Friday, December 31, 2010

E ainda Joaquim Pessoa...


Respiro até doer o teu suor

no ar condicionado do meu quarto

e faço amor contigo por amor

que de yves saint laurent já eu estou farto.


E desperto depois. E depois parto

sem lágrimas nos olhos. Sem calor.

O amor não saberei se soube dar-to

ou se ao menos o fiz, o que é pior.


Ponho à saída o cachecol de lã

e vou ao monte carlo quase cheio

pedir italiana e croissant.


E esqueço-me de ti enquanto leio

as primeiras notícias da manhã

deste dia escuro baço e feio.


Joaquim Pessoa

(in Português Suave)

Tuesday, December 28, 2010

Tinha de ser...


Atchins, arrepios, febre, frio.... alguém quer?
Eu dou!
Vou avinhar-me, abifar-me e abafar-me nos próximos dias :(

Sunday, December 26, 2010

Para pensarmos, a sério, no país que queremos!


Maria – Um (outro) conto de Natal


(Gustav Klimt - "Mother and child")

O seu nome é Maria. É mãe de cinco crianças. Trabalhava na cantina de uma escola... foi despedida!

Na cantina escolar onde trabalhava a Maria, o destino dos restos de comida é o lixo... e a Maria pensou que poderia levar alguns desses restos para casa, para dar aos filhos, numa tentativa de remediar, mesmo que só um pouco, o ordenado miserável. Enganou-se! Para a “Eurest”, a empresa privada que, com o dinheiro dos nossos impostos, lucra com o negócio de muitas cantinas escolares, para além desta de Vila Nova de Gaia, isso é intolerável e motivo para despedimento.

Se os meus amigos e amigas se derem ao trabalho de ler a notícia do CM, verão que este nem é sequer um caso isolado; a empresa tem por norma ser implacável com as funcionárias, mesmo que estas se limitem a ter a “ousadia” de guardar umas sobras do seu próprio almoço, no cacifo... para quando chegarem a casa, já tarde.

Lembra, e bem, o presidente do Sindicato da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restauração e Similares, que a “Eurest” faz parte da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), associação que promove a campanha “Direito à Alimentação”, campanha em que aparece, alegre e mediaticamente, ao lado do Presidente e candidato a “Represidente”, Cavaco Silva, nas suas ações de campanha eleitoral à custa dos pobres… dos quais descobriu, subitamente e por estes dias, ser extensamente amigo.

É natal! Tempo em que alguns sentimentos nobres são vergonhosamente obrigados a conviver com a mais abjecta hipocrisia.

«Glória a Deus nas Alturas, paz na Terra, aos homens de boa vontade».
(Evangelho Segundo S. Lucas, capítulo dois, versículo catorze)


post totalmente retirado daqui


Saturday, December 25, 2010

Memória de Charles Chaplin


Já perdoei erros quase imperdoáveis,
tentei substituir pessoas insubstituíveis
e esquecer pessoas inesquecíveis.

Já fiz coisas por impulso,
já me decepcionei com pessoas
quando nunca pensei me decepcionar,

mas também decepcionei alguém.

Já abracei pra proteger,
já dei risada quando não podia,
fiz amigos eternos,
amei e fui amado,
mas também já fui rejeitado,
fui amado e não amei.

Já gritei e pulei de tanta felicidade,
já vivi de amor e fiz juras eternas,
“quebrei a cara muitas vezes”!

Já chorei ouvindo música e vendo fotos,
já liguei só para escutar uma voz,
me apaixonei por um sorriso,
já pensei que fosse morrer de tanta saudade
e tive medo de perder alguém especial
(e acabei perdendo).


Mas vivi, e ainda vivo!
Não passo pela vida…
E você também não deveria passar!
Viva!
Bom mesmo é ir à luta com determinação,
abraçar a vida com paixão,
perder com classe
e vencer com ousadia,
porque o mundo pertence a quem se atreve
e a vida é “muito” pra ser insignificante.

