quero, é certo, mas talvez a queira ainda.
É tão curto o amor, é tão longo o olvido.

Porque em noites como esta tive-a entre meus braços,
Minha alma não se conforma por havê-la perdido.
Ainda que seja esta a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.