Já tive as mãos cheias de quase tudo. Do que me era mais querido. Com o tempo, ou antes de tempo, as minhas mãos foram ficando vazias. Agora nem o vento consigo reter. Nem as águas. Por isso mergulho no teu olhar em busca da outra eu que fui, quando tinha as mãos cheias de quase tudo.
Rapariguinha cose a tua saia velha de cambraia que outra não podes comprar baixa a bainha rasga o pé-de-meia quando é magra a ceia quem nos há-de aguentar oh bonitinha
A que preço está o peixe na corrida a xaputa já é truta promovida puxa da massa apalpa a fruta insecticida fez a pileca da vitela uma investida e a salsicha “isidora” é alheira de Mirandela
A que preço está a couve e o grão-de-bico bacalhau quase não há deu-lhe o fanico tenho prisão de ventre oh pá? eu já te explico o feijão-frade subiu ao céu vende o penico se não há grelos no mercado há bons nabos no hemiciclo
Guarda a roupa velha que sobra do almoço dá o braço à Maria ao Manel e ao Joaquim não vás devagarinho faz da praça um alvoroço leva-me contigo ai!! não te esqueças de mim rapariguinha cose a tua saia velha de cambraia que outra não podes comprar baixa a bainha rasga o pé-de-meia quando é magra a ceia quem nos há-de aguentar oh bonitinha
A que preço está o vinho nessa pipa arde o preço da aguardente queima a tripa a água-pé é um detergente só constipa já não gosto da cerveja dessa tipa e a jeropiga a martelo é servida em bandeja
A que preço está a casa nessa esquina não se aluga só se vende é uma mina quem a vende tem juros lucros alucina quem não tem casa inventa imagina sonha ao relento é multado mora em barraca clandestina
Guarda a roupa velha que sobra do almoço dá o braço à Maria ao Manel e ao Joaquim (…)
Como vai a nossa vida de chinelo pelo custo não é festa é um duelo o cabaz da fome é caro magricela mais barato é o discurso tagarela nada diz nada acrescenta nem mexe o fundo à panela
É de noite que renasço cada dia. É de noite que as palavras me escorrem pelos dedos como se fossem água de um rio caudaloso que corre desenfreado até à foz. Das palavras. É de noite que me refaço ao pôr da lua. E é de noite que a poesia se solta do meu peito como se fosse um grito que ninguém ouve porque se juntou ao rio e já desaguou no mar. É de noite que os amores secretos se encontram. Ainda que distantes. Ainda que apenas em pensamento. É de noite que escrevo porque as palavras me regressam em cada maré. E porque gosto deste silêncio...
Saboreio a vida de modo diferente, hoje. Porque o meu corpo também já não é jovem nem insaciável. Mas também não é cobarde e a vida ensinou-me tanto. Vivo a calma que me dá a idade que tenho. Há dias em que os pássaros me vêm buscar e vôo com eles. Volto tarde na noite e nada importa. Apenas tu, que me esperas...
Eu podia abrir um mapa: «o corpo» com relevos crepitantes e depressões e veias hidrográficas e tudo o mais morosas linhas e gravações um pouco obscuras quando «ler» se fendia nalguma parte um buraco que chegava repentinamente de dentro a clareira arremessada pelo sono acima insóna vulcânica sala contendo toda a febre «táctil» furibunda maneira esse era então uma espécie de «lugar interno» áspera geologia alcalina e varrida e crua exposta assim à leitura que se esqueceu do seu «medo» o corpo com todas as «incursões» caligráficas «referências» florais «desvios» ortográficos da família dos carnívoros «antropofagias» gramaticais e «pegadas» ainda ferventes ou minas com o frio bater e o barulho escorrendo «um mapa» onde se lia completamente o sangue e suas franjas de ouro o irado desregramento da «traça primeira» e o apuramento do mel com a labareda inclusa o corpo na prancheta para a lisura sentada onde se risca a posição mortal «um papel» apenas a branca tensão do néon no tecto o jorro de cima «declarando» qualquer rispidez a suavidade toda uma bastarda graça de infiltração na sonolência ou explosiva «vigilância» combustão das massas ao comprido do «desenho» irregular e só então assim desterrado do ruído nos subúrbios ele apenas agora «composição» forte e atada de elementos escarpas rapidamente decorrendo corpo que se faltava em tempo «fotografia» de um «estudo» para sempre como lhe bastava ser possível tão-só uma certa temperatura grutas aberturas minerais palpitações no subsolo tremores anfractuosidades esponjas onde pulsavam canais dolorosos e a arfante matéria irrompendo nos écrans com o susto leve das «manchas» que se uniam essa energia sem espaço súbita «geometria» a costurar de fora mordeduras velozes delicadezas nervuras vivas para seguir até ao fim «com os olhos» como uma paisagem de espinhos faiscantes «o contorno» que queima de uma lâmpada acesa toda a noite no gabinete do cartógrafo.
É muito bom viver na província! Sem telefone fixo, sem tv por cabo, sem net. E não sei quando volto a ter... :-D
Adenda: Esclareço que não é por opção, mas por avaria!!! A tv (cabo) 'foi-se' no dia em que o PEC4 foi rejeitado :) Telefone tive intermitentemente durante o fim de semana, mas foi-se A net foi-se hoje... Estou com net portátil, que é mais lenta que um caracol :)
Lembra-me um sonho lindo, quase acabado Lembra-me um céu aberto, outro fechado Estala-me a veia em sangue, estrangulada Estoira no peito um grito, à desfilada
Canta, rouxinol, canta, não me dês penas Cresce, girassol, cresce entre açucenas Afaga-me o corpo todo, se te pertenço Rasga-me o ventre ardendo em fumo de incenso
Lembra-me um sonho lindo, quase acabado Lembra-me um céu aberto, outro fechado Estala-me a veia em sangue, estrangulada Estoira no peito um grito, à desfilada
Ai! Como eu te quero! Ai! De madrugada! Ai! Alma da terra! Ai! Linda, assim deitada! Ai! Como eu te amo! Ai! Tão sossegada! Ai! Beijo-te o corpo! Ai! Seara tão desejada!
"Entrelaçar" é o nome deste recital que o Pedro Branco preparou em conjunto com a Carla Marques e que será apresentado já amanhã, dia 2 de Abril, no Clube Literário do Porto. Mais uma vez a poesia e as canções juntas numa noite que será memorável. A partir das 23.30...