Monday, September 11, 2023

Requiem por Salvador Allende

 

Foi de súbito no outono juro solenemente que o foi

mas as árvores fora tinham de novo folhas recentes

primavera no chile primavera no mundo

Sinto-me vivo habito muito de pé numa casa

leio vagarosamente os jornais sei devagar que os leio

enfrento meu velho borges o muito meu destino sul-americano

Acabara um poema enchia o peito de ar junto da água

sentia-me importante conquistara palavras negação do tempo

o mar era mais meu sob a minha voz ali solta na praia

talvez voz metafísica decerto voz de um privilegiado

ombro a ombro com gente analfabeta uma gente sensível e leal

mas que não pode ler e vive muito menos por o não saber

embora saiba olhar o mar sem o saber interpretar

acabara um poema enchia o peito de ar junto da água

quando o irmão miguei veio pequeninamente pela areia

e convulsivamente me falou da situação no chile

veio pela praia e punha nas palavras mãos de solidão

mãos conviventes com outras palavras mãos que palavra a palavra

erguem um poema no silêncio só circundante

Allende tinha uns óculos os óculos tinham-no

com eles via a vida com eles via os homens via homens

via problemas de homens e as coisas que via eram coisas de homens

hoje apenas uns óculos sem nenhum olhar por detrás

Nos finais de setembro nos princípios de novembro

tu meu amigo que não posso nomear sem te denunciar

dar-me-ás talvez notícias tuas notícias meramente pessoais

já que projectos sociais projectos cívicos profissionais

ficariam decerto nas policiais desertas mãos dos generais

mãos que mataram mãos que assaltaram a casa de neruda

mãos limpas já do sangue despojadas já das alianças

que caridosamente deram que assim conseguiram

solucionar os prementes problemas do país

Ouvi falar também desse cargueiro playa larga

praia comprida mas praia deserta e não só na palavra

pois quanta praia tinha hoje só tem o sangue dos milhares das pessoas fuziladas

A onze de setembro nesta praia portuguesa só uns passos pela areia

algum poema terminado alienado algum termo conquistado

tão inefável como por exemplo o de tancazo

atribuído ao golpe orientado por pablo rodriguez

homem que vai modelando palavras ao ritmo martelado pelo ódio

na tentativa vã de destruir frases hoje históricas

do grande cavalheiro que decerto foi allende

e já antes de o dizer com a vida dizia que por exemplo

mais vale morrer de pé do que viver ajoelhado ou então

se as direitas me ajudam a ganhar ganharão as direitas

País amável calorosa entrada em Santiago

e ver-me em frente desse homem sozinho relutante em recorrer às armas

e que depois de o ter visto e o ter ouvido

ao homem que for homem poderei chamar-lhe

seja qual for o nome salvador allende

Que nestas minhas minerais palavras de poeta

vibre um pouco o vigor da tua voz

bafejando de paz primeiro o bom povo do chile

depois o povo bom de todo o inundo

Que a ignomínia da história não demore em cobrir com o seu manto

os que têm a força mas não têm a razão

pois o nazi-fascismo não ganhou nem nunca ganhará

Mando-te uma ave preta rente à leve ondulação do mar

tu mandas-me no mar a ave branca do teu rosto

vento que vem do mar vento que vem do chile

Aqui neste dia de súbito cinzento

somente povoado pelo meu sofrimento

e pelo pensamento desse sofrimento

voo também vou também eu nesse lenço

que retiro do bolso aqui à beira-mar

e o meu lenço ao vento é uma ave avesíssima uma ave de paz

uma ave avezada a cada uma das derrotas existentes no mar

somente agora destruída trespassada pela bala que leva uma vida

ave que ao entoar seu canto profundíssimo afinal apenas diz

muito obrigada salvador allende

obrigada por essa tua vida de cabeça erguida

só agora tombada trespassada pela bala que leva uma vida

mas não pode levar de vencida a obra por allende começada

selada por essa promessa de lutar até ao fim até à hora de morrer

nesse importante posto onde te investiram a lei e o povo

Foi no ano de mil novecentos e setenta

