Wednesday, December 24, 2025

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Feliz desobediência e Próspera resistência!
Que a liberdade, a dignidade e a rebeldia 
vos acompanhem! 

Tuesday, December 23, 2025

Poema de Natal

 
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
Vinicius de Moraes

Wednesday, December 17, 2025

Massacre de Wiriyamu

 
A 16 de dezembro de 1972 teve lugar um dos episódios mais tenebrosos do colonialismo português, conhecido como “Massacre de Wiriyamu”. Uma operação, com o nome de código “Marosca”, que envolveu aviação, elementos dos comandos e agentes da PIDE/DGS, decorreu na zona de Tete, no Norte de Moçambique, visando cinco aldeias: Wiriyamu, Juwau, Djemusse, Riacho e Chaworha.
Depois de lançadas bombas sobre a aldeia de Wiriyamu, entraram em ação os militares dos Comandos e seguiu-se a barbárie. O morticínio estender-se-ia às referidas quatro povoações ao longo do rio Zambeze sob variadas e desumanas formas. Centenas de pessoas são chacinadas, entre elas mulheres e crianças. Muitas são fechadas dentro das cubatas onde morrem carbonizadas por ação de granadas incendiárias, outras são simplesmente fuziladas. Soldados destroem palhotas, infraestruturas e aldeias, saqueiam bens, abrem fogo sobre pessoas cujos corpos são depois colocados, com alguns vivos pelo meio, em piras funerárias para serem consumidos pelo fogo.
385 pessoas terão morrido, cerca de um terço dos 1350 habitantes das cinco aldeias. A listagem das vítimas e o relato dos acontecimentos são apurados por Domingo Kansande e pelo padre Domingos Ferrão que faz chegar as informações a padres espanhóis e holandeses. O massacre seria divulgado pelo também padre inglês Adrian Hastings no jornal britânico “The Times”, a 10 de julho de 1973, dias antes da visita de Marcelo Caetano a Londres. O caso chegaria ainda à Organização das Nações Unidas.
🔎 Consulta o documento, datilografado, sobre os Massacres de Chawola, Wiriyamu e Juwau, patente no nosso arquivo digital. Fundo BMRR – Biblioteca-Museu República e Resistência:
📷 Monumento em memória, Wiriyamu. DR



Wednesday, December 10, 2025

Na noite de Madrid

 
Na noite de Madrid eu vi um homem morto
Jazia ali como uma afronta para os vivos
que voltavam dos bares com música nos olhos
com estrelas na testa e festa nos ouvidos
e passavam de táxi a boa velocidade
Há quanto tempo o homem jazeria ali
à superfície escura do asfalto
já meio devolvido à terra nossa mãe?
Não o cobria o manto dos heróis
nenhum clarim tocara em sua honra
Como o confortaria a santa madre igreja?
Tombara apenas imolado ao dia-a-dia
Pagara com a vida a paz da consciência
de toda uma cidade que dormia
E ele crescia alastrava na estrada
e assumia inesperadas proporções
quando há bem pouco ainda se reduzia ao dia
Quem seria? Quem fora?
Que jornal conteria a imensidão do nome
de quem como um insulto ali jazia?
Que pensamentos próximos tivera?
E o que levaria ele nos bolsos?
Donde viria? Sorriria? Onde ia?
Fora criança? Sonharia ser feliz?
Mudaria de vida na manhã seguinte?
Brincara alguma vez naquela mesma rua?
Fora criança ali onde profundamente o vi?
Teria soluções para problemas que tivesse?
Seria porventura um bom chefe de família?
Disporia da consideração da vizinhança?
Era bom funcionário? Homem de futuro?
Mas já naquele momento o rosto lhe cobriam
pois não conseguiria ver nem as estrelas
nem ao menos a luz dos citadinos candeeiros
Havia curiosos e polícia havia uma ambulância inútil
para quem como cama só teria a pedra fria
«Aonde vai?» - perguntou-me o homem do táxi
«- Eu tenho cinco mil pesetas - respondi-lhe
Leve-me pelas ruas da cidade até nascer o sol
talvez ele possa dizer-me alguma coisa
daquelas muitas coisas que gostava de saber
(o sol é hoje uma das minhas poucas soluções)
Passe longe do corpo por favor»
Lembrei-me de leituras soterradas
de súbito subiram-me à memória cenas esquecidas
Samaritano eu? Mais um levita
que calmo procurava a promessa do dia
Inquietação ou pena? Sombra de metafísica?
Política? Moral? Lição? Comportamento?
Queria alguma coisa? Não sabia
Posso-vos garantir que não sabia
Só sabia que olhava e nenhum mar havia
 
Ruy Belo

Saturday, December 06, 2025

O Captain! My Captain!

 
O Captain! my Captain! our fearful trip is done;
The ship has weather'd every rack, the prize we sought is won;
The port is near, the bells I hear, the people all exulting,
While follow eyes the steady keel, the vessel grim and daring:
But O heart! heart! heart!
O the bleeding drops of red,
Where on the deck my Captain lies,
Fallen cold and dead.
O Captain! my Captain! rise up and hear the bells;
Rise up--for you the flag is flung--for you the bugle trills;
For you bouquets and ribbon'd wreaths--for you the shores a-crowding;
For you they call, the swaying mass, their eager faces turning;
Here Captain! dear father!
This arm beneath your head;
It is some dream that on the deck,
You've fallen cold and dead.
My Captain does not answer, his lips are pale and still;
My father does not feel my arm, he has no pulse nor will;
The ship is anchor'd safe and sound, its voyage closed and done;
From fearful trip, the victor ship, comes in with object won;
Exult, O shores, and ring, O bells!
But I, with mournful tread,
Walk the deck my Captain lies,
Fallen cold and dead.
Walt Whitman

Thursday, December 04, 2025

O acidente de Camarate

 
Faz hoje 45 anos estava a jantar na Tia Matilde, a comemorar o aniversário de um amigo. De repente a televisão começou a dar uma música estranha… e ficámos à espera do que se seguiria. E seguiu-se a notícia. E o Freitas do Amaral (lembro-me quem eram os seus guarda-costas) a dizer imediatamente que estava afastada a hipótese de atentado.
Terminado o jantar íamos para o comício de encerramento da campanha do Eanes (pois!!!!!!) que se realizaria no Rossio.
Pelo sim, pelo não, saímos do metro na Avenida. E por ali ficámos. O pessoal que tinha ido para o Rossio já vinha de regresso. O Comício tinha sido, naturalmente, cancelado.
Por ali ficámos mais um tempo, ora dentro do CTV para ver notícias, ora cá fora a comentá-las.
Acabei a noite em Camarate, o mais perto possível da casa que ficou destelhada pela queda da asa do Cessna, falando com o pessoal que por ali andava e vivia e ainda com a polícia.
Fiquei logo com uma opinião diferente da que foi avançada pelo Freitas….