Charles Chaplin
(16 de Abril de 1889 — 25 de Dezembro de 1977)

Natal divino


Natal divino ao rés-do-chão humano,
Sem um anjo a cantar a cada ouvido.
Encolhido
À lareira,
Ao que pergunto
Respondo
Com as achas que vou pondo
Na fogueira.

O mito apenas velado
Como um cadáver
Familiar…
E neve, neve, a caiar
De triste melancolia
Os caminhos onde um dia
Vi os Magos galopar…

Miguel Torga

Friday, December 24, 2010

Litania para este Natal (1967)

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
num sótão num porão numa cave inundada
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
dentro de um foguetão reduzido a sucata
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
numa casa de Hanói ontem bombardeada

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
num presépio de lama e de sangue e de cisco
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
para ter amanhã a suspeita que existe
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
tem no ano dois mil a idade de Cristo

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
vê-lo-emos depois de chicote no templo
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
e anda já um terror no látego do vento
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
para nos vir pedir contas do nosso tempo

David Mourão-Ferreira

Silent night

Wednesday, December 22, 2010

Natal à Beira-rio


É o braço do abeto a bater na vidraça!

É o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
a trazer-me da água a infância ressurrecta.

Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
que ficava, no cais, à noite iluminado...
.
Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
mais da terra fazia o norte de quem erra.
.
Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
à beira desse cais onde Jesus nascia...
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia!
.
David Mourão-Ferreira
Cancioneiro de Natal (1971)

Monday, December 20, 2010

Outono


Sempre esperei por ti. Pelos sonhos que queríamos sonhar.
No meu leito o silêncio e o frio.
Sempre esperei por ti. Pela vida que queríamos viver.
Nos meus braços a ausência e a saudade.
Sempre esperei por ti. Pelos beijos e pelo amor, que era nosso.
Em mim a dor do impossível.
Sempre esperei por ti. Tenho o teu nome em cada flor e em cada janela.
Mas não te tenho a ti.
No entanto, sempre esperei por ti...

Sunday, December 19, 2010

Memória de José Dias Coelho



A Morte Saiu À Rua

A morte saiu à rua num dia assim
Naquele lugar sem nome pra qualquer fim
Uma gota rubra sobre a calçada cai
E um rio de sangue dum peito aberto sai

O vento que dá nas canas do canavial
E a foice duma ceifeira de Portugal
E o som da bigorna como um clarim do céu
Vão dizendo em toda a parte o pintor morreu

Teu sangue, Pintor, reclama outra morte igual
Só olho por olho e dente por dente vale
À lei assassina à morte que te matou
Teu corpo pertence à terra que te abraçou

Aqui te afirmamos dente por dente assim
Que um dia rirá melhor quem rirá por fim
Na curva da estrada há covas feitas no chão
E em todas florirão rosas duma nação

José Afonso

(a José Dias Coelho, pintor e escultor, militante comunista,
assassinado pela PIDE faz hoje 49 anos!)
(tinha 38 anos...)



Friday, December 17, 2010

Música para o fim-de-semana


Padre Pueblo

Padre Pueblo que estás en la Tierra,
elevados sean tus hombres.
Traigamos tu reino,
y se haga tu voluntad
así en la tierra como en la mar.

El pan de todos de cada día
ganémosle hoy,
y perdónanos el haber nacido.

No permitas que perdonemos nunca a nuestros deudores,
y haznos caer en la tentación de la libertad.
Y líbranos del mal de la soledad.
Amén.

Patxi Andion - 1978 - El Cancionero Prohibido

Wednesday, December 15, 2010

Memórias


As memórias. Sirvo-me das memórias que me parecem tão antigas para matar a saudade e depois morrer. Para parar os dias e assim reviver. Para respirar em ti e então renascer.
As memórias. Sirvo-me das memórias que me parecem tão recentes para reter as lágrimas e parar de chorar. Para te dar as mãos e poder amar. Para te abrir o meu peito e poder-te abraçar.

Saudades de todas as memórias quando olho o mar. E nele reconheço o teu olhar.

Monday, December 13, 2010

Ainda Joaquim Pessoa

Dobrar na boca o frio da espora
Calcar o passo sobre lume
Abrir o pão a golpes de machado
Soltar pelo flanco os cavalos do espanto
Fazer do corpo um barco e navegar a pedra
Regressar devagar ao corpo morno
Beber um outro vinho pisado por um astro
Possuir o fogo ruivo sob a própria casa
numa chama de flechas ao redor.

Joaquim Pessoa

Saturday, December 11, 2010

Música para o fim-de-semana



Sou barco

Sou barco abandonado
Na praia ao pé do mar
E os pensamentos são
Meninos a brincar.

Ei-lo que salta bravo
E a onda verde-escura
Desfaz-se em trigo
De raiva e amargura.

Ouço o fragor da vaga
Sempre a bater no fundo,
Escrevo, leio, penso,
Passeio neste mundo
De seis passos
E o mar a bater ao fundo.

Agora é todo azul,
Com barras de cinzento,
E logo é verde, verde,
Seu brando chamamento.

Ó mar, venha a onde forte
Por cima do areal
E os barcos abandonados
Voltarão a Portugal.

Friday, December 10, 2010

Madrugada


Nesse dia em que a madrugada voltar a cantar chama-me. Eu vou. Só para voltar a ver o teu sorriso e nos mergulharmos no teu olhar...

Wednesday, December 08, 2010

Porque me apetece Ary dos Santos


Minha mãe que não tenho meu lençol
de linho de carinho de distância
água memória viva do retrato
que às vezes mata a sede da infância.

Ai água que não bebo em vez do fel
qua a pouco e pouco me atormenta a língua.
Ai fonte que não oiço ai mãe ai mel
da flor do corpo que me traz à míngua.

De que Egipto vieste? De qual Ganges?
De qual pai tão dostante me pariste
minha mão minha dívida de sangue
minha razão de ser violento e triste.

Minha mãe que não tenho minha força
sumo da fúria que fechei por dentro
serás sibila virgem buda corça
ou apenas um mundo em que não entro?

Minha mãe que não tenho inventa-me primeiro:
constrói a casa a lenha e o jardim
e deixa que o teu fumo que o teu cheiro
te façam conceber dentro de mim.

Ary dos Santos

Monday, December 06, 2010

Encontra-me


Encontra-me na volta do tempo
enroscada pelo frio e pelo vento
a chuva a bater-me por dentro
e eu à tua espera, para o momento

Encontra-me uma vez que seja
na espuma da onda que se beija
na boca ardente que se deseja
e na memória, para que se veja

Encontra-me só mais uma vez
na volta do tempo que se desfez
no abraço que se deu mais uma vez
e na despedida, que em nós se fez

Encontra-me por fim em cada dia
na noite no vento que assobia
na rocha
no mar em que perdia
toda a saudade que em nós cabia.

Encontra-me...

Saturday, December 04, 2010

Friday, December 03, 2010

Lentamente


Lentamente me ponho ao caminho, deixando para trás alguns amores. Vejo o tempo correr à velocidade do relógio ou da lua. Sabes que nunca te deixarei sozinho, e que farei minhas as tuas dores. Respiro fundo, os cheiros entranham-me e sou tua. Quem sabe de nós senão o tempo do verbo amar... por isso te quero assim, talvez para me aconchegar...


Wednesday, December 01, 2010

Novamente Joaquim Pessoa


Dizer catorze versos ao acaso,

falar de ti, de mim, falar de nós.

De nós, que nos cantamos num abraço

e que nos abraçamos com a voz.


Que vou dizer de ti, eu, que te amo

e isso é ter-te em mim, como se eu fosse

cada um dos momentos em que chamo

por Deus que me criou quando te trouxe.


Ó meu amor, que vou dizer-te agora

quando nada me chega para o canto

que de ti se alimenta e me devora?


Cantar-te, estando lúcido, é estar louco.

Não sei que mais dizer-te nesta hora,

pois dizer que te amo é muito pouco.


Joaquim Pessoa

(in O Pouco é para ontem)

(para ti, e para ti, com um abraço. duplo.)