Friday, October 17, 2008

Porque me faltam as palavras...

No Tejo

Depois da faina, o navio
Já lá vai pelo mar fora!
A faina foi dura e a carga
Foi tanta que o alcatrate
Quase que ficou rez-vez;
Tinham que olhar com cuidado
Aonde se punha os pés!

Mas tudo se fez e em bem!

O peor foi a noite perdida
Sempre a mexer e a trabalhar
Para o navio largar
Ao romper da madrugada!
Noite fria de Novembro
Em que as estrelas tristes lá no céu
Pareciam distantes e perdidas
De tudo a que elas dão amparo e guia!

Parecia que a noite era infinita
Que não deixava nascer o dia!
Ninguém dormiu. O camarada,
O arrais, o moço - e ao porão,
Um contra-mestre aloirado,
Tipo nórdico a fumar,
Continuamente, cachimbo,
Ia dizendo a uns dois
Que arrumassem com cuidado
A carga que ia descendo...
O barulho dos guindastes
Raspava na pele impulsos
Que davam tosse e mau-estar
E como de um gigante que dormisse
Ouvia-se a respiração do mar!

Mas com a luz do Sol, oiro e alegria!
Passam, agora, lentos e lavados
- Só a vela de estaia vai erguida!
Os barcos com os mastros levantados
A caminho das docas onde ficam
À espera de outras sáfaras iguais!

Uma mulher dá de mamar ao filho
Ali sentada a um canto sobre o cais!

(António Botto)

39 comments:

joão marinheiro said...

Palavras imensas estas.
Abraço deste lado do mar.

Pedro Branco said...

Sabes que o António Botto é dos meus preferidos? Desde sempre!

Anonymous said...

Um grande poeta, perseguido por intolerâncias homófobas.

Um hino à faina da pesca!

Abreijo.

Unknown said...

Maria

Gosto do Antonio Botto.
Curioso!
O seu nome, a sua imagem, anda associada a aspectos estéticos e sensu-corporais...e, neste campo, tem poemas sublimes.
Mas achei tão bonito, tão especial, que fosses buscar um poema destes, em que o poeta enaltece a vida material, laboriosa e difícil do ser humano.
Contribuiste assim para mostrar que ele, poeta, do corpo e da libido, também foi sensível ao mesmo corpo, que trabalha, que labuta, que sofre, que comeu o suor da estiva e do sofrimento.
Boa noite, para ti.
EA

BlueVelvet said...

Um grande poeta que escreveu, penso, a maior obra de poesia homoerótica portuguesa.
Lamentável ter sido perseguido como foi.
Beijinhos

Cristina Caetano said...

Quase se sente o que se lê.

Beijinhos

Anonymous said...

Excelente escolha, um hino ao trabalho do mar.
Kiss

FERNANDINHA & POEMAS said...

Olá querida Amiga Maria, belo poema que nos deixas... Simplesmente fantástico!... Muitos beijinhos de carinho e ternura,
Fernandinha

Ana said...

Nem sei há quantos anos não lia um poema dele.
Ainda bem que pude fazê-lo hoje.

Beijinho, Maria

mfc said...

Um poema crónica com um ritmo tremendo, tal como a faina dos personagens.

Leticia Gabian said...

E ainda há pouco falava sobre o mar...

Beijo enorme, amiga-irmã

zmsantos said...

Esta menina Maria tem sal nas veias e álgas na cabeleira...

dona tela said...

Tenho um prémio para lhe oferecer.

Muito bons dias.

Teresa Durães said...

excelente este porma de António Botto

pin gente said...

depois de tanta faina e tanto sumo só posso calar-me, sentar-me e ficar a beber lentamente.

um beijo. maria

Delfim Peixoto said...

E o mar é lindo... como o poema
bj

maria vital said...

Nunca mais!!

belíssimo poema.


Tens o condão de me fazer lembrar tanta coisa!!!

Um grande beijo

maria

ilha da Liberdade

Anonymous said...

também fui "embalada" com António Botto!...
obrigada por mo recordares!

as cantigas, correram muito bem na Horta :).
beijocassssss
vovó Maria

Lúcia said...

E com palavras se pintam quadros...reais.
Beijinhos, Maria

Luis Eme said...

no Tejo, era assim...

beijinhos Maria

Sunshine said...

Lindo poema! Gostei particularmente do modo como surpreendente como terminUma mulher dá de mamar ao filho
Ali sentada a um canto sobre o cais!
Beijinhos com raios de sol

as velas ardem ate ao fim said...

Belissimo!

bjo

fj said...

um poeta q nasceu junto ao Tejo,,presumo q na terra da palha...ou então familiar de lá..;)
bjs. bom fds

Fernando Samuel said...

Um grande poema de um grande poeta.
Obrigado.


Um beijo.

hfm said...

Como gosto dele!

Agulheta said...

Grandes as palavras de Antóno Botto e falar de mar assim,é o poeta.
Beijinho bfs

Anonymous said...

A faina também da vida!
hajam velas...
haja vento...

adorável Antonio Botto

beijo
ausenda

rosa dourada/ondina azul said...

Bonita escolha este poema de António Botto.

A faina do mar...


Beijinho,

C Valente said...

A verdade apresentada como ela era
Saudações amigas e bom fim de semana

Anonymous said...

António Botto...
Conheço a sua poesia, encantei-me com uma outra que fala da boneca de trapos na montra de uma loja....
Poesia Infantil...

Bem, como sempre as tuas escolhas são fantásticas.

Beijos de qtgm

Lúcia Laborda said...

Grande poema! Nao conhecia o autor, mas gostei! Versos escritos com páginas do dia a dia.
Obrigada pelo carinho, minha amiga linda!
Bom fim de semana! Beijos

pico minha ilha said...

O mar sempre o mar Maria.Também adoro o mar e abrindo a porta vejo mar e céu azul.Beijinho Maria
Uma ilha

Treasureseeker said...

Gostei muito do poema.António Botto representa uma forma muito própria de estar na Poesia nacional.
Foi,sobretudo,ele próprio,nada mais.
Este poema tem muita alma.Fala de chegadas e partidas,fala de caminhos a percorrer,mas também fala da construção de novas vidas.
Voltarei a visitar o seu blogue.

Um beijinho.

Ricardo Silva Reis said...

Olá Maria.
Em tempos já encenei uma peça de Botto (Alfama). Deu-me muito gozo. É genuino! Não é facil mas é genuino.
Boa escolha.
Beijinhos

Anonymous said...

Os grandes poetas são assim, fabulosas as suas palavras.

Lindíssimo, um beijo com amizade.

Elvira Carvalho said...

Um belo momento de poesia.
Um abraço e bom fim de semana

Maria said...

Muito obrigada a todos que por aqui passaram.

Beijos e bom fim-de-semana

Melga do Porto said...

Porque nos faltam as palavras...
Muitas vezes pelos actos impensados. Bem no final somos responsáveis por aquilo que provocamos.
Por mais bem intencionados que julgassemos estar a ser.
"Tinham que olhar com cuidado... Aonde se punha os pés!"

O Sibarita said...

Beleza pura esse poema Maria, é como sempre digo você sabe das coisas!

E ai fia? Hummm... kkkkkkkkkk

Venha! kkkkkkkkkkkkkkkkk

bjs
O Sibarita