Sunday, October 23, 2011

Carta de despedida


"Se por um instante Deus se esquecesse de que sou uma marioneta de trapo e me oferecesse mais um pouco de vida, não diria tudo o que penso, mas pensaria tudo o que digo.

Daria valor às coisas, não pelo que valem, mas pelo que significam. Dormiria pouco, sonharia mais, entendo que por cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz.

Andaria quando os outros param, acordaria quando os outros dormem.
Ouviria quando os outros falam, e como desfrutaria de um bom gelado de chocolate! Se Deus me oferecesse um pouco de vida, vestir-me-ia de forma simples, deixando a descoberto, não apenas o meu corpo, mas também a minha alma.

Meu Deus, se eu tivesse um coração, escreveria o meu ódio sobre o gelo e esperava que nascesse o sol.
Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre as estrelas de um poema de Benedetti, e uma canção de Serrat seria a serenata que ofereceria à lua.

Regaria as rosas com as minhas lágrimas para sentir a dor dos seus espinhos e o beijo encarnado das suas pétalas...
Meu Deus, se eu tivesse um pouco de vida... Não deixaria passar um só dia sem dizer às pessoas de quem gosto que gosto delas.

Convenceria cada mulher ou homem que é o meu favorito e viveria apaixonado pelo amor.
Aos homens provar-lhes-ia como estão equivocados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saberem que envelhecem quando deixam de se apaixonar! A uma criança, dar-lhe-ia asas, mas teria que aprender a voar sozinha. Aos velhos, ensinar-lhes-ia que a morte não chega com a velhice, mas sim com o esquecimento.

Tantas coisas aprendi com vocês, os homens...
Aprendi que todo o mundo quer viver em cima da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a encosta.

Aprendi que quando um recém-nascido aperta com a sua pequena mão, pela primeira vez, o dedo do seu pai, o tem agarrado para sempre.

Aprendi que um homem só tem direito a olhar outro de cima para baixo quando vai ajudá-lo a levantar-se.
São tantas as coisas que pude aprender com vocês, mas não me hão-de servir realmente de muito, porque quando me guardarem dentro dessa maleta, infelizmente estarei a morrer..."


GABRIEL GARCIA MARQUEZ

20 comments:

Agulheta said...

Amiga Maria.Que dizer mais destas palavras de Gabriel Garcia Marquez!Sem dúvida que o homem só deve olhar para outro homem para o ajudar a levantar,hoje em dia só tentam enterrar o mesmo sem dignidade,o atirar as feras.Se realente Deus olha para cada um deve ver o que fazem à humanidade a cada instante.Neste momento nem sei que te diga perante tanta (mentira,desprezo e gente sem valores)que me sinto mal só em ver.
Beijinho bfs

São said...

Boa escolha: gosto muito dele.

Bom domingo.

salvoconduto said...

Dormiria pouco, sonharia mais? Ultimamente é só pesadelos...

Abreijos.

quanto pesa o vento? said...

é por estes textos que gostamos tanto de ler.
obrigado pela partilha.
abraço.

trepadeira said...

Um encanto.
É muito bom ter amigos que nos relembram estas coisas.

Um abraço,
mário

Nilson Barcelli said...

É um texto impressionante.
Querida amiga Maria, tem um bom domingo.
Beijos.

BlueShell said...

Belíssima escolha que dáprazer ler e que nos faz refletir sobre tanta coisa...
fazemos uma análise do que tem sido a nossa vida...e realmente..."e se....?"

Grata.
BShell

Justine said...

Andas com excelentes re-leituras, amiga! O GGM é inesgotável...

Vanda Paz said...

Beijo Maria... em silêncio...

Filoxera said...

Gosto muito do Gabo.
Já li este texto muitas vezes.
Um beijo.

samuel said...

:-))) :-))) Abreijo.

http://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=se%20por%20um%20instante%20deus%20se%20esquecesse%20de%20que%20sou%20uma%20marioneta%20de%20trapos%20e%20me&source=web&cd=10&sqi=2&ved=0CGMQFjAJ&url=http%3A%2F%2Fwww.blassoc.com.br%2Fbettyvidigaltextoggm.htm&ei=eVmkTqezCpDAswak0KnxAg&usg=AFQjCNF0aXbG0TnHHUS72fhd6mDVvUp3ag&sig2=W0c8zWQmQzfT2gDnrlPy9g

Rogério G.V. Pereira said...

Ao ler este texto acho que deve ser abençoado quem inventou as palavras
para de seguida abençoar quem tão justa e certeiramente as usa

(vou "descodificar" o que o Samuel acaba de comentar...)

Luis Eme said...

também tenho aprendido muito com os homens e as mulheres.

e espero continuar a aprender, com o Gabo e também contigo, Maria.

beijinhos

Elvira Carvalho said...

Quando o Homem quer, ele aprende. Mas infelizmente para a humanidade a maioria das vezes ele não quer. E assim é que é tão mais fácil levamntar o pé e apoiá-lo no irmão caído, em vez de se dobrar e esterder-lhe a mão para o levantar.
Um abraço e uma boa semana

Maria said...

Samuel

Obrigada. Não conhecia este texto...

Abreijo.

Paula Barros said...

E a gente lê, lê, lê...e continua a fazer tudo trocado, a fazer tudo errado.

Muito bonito.

beijo

Luis Neves said...

Estes textos de despedida e de fim de uma vida, têm sempre um dramatismo próprio.
é um belissimo texto , apesar de muito sofrido.

vou colar no facebook, Luis

Manuel Veiga said...

sabedoria! de quando "os grandes escritores" eram sábios...

beijo

João P. said...

Maria:

Desconhecia e faz muito sentido o texto do Gabriel Garcia Marquez

Vou-me deitar