Monday, June 23, 2014

Mar de Abril


Gostava de vos ver por lá...

Monday, June 16, 2014

Acetinada



Rompo esta saudade a cantar
No vai e vem de todas as marés
Na pele no olhar no verbo amar
E na espuma das ondas a beijar-te os pés

Sei do cheiro que me trespassa
E da cor da rocha feita leito
Em cada gaivota que aqui passa
Vai um pouco de nós, de qualquer jeito

Aqui respiro aqui amo e fico enfim
Nas memórias da minha inquietação
E a presença do amor pele de cetim
Guardo fechada, para sempre, no coração.

Friday, June 13, 2014

Memória de Álvaro Cunhal



Uma chama não se prende

Rodeado de paredes
rodeadas de muros altos
que foram depois muralhas
um preso encarcerado
ao longo da terrível década de 50

inteira
Não cedeu.

Levado a tribunal
em 3 e 10 de Maio de 1950

só então fica a saber que Militão e Sofia
presos com ele torturados não «falaram»

não cederam E que esse grande patriota Militão
Ribeiro fazendo greve da fome foi morto
Perante o tribunal acusa os seus acusadores
Defende o seu Partido a sua acção
e a sua orientação política

Ponto a ponto responde às calúnias
que são os porcos argumentos do ódio
e do terror de estado Ponto a ponto
responde com o orgulho do homem livre
e o vigor da inteligência Responde por si
e pelos seus como quem acusa
e ameaça Ameaça o inimigo que o tem preso
Dos 11 anos seguidos, preso,
14 meses incomunicável,
8 anos em isolamento
E não cedeu Nunca cedeu
Agora na humidade salina da cela
contra o eco do estrondo do mar
que não esquece/e grita/contra a fortaleza
contra a corrente contínua dos dias e das noites
este homem livre é uma chama
uma lâmpara marina

Não cede lê e desenha lê
e estuda e escreve este homem livre
que está preso e é uma chama
açoitada pelo vento e pelo silêncio
numa cela
Não cede e escreve
A Questão Agrária
As lutas de classes em Portugal nos fins da Idade Média
e escreve uma tradução do Rei Lear
e escreve
Até Amanhã, camaradas

o homem livre encarcerado
fugiu enfim
colectivamente
a 3 de Janeiro de 1960


e nunca mais foi apanhado




Manuel Gusmão


(de «Três Curtos Discursos em Homenagem Póstuma a Álvaro Cunhal»)

Memória de Eugénio de Andrade



Até Amanhã

Sei agora como nasceu a alegria,
como nasce o vento entre barcos de papel,
como nasce a água ou o amor
quando a juventude não é uma lágrima.

É primeiro só um rumor de espuma
à roda do corpo que desperta,
sílaba espessa, beijo acumulado,
amanhecer de pássaros no sangue.

É subitamente um grito,
um grito apertado nos dentes,
galope de cavalos num horizonte
onde o mar é diurno e sem palavras.

Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou
para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias.

Eugénio de Andrade

Wednesday, June 11, 2014

Memória de Vasco Gonçalves


O Comum da Terra

Nesses dias era sílaba a sílaba que chegavas.
Quem conheça o sul e a sua transparência
também sabe que no verão pelas veredas
de cal a crispação da sombra caminha devagar.
De tanta palavra que disseste algumas
se perdiam, outras duram ainda, são lume
breve arado ceia de pobre roupa remendada.
Habitavas a terra, o comum da terra, e a paixão
era morada e instrumento de alegria.
Esse eras tu: inclinação da água. Na margem,
vento areias mastros lábios, tudo ardia.

Eugénio de Andrade