- O que fazes, Luís?
O que fazes com a terra do quintal?
- Uma casa, pai. Uma casinha de barro.
- Para o primo António.
Ao lado será a nossa
E depois a de Josefa
E a de Elias depois
E outra para quem vier
Que queira poiso e guarida
Uma cama, uma sanefa
Pois esta rua tem vida
Quanto mais vida tiver
Outra do filho de alguém
Que ainda está por nascer
Para que a rua não pare
Nunca pare de crescer
Será a Rua Direita
Do barro que a terra der
Nem muito larga nem estreita
A palmo, mas bem medida
Com entrada, com saída
Feita de homem e mulher
Em cada porta um ditado
Pintado num azulejo
Cada casa o seu telhado
Cada casa o seu desejo
Para que rua engravide
Antes de chegar ao rio
Num largo onde tudo cabe
A que vou chamar rossio
Com quatro cantos virados
Para os pontos cardeais
Um para poetas vidrados
E para loucos que tais
Quero um canto para pintores
Desses que inventam as cores
Das papoilas e do sonho
No terceiro canto eu ponho
Uma cantiga de festa
Que é o que a voz empresta
À lua quando se esconde
Debaixo do nosso chão
E nós não temos por onde
Dar mais voz ao coração
O quarto canto é vazio
Não lhe ponho nada a jeito
Não é bem do meu feitio
Fazer tudo tão perfeito
Nem tudo deve ter forma
Deixo vazio um lugar
Para quem só sabe andar
Com o olhar fora da norma
É aqui que desagua
A nossa Rua Direita
Que não é larga nem estreita
É como um colo de mãe
Tem esse jeito também
Um jeito de nos abraçar
Que eu sem querer nem saber
Faça as ruas que fizer
Todas a ela vão dar
Primeiro a Rua da Escola
Onde me levaste, então
Para um dia ser alguém
Onde eu um dia também
Hei-de levar pela mão
Alguém à minha carteira
Para manter a linha inteira
Que sustenta o coração
Depois a Rua do Posto
Rua dos nossos avós
Para que as rugas do rosto
Corram no sentido certo
Corram para dentro de nós
Até ao dia em que a última
Maçã deixar de bater
Por cada fruto caído
Sabemos que a vida vai
Como a rua ter sentido
Quero a Rua da Fábrica
Ninho de azeite e de pão
Onde aqueles que lá estão
Têm um lugar à mesa
Conquistando a natureza
Que a Natureza aos demais
Sejam flores ou animais
Rios, montanhas, desertos
Fez diferentes e estão certos
Por ela ter a ciência
Que no fundo, na essência
Nós somos todos iguais
Por fim a Rua da Esperança
A mais bonita, sem fim
Onde quem quer acredita
Ver numa pedra um jardim
Plantar os versos de um hino
Regar com água do rosto
Ver nascer um violino
Das cinzas de um fogo-posto
E que toda a nossa terra
Com a esperança que inventei
Caiba onde não cabe a guerra
Caiba num verso da Lei
E se o mau tempo vier
Estragar a casa que fiz
Junto-me com quem estiver
E volto a fazer de raiz.
João Monge
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