Saturday, August 06, 2022

Testamento

Vou partir de avião
E o medo das alturas misturado comigo
Faz-me tomar calmantes
E ter sonhos confusos

Se eu morrer
Quero que a minha filha não se esqueça de mim
Que alguém lhe cante mesmo com voz desafinada
E que lhe ofereçam fantasia
Mais que um horário certo
Ou uma cama bem feita

Dêem-lhe amor e ver
Dentro das coisas
Sonhar com sóis azuis e céus brilhantes
Em vez de lhe ensinarem contas de somar
E a descascar batatas

Preparem minha filha para a vida
Se eu morrer de avião
E ficar despegada do meu corpo
E for átomo livre lá no céu

Que se lembre de mim
A minha filha
E mais tarde que diga à sua filha
Que eu voei lá no céu
E fui contentamento deslumbrado
Ao ver na sua casa as contas de somar erradas
E as batatas no saco esquecidas
E íntegras.

Ana Luísa Amaral

 

2 comments:

- R y k @ r d o - said...

Antes de andar de viação tinha um medo horrível. Depois de andar - diversas vezes - digo que amo.
Poema lindíssimo
.
Feliz fim de semana… abraço poético
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.

Parapeito said...

Gosto deste poema.
Penso que grande parte das pessoas pensa como a Ana Luísa Amaral.
O receio de morrer na memória daqueles que ama.
Abraço, doce Maria**