Friday, March 04, 2016

Não nos deixam cantar


 
Não nos deixam cantar, Robeson*
meu canário com asas de águia
Meu irmão negro com dentes de pérola
Não nos deixam cantar as nossas canções.
Têm medo, Robeson
medo da aurora, medo de olhar
medo de ouvir, medo de tocar.
Têm medo de amar,
medo de amar como amou Ferhat, apaixonadamente.
(Decerto que também vocês, irmãos negros,
têm um Ferhat, como é que tu lhe chamas, Robeson?)
Têm medo da semente e da terra,
medo da água que corre,
medo da lembrança.
A mão de um amigo que não deseja
nem desconto nem comissão nem moratória
igual a um pássaro quente
não apertou nunca a sua mão.
Têm medo da esperança, Robeson, medo da esperança!
Têm medo, meu canário com asas de águia,
Têm medo das nossas canções, Robeson…

Nazim Hikmet

*Este Robeson é o Paul Robeson, https://www.youtube.com/watch?v=vsIhP1DG5a4
o celebérrimo cantor (baixo) americano, perseguido pelo macchartismo, o que prejudicou gravemente a sua carreira de cantor lírico. Gravou também muitas canções de resistência dos trabalhadores americanos.
(Tradução de Rui Caeiro)

6 comments:

Pata Negra said...

Um abraço sem medo da ilha ou do lago

Justine said...

Para que não se esqueça!

Nilson Barcelli said...
This comment has been removed by the author.
Jaime Portela said...

As ditaduras, a direita e os racistas nunca se dão bem com a arte em geral e muito menos com as que usam palavras como arma.
Não é por acaso que Cavaco Silva, que hoje finalmente vai embora, fazia vista grossa ao Saramago, por exemplo.
Maria, continuação de boa semana.
Beijo.

Pedro Branco said...

Do canto e da alma
Da fonte e do escuro
Da revolta e da paixão
De tudo em mim, que dou e perduro

Do vento e da saudade
Dos labirintos e sonhos também
Da vertigem e do mar
De tudo em mim, que me dou sem ser ninguém

Da flor e do calo
Da viagem e da morte anunciada
Da fome e da vida
De tudo em mim, sede mais que embriagada

Do vómito e do riso
Da notícia e do grande amante
Do verso e da arte em brasa
De tudo em mim, que me fundo mais adiante

De ti e de todos
Da avenida e da solidão
Do mundo e da memória
De tudo em mim, em lágrima de canção

Por isso, canto!

mar said...

um beijo Maria!