ano em que eu fiquei a apodrecer no meu país

que uma coligação do tipo frente popular tomou

pela via legal conta do poder no chile

legalidade sempre respeitada por ti allende

mas por fim desrespeitada pelos militares pelas direitas pela

cristã democracia partido bem pouco cristão e pouco democrático

Falavas tu dizias a verdade

falavas com palavras de verdade

uma bala na boca nessa boca donde ainda pouco antes

saíam as palavras na verdade belas como balas

salvador allende guerrilheiro sem metralhadora e sem boina

de casaco e gravata para essas guerrilhas no parlamento

guerrilhas todas elas tão contrárias à guerra quão favoráveis à paz

essa palavra alada como ave ave não só de georges braque

mas de nós todos aves verticais aves a última estação

árvores desfolhadas num definitivo inverno

allende do cansaço dos problemas da preocupação constante em jogares limpo

com quem em vez de mãos utensílio de paz vinha com bombas em lugar das mãos

allende já há muito tempo sem uns olhos para olhares o mar

e sem poderes olhar as pedras preciosas de que fala

pablo neruda teu e meu poeta teu íntimo amigo

em las piedras dei cielo esse livro puríssimo

e são pedras do céu mas mais do que céu pedras da terra

Sol que te pões e nascerás no chile

leva-me a um país que em criança conhecíamos apenas

dos sacos de serapilheira com o nome impresso de um nitrato

e não por dar o nome a uma pequena mas confusa praça de lisboa

nem por sair nas páginas diárias dos jornais

Do chile chegou-me não há muito a amizade do hernán

que em madrid conheci e não responde há muito às minhas cartas

e a de mais chilenos de olhos vagamente tristes sérios quase portugueses

e desse país mais comprido do globo veio-me também

o lápis-lazúli pedra não já de esperança pedra de amizade

Os camiões há muito já que não sulcavam as estradas do país

estradas bafejadas pela aragem enviada pelo mar por esse

oceano pacífico de um país ainda há pouco bem pacífico

O washington post falava já do golpe dias antes do golpe

ninguém falava delas mas elas encontravam-se ali mesmo

as autoridades militares as autoridades militares as autoridades americanas

vestiam mesmo as fardas do exército chileno

esses americanos gente do dinheiro e do veneno

de um veneno talvez chamado dinheiro

que terá pago em parte as modificações dos foguetes do tipo poseidon

montados já a bordo dos divinos submarinos nucleares americanos

assunto de política estrangeira americana

Hernán urrutia meu amigo austral

que em barajas vi olhar voltar

para mim a cabeça pela última vez

marcelo coddo professor em concepción

com quem que bem me lembro conversei sobre o poeta cardenal

e sobre a jovem poesia nicaraguense

e tantos outros que nem mesmo me terão deixado o nome

mas me deixaram alguma palavra a música da fala um certo sorriso

um certo olhar visível por detrás de uns óculos

talvez hoje quebrados por quem não considera

talvez suficiente o quebrar da vida na haste da vida

embora porventura tenha visto aquela sequência de fellini

e desconhece que afinal a vida reproduz a arte

Escreve este poema no jornal com as notícias frescas

após ter evitado ver as caras de triunfo desses locutores luzidios da televisão

e mesmo ter ouvido até a voz desse pedro moutinho

a voz das afluências ao nosso principal estádio o da cova da iria

e dos cortejos presidenciais o dessas tão espontâneas manifestações

voz afinal da cia e da itt e dos demais tentáculos

do imperialismo norte-americano

maneira americana de se estar no mundo

de estar no mundo arrebatando o pão dos homens do terceiro mundo

terceiro mundo ou melhor último mundo

que pagarão agora o preço da cabeça dos trabalhadores chilenos

que marcham mas decerto em vão na direcção

do centro de santiago onde vingara

a rebelião dos marinheiros vindos de valparaiso

cabeça dos imensos deserdados deste mundo

Sabíamos decerto um pouco em que consistia

essa via chilena para o socialismo

e líamos talvez um livro acerca do programa da chamada unidade popular

e discursos de allende naquela cidade distante

embora houvesse muito mais notícias nos jornais

e a gente nos cafés falasse mais em futebol

livro por certo lido com a janela aberta sobre a noite do outono

sobre campos relvados de momento habitados pela escuridão

donde talvez se erguiam cantos pouco menos que religiosos

exaltadores de ideologias já e sem remédio ultrapassadas

Era uma vez um chileno chamado salvador allende que

fez um grande país de um país pequeno onde

talvez três anos nós houvéssemos depositado a esperança

quando fosse qual fosse a nossa nacionalidade

todos nós fomos um pouco chilenos

Mas que diabo importa em suma a qualquer de nós

que um homem se detenha quando a história caminha

em frente sempre altiva e serena

como mulher de muito tempo sabedora

Posso dizer por certo como há já muitos anos

acerca dos milicianos espanhóis dizia neruda

allende não morreste estás de pé no trigo


Ruy Belo

 

Friday, September 08, 2023

Dia 225.


Necessito de mim mais do que de ninguém. Mas mentiria se não confessasse o quanto preciso de ti. Tu és o meu vinho e a minha ressaca.  A minha árvore e a minha floresta.  O meu cavalo.  A minha casa, o meu mar, o meu coral.  A minha teimosia e a minha lucidez.  O meu pássaro de chuva e o meu pássaro de fogo. A minha distância, o meu abismo, a minha fuga. A minha sombra e o meu túnel. O atalho para o outro lado de mim.

Tu és a minha estrela e o meu guia.  A minha porta, o meu clarão, a minha injúria. O meu grão, o meu vento, o meu moinho.  O meu sortilégio.  O fim da festa e o meio-dia. O meu carnaval, o meu brinquedo, o meu dia santo. O meu pecado, a minha penitência.  O ouro, a ofensa, o desvario.  És o meu hábito e o meu monge.  A minha espiga e o meu pão.  A minha irmã branca, a minha irmã negra, a minha irmã de novas latitudes. A minha amante e a minha mãe, o meu abraço e as minhas margens. A minha prostituta, o meu combate, o meu sorriso. Tu és o meu cálice.  O meu elixir e o meu veneno. O vinho que dá coragem às medusas.

Necessito de ti mais do que de ninguém.  Mas mentiria se  não te confessasse o quanto preciso de mim. 

Joaquim Pessoa

Monday, September 04, 2023

Mar de Setembro



Tudo era claro:
céu, lábios, areias.
O mar estava perto,
fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
dóceis, leves - só
alma e brancura.
Felizes, cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam,
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto.
Puríssimo. Doirado.
Eugénio de Andrade

Thursday, August 31, 2023

Farol do Bugio

Forte de S. Lourenço da Cabeça Seca. Data de estabelecimento: 1658/1758. Latitude:  38º 39’,70 N, Longitude: 09º 17’,85 W.

  Na conceção e planeamento estratégico da defesa do litoral Português, em geral, e do porto de Lisboa, em particular, surgiu como imperativo claro em meados do século XVI, que a defesa marítima de Lisboa deveria avançar até à foz do Tejo, de modo a tirar partido das dificuldades naturais que a sua barra colocava à navegação.

A sequência dos ataques da pirataria francesa e turca, sobretudo em 1552 e 1556, veio demonstrar a necessidade de reforçar a defesa do litoral, julgando-se que a decisão de “fortificar” S. Julião da Barra tenha ocorrido em 1556, ainda no reinado de D. João III e, posteriormente retomada em 1559 por iniciativa de D.ª Catarina.

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A construção da fortaleza de S. Julião da Barra, veio confirmar a importância do extenso areal que lhe ficava fronteiro, dito da Cabeça Seca, julgando-se que os primeiros projetos para construção de um forte no baixio, terão sido da autoria de Francisco de Holanda, em 1571.

A consolidação da intenção, assim como os respetivos projetos e ensaios para a construção do Forte de S. Lourenço da Cabeça Seca, ter-se-ão iniciado por volta de 1590, sob a direção do frade servita João Vicenzo Casale, mandado vir de Nápoles por Filipe I.

