Wednesday, December 08, 2010

Porque me apetece Ary dos Santos


Minha mãe que não tenho meu lençol
de linho de carinho de distância
água memória viva do retrato
que às vezes mata a sede da infância.

Ai água que não bebo em vez do fel
qua a pouco e pouco me atormenta a língua.
Ai fonte que não oiço ai mãe ai mel
da flor do corpo que me traz à míngua.

De que Egipto vieste? De qual Ganges?
De qual pai tão dostante me pariste
minha mão minha dívida de sangue
minha razão de ser violento e triste.

Minha mãe que não tenho minha força
sumo da fúria que fechei por dentro
serás sibila virgem buda corça
ou apenas um mundo em que não entro?

Minha mãe que não tenho inventa-me primeiro:
constrói a casa a lenha e o jardim
e deixa que o teu fumo que o teu cheiro
te façam conceber dentro de mim.

Ary dos Santos

15 comments:

Graça said...

Ary apetece sempre.


Beijo de boa noite, Maria, e bom feriado.

Pedro Branco said...

Porque da hora da partida nasceste outra vez
Outra roupa, outro sonho, o mesmo cheiro
Regresso-me a ti na fonte que em mim se fez
Rio e sangue que me corre no ventre por inteiro

Porque o toque ficou sem cor no tempo de ficar
Rente demais às lágrimas com que te choro
Amanheço-me nas noites de tanto em mim gritar
Os silêncios que na tua boca ainda demoro

Porque tudo se foi assim?
Sem aviso, sem perdão?
E de tudo o que ainda tenho em mim
Minha mãe, a força da tua mão!

Porque nada é a fonte seca de tudo?
Esta dor, este desespero que grito agora...
E de nada me serve o canto assim mudo
Tão rouco que está... esta demora!

Fernando Samuel said...

JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS: e está tudo dito.

Um beijo grande.

Meg said...

E quando é que não apetece Ary dos Santos?
Cada vez mais, Maria deste lado!

Um beijo

Maria P. said...

Ainda bem que te apeteceu, eu gosto!

:)Beijinho, minha Maria*

Justine said...

Obrigada, Maria, porque me deste a conhecer um magnífico poema do Ary que eu desconhecia.
Beijo

Anonymous said...

Não conhecia este poema que me arrepiou a alma.
poema forte
inventa-me primeiro
faz-te feliz

como quando se é concebido ao contrário... entendo...

beijo Maria
este poema foi na muche!

João P. said...

Maria:

Ary faz sempre sentido

Beijo

João

samuel said...

Ouvi-o dizer isto... mais do que uma vez. Tremendo!

Abreijo.

Paula Barros said...

É bem forte, cheio de sentimento, de uma saudade.

abraço

Manuela Freitas said...

Olá Maria,
Os teus apetites sempre me agradam!..
Bj,
Manuela

Branca said...

Sempre comovente e forte este poema de Ary dos Santos e estou a lembrar-me dos poemas dele com temas de Natal e é como se o tivesse aqui à frente com aquela força de dizer os desprotegidos da sorte, uma força que empurrava o mundo, talvez por isso, por ter ficado sem mãe tão cedo e também ele ser um desprotegido do amor. Lamento que o tenhamos perdido tão cedo. O nosso panorama literário seria bem diferente e até o político.
Beijinhos Maria e tem um bom Natal,com o calor da família mas pensando naqueles com que o Kyrie do Ary nos acena.
Beijos
Branca

Filoxera said...

Tanta beleza, tanta força, tanta emoção, neste poema de Ary...
Um beijo.

Maria said...

Muito obrigada por terem passado aqui e terem lido Ary!

Beijos.

Jaime Piedade Valente said...

O Ary dos Santos ignoraria a entrega do prémio Nobel da Paz? Duvido.