Monday, April 12, 2010

UNO


Não creias senão em ti e naquilo que te cerca.
Porque aquilo que te cerca és tu.
E, por mais que te pareça estranho e primitivo,
tu és apenas aquilo que te cerca.
Não creias senão em ti.
Bem sei que há: o eco das montanhas e o mistério das sombras.
Mas o que é o eco das montanhas senão a tua voz?
E o mistério das sombras mais que uma ausência de luz?
Bem sei que para além da ilusão do horizonte
há ainda mais coisas.
Mas não as creias diferentes e superiores a ti:
crê antes que são longe e, sobretudo, coisas como tu.
Não creias no não sei quê:
o não sei quê é sempre qualquer coisa.
O papão do oó das histórias de menino
era afinal um pobre inofensivo
ou uma velha vassoura atrás de uma vidraça.
E a palavra do morto estendido no caixão
era apenas a ruptura duma artéria qualquer.
Os teus braços, tam curtos, estão na terra toda,
e a terra, tam pequena, está em todo o universo.
Não creias em existências para além ou para aquém.
Nem que tu estás aquém ou que tu estás além.

Tu que estás em toda a parte e tudo está em ti.



Mário Dionísio

(«Com Todos os Homens nas Estradas do Mundo»)

Trazido do Cravo de Abril

17 comments:

João Paulo Proença said...

Maria:

Faz muito sentido sim!

Faz pois

beijo

João

Anonymous said...

São nossas escolhas e ações cotidianas que nos tornam aquilo que somos. A ação do momento presente lança para o futuro o que será vivido, assim como o que somos hoje é resultado daquilo que fizemos anteriormente, não em uma relação de prêmios e castigos, porém como o resultado de um processo contínuo de construção de “mim e de ti".
Não se trata de uma simples relação de causa e efeito, entretanto de um complexo projeto, sempre em construção, que se faz aprendendo, apreendendo e errando. Ou seja, vivendo.

um beijo

salvoconduto said...

Cada um acredita no que quer, o que faz a diferença é aquilo em que acredita.

Abreijos e boa semana.

Akhen said...

Maria

O texto é para meditarmos sobre ele.
Mas se pensarmos ´de imediato, ultrapassamos o nosso conceito de infinito e não saímos de nós.
É como a flecha no arco de Zenão. Para chegar ao alvo terá que percorrer metade do caminho e sucessivas metades até sair do arco.

Paz e Luz no teu caminho

Cristina Caetano said...

Minha querida, Maria, como eu precisava ler algo assim hoje.

Obrigada.

Beijinhos e uma boa semana.

Pitanga Doce said...

Sim. "Para além da ilusão do horizonte há mais coisas". E ando ao alcance delas.

bom dia Maria (ah este fuso!)

Ana Oliveira said...

Belissimo texto para ler, reler e meditar.

Obrigada

Beijos

Carol said...

Maria,

Além do belíssimo texto do Mário Dionísio, é também um jogo de cartas que jogava em pequena ... ;)

Beijocas grandes ;)

Manuela Freitas said...

Olá Querida Maria,
Excelente poesia do Mário Dionísio, compreendo realmente o sentido,tudo começa em nós e acaba em nós, no entanto tudo quermos fazer com os outros!...
Obrigada pelas palavras no meu blogue, quanto ao FCP, esse é um mundo que me passa à margem!...
Beijinhos doces,
Manú

Meg said...

Maria,

Curiosa coincidência!
Pensar em nós, só em nós... às vezes ainda temos ilusões, Maria!
Esquecemo-nos e...
Beijos de cá, Maria!

clic said...

"Acredita em ti" também me parece bem!... :)

Nilson Barcelli said...

Não conhecia o poema, que é excelente.
Nós e os nossos contextos, por vezes, ou quase sempre, são uma e a mesma coisa... mas há inúmeras nuances neste magnífico poema.
Querida amiga, obrigado pela partilha.
Boa semana, beijos.

Fernando Samuel said...

«Crê no Homem e nada te vencerá»...

Um beijo grande.

Anonymous said...

Sempre, em todos os lugares,
não somos mais
do que nós mesmos.
Gitã;
o tudo e o nada.
Gostei ;)
Beeijos ♥

Filoxera said...

É mesmo...
Beijos.

Duarte said...

Estos versos, que mais parecem contos, atraem-me fortemente. Não conhecia o autor, obrigado.

Abrazos

bettips said...

Já o conheci em tempos, a este poema; esqueci-o.
E tudo tantas vezes é difícil de encontrar, mesmo em "Tu própria".
Bj