Seguiu-se-lhe na conceção e direção das obras, Leonardo Turriano, igualmente de origem italiana, que foi arquiteto-geral do Reino, tendo como assistente o engenheiro António Simões.

A incandescência pelo vapor de petróleo substituiu o gás em 1946.

O Forte e Torre de S. Lourenço foi classificado como imóvel de interesse público pelo Decreto nº 41191, de 18 julho de 1957, sendo reconhecido o seu valor histórico e cultural.

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Em 1959 o farol foi eletrificado, com recurso à montagem de grupos eletrogéneos passando a utilizar uma lâmpada de 500W/110V e, em 1960 entrou em funcionamento um novo sinal sonoro (nautofone).

Enquadrado no plano de automatizações, substituiu-se em 1981 o aparelho ótico, por um pedestal rotativo de óticas seladas (PRB), sendo também montado um sistema de tele-sinalização e um detetor de nevoeiro, passando o farol a ser tele-controlado a partir da Central da Direção de Faróis.

Na sequência da automatização do farol e da implantação do sistema de telecontrolo, o Farol do Bugio deixou de estar guarnecido por pessoal faroleiro em 1982.

Em 1994, o farol sofreu nova remodelação, tendo sido retirado a ótica PRB 21 e montada uma lanterna ótica ML 300, a funcionar a energia solar.

No Inverno de 1993, a ação violenta do mar, fez derrubar uma parte significativa da plataforma inferior do forte, situação que se foi agudizando nos anos seguintes e exigindo urgentes ações profundas de reparação e restauro.

Finalmente, entre 1997 e 2001, sob a égide da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, decorreram as obras de restauro, cobrindo o enrocamento do forte, as cantarias de pedra e alvenarias e as muralhas, tendo sido construído um robusto molhe circular e um novo cais de acostagem.

Em 16 de julho de 2008, foi retirada a lanterna ML 300 e substituída por uma Vega VLB44 8 Tiras Dupla Vm, controlador de carga 2 – PROSTAR, e 4 painéis solares BP380J, aumentando o alcance luminoso para 15 milhas.

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Foi contudo em 1643, por ordem de D. João IV, sob intervenção direta do Conde de Cantanhede, que foi definitivamente ordenada a construção do Forte de S. Lourenço da Cabeça Seca ou do Bugio.

Tendo sido iniciada a construção do Forte em 1643, assume-se que a mesma terá sido concluída em 1657 ou pouco depois.

Na pouca documentação existente sobre a atividade do Forte, o primeiro registo refere-se a 1658, referindo que o Capitão Jorge Barros, governador do forte, foi advertido pelo Conselho de Guerra, para se manter no seu posto pois a “ausencia que fizesse poderia ser de gravissimo damno ao serviço real”.

O segundo registo data de 1661, refere o estabelecimento da guarnição de serviço do forte como comando autónomo: quarenta soldados, doze artilheiros e um condestável, que “partiam para fazer guardas a metade de cada mês”.

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O terceiro registo, de 1680, reporta-se de novo à guarnição do forte, a qual é assim discriminada: um governador, um condestável, um tenente e dois sargentos, que compunham o comando, doze artilheiros, três cabos de esquadra, um atambor, e trinta soldados. Acrescia a componente logística: um almoxarife, um escrivão do almoxarifado, um barbeiro e dois capelães.

No que à artilharia dizia respeito, o forte dispunha de catorze peças de calibre 24, doze de calibre 12 e uma de calibre 6, todas em bronze.

A sobriedade construtiva do forte era apenas quebrada pela presença altiva da Torre do Farol, que se elevava bem acima do conjunto edificado. Esta torre permitia cumprir as funções de vigia, durante o dia, e a de farol, à noite.

A estrutura do farol era composta por uma lanterna de pedra, circular, com vãos verticalizados, envidraçados, pelos quais se coava a frágil luz produzida por candeeiros alimentados a azeite ou a gordura animal. Fechava a lanterna uma cúpula pétrea, do tipo campaniforme, pela qual se escoava o fumo dos candeeiros.

Em 1731, recortaram-se as primeiras notícias de ruína da estrutura primitiva.

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O terramoto de 1755 fez grandes estragos no forte, ficando a torre praticamente destruída. Foi reedificada e aí instalada novamente luz em 1775. Foi um dos seis faróis mandados edificar pelo alvará pombalino com força de lei de 1758.

Em 1789 procedeu-se à recuperação da sapata, por ordem de Sua Alteza Real, altura em que, provavelmente, a torre pétrea do farol terá sido substituída pela cúpula metálica.

Em 1812 registam-se queixas sobre a utilidade do farol como ajuda à navegação. O farol sofreu grandes reparações em 1829 e o aparelho foi substituído em 1836 por outro, este já com um sistema rotativo, produzido por um mecanismo de relojoaria.

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O farol era guarnecido por um faroleiro, contudo, nos finais do século XIX, a guarnição militar já estava circunscrita a seis soldados e um cabo, sendo já em número de três, os faroleiros afetos ao serviço do farol. O forte deixou de ter guarnição militar na segunda década do século XX.

Só em 1890 se regista o planeamento de obras de adaptação e reparação em quatro dependências, “tidas com habitações dos pharoleiros” no piso superior, encontrando-se os depósitos de azeite no piso térreo. Posteriormente, organizou-se o espaço destinado aos seis faroleiros, os quais residiam no Bugio durante todo o ano, alguns dos quais se fizeram acompanhar das respetivas famílias.

O isolamento dos faroleiros era quebrado uma vez por mês, quando se deslocavam a terra para adquirir mantimentos. Porém, entre finais do século XIX e inícios do século XX, o degredo dos faroleiros foi amenizado pelo fenómeno do assoreamento do cachopo sul da barra do Tejo, atingindo proporções gigantescas e permitindo, no período da baixa-mar, a comunicação pedestre com a praia da Trafaria, existindo relatos de peregrinações das povoações ribeirinhas entre Cacilhas e Trafaria, à capela do forte, a qual era mantida pelas mulheres dos faroleiros.

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A partir dos anos sessenta do século XX, o quadro de faroleiros é alargado, tendo sido introduzido o sistema de turnos, constituindo-se para esse efeito, duas equipas de três elementos que alternavam de quatro em quatro dias, sempre que as condições de tempo e mar o permitiam.

Em 1891 a luz do farol era branca e de rotação, com eclipses de 3 em 3 minutos e, com clarões de 10 segundos de duração, produzida por um aparelho iluminante de dezasseis candeeiros de Argand com refletores parabólicos e funcionando a azeite.

Entretanto, em 1896, o aparelho catóptrico foi substituído por um aparelho dióptrico de 3.ª ordem, sendo a fonte luminosa um candeeiro de 3 torcidas alimentado a petróleo, produzindo uma luz fixa branca, variada por clarões vermelhos.

O aparelho ótico foi substituído por outro, este dióptrico catadióptrico de 3ª ordem, grande modelo, em 1923.

LOCALIZAÇÃO: FORTE DE S. LOURENÇO DA CABEÇA SECA
FUNÇÃO: COSTEIRO
ESTABELECIMENTO: 1658/1758 (Alvará Pombalino)
LATITUDE: 38º 39’,70 N
LONGITUDE: 09º 17’,85 W
ALTURA: 14 M
ALTITUDE: 28 M
ALCANCE: 15 MILHAS
CARATERÍSTICA: Fl G 5s (Lt 1s;Ec 4s)​

https://www.amn.pt/DF/Paginas/FaroldoBugio.aspx

Tuesday, August 29, 2023

Popcorn

Das músicas que para mim são eternas. 1972.

US Open

"Struggle is a never-ending process. Freedom is never really won. You earn it and win it in every generation."

Coretta Scott King

Discurso de Billie Jean King, no Arthur Ashe Stadium, nos 50 anos da igualdade do prize money para homens e mulheres no US Open e nos 60 anos da Marcha sobre Washington, Martin Luther King.


Tuesday, August 22, 2023

Um adeus português

Nos teus olhos altamente perigosos
vigora agora o mais rigoroso amor
a luz de ombros puros e a sombra
de uma angústia já purificada
Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
E avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor
Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver
Não podias ficar nesta cama comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual.
Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal
Não tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser
Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde mores ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal.
Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.
Alexandre O’Neill

"Nem todas cartas de amor são ridículas.
De mulheres amadas que ficaram nas palavras dos poetas.
Nora Mitrani , musa amada de O`Neill, separados pelos esbirros monstruosos da PIDE . Ficou a memória e um dos maiores monumentos da poesia portuguesa.
"Estava ligada ao movimento surrealista de André Breton. Conheceu O'Neill em Lisboa, e, diz quem viu, que foi uma paixão imediata e recíproca. Entretanto ela parte para França, com a promessa de lá se encontrarem. Promessa quebrada pela P.I.D.E. que confiscou o passaporte ao Poeta. Restava-lhe uma arma: escrever. O poema " Um Adeus Português" é dedicado a este seu "amor dorido":
Nora suicidou-se em 1961."
Maria Freire

Monday, August 21, 2023

Nau dos Corvos


Nau parada de pedra que tanto navega
e há tanto está no mar sem nunca a porto algum chegar
nau só a ocidente e todo o mar em frente
condensada insolência intemerato desafio
a mundos devassados mas desconhecidos
corvos de água e de vento aves feitas de tempo
que tão completamente são dois olhos côncavos
e fitos só nas coisas que importam verdadeiramente
nave que sulca não as águas mas os dias
navio de carreira entre o tempo e a eternidade
num espaço onde um simples segundo tem a minha idade
pedra que só aqui se liquefaz
água que só aqui solidifica
cais quente coração de corvos
vistos por quem nunca antes vira a solidão caber
em tão poucos centímetros quadrados
do mínimo de corpo necessário para a vida se afirmar
ó nau navio corvos pedra água cais
aqui estou eu sozinho todos os demais ficaram para trás
Aqui nada decorre e nada permanece
aqui os corvos são a solidão multiplicada
consistente conglomerada mas estilhaçada
unificada mas feita em bocados
De todos estes bicos curvos extremo ósseo dos corvos
onde depois os corvos passam a ser pedra e depois água
sai uma voz vasto discurso cada vez
Os corvos são a pedra menos pétrea de cabo
é nos corvos que o mar deixa de ser marítimo
Nesta nau se efectua esse comércio secular
da terra feita pedra com a água mais doméstica do mar
A névoa envolve e como que enovela os corvos
a rocha é um buliçoso e anárquico aeroporto
donde em cada momento sai um corvo
aéreo ante cujo vulto que levanta eu me curvo
O moreira baptista decerto gostaria que os corvos
se não os palradores os que ganham prémios literários
pelo menos os rudes negros os incultos mas os verdadeiros corvos
poisassem sempre no mais alto do rochedo
mas quando no inverno sopra o vento norte
e sentem frio poisam nalguma parte baixa para o lado sul
e estão-se marimbando para a propaganda
de um país vendido que eles não compraram
eles humildes corvos aves e não peixes nunca tubarões
Só aqui podem ver-se às vezes coisas invisíveis
o infinito aqui começa a acabar
em nenhum outro sítio se ouve tanto o inaudível
nem assim se define o que não tem definição
Deste porto se parte para mais que transatlânticas viagens
e em tão poucos segundos é difícil ver tantas imagens
Ninguém é cidadão deste tão pétrea pátria
nem mesmo há quem mereça aqui poisar só por instantes a cabeça
até que a prostração mais funda no total desapareça
Permite ó nau petrificar aqui
a minha sensação mais passageira
ou o meu mais instável pensamento
Eu nunca até agora e já sou velho vi
quebrar assim o tempo como quebra em ti
Que aqui o sol escureça e a noite que amanheça
neste morrer da terra onde uma vida sem cessar começa
Que após ter visto a nau mais náutica de todas essas naus
que sulcaram os inumeráveis séculos oceânicos
feitos tanto de tempo como de água
finalmente me fosse lícito fechar
definitivamente os olhos que apesar de tanto olhar
não conseguem optar entre a pedra e o mar
E só agora findas as palavras eu pressinto
pela primeira vez haver algum poema
por detrás do poema pura coisa de palavras.

Ruy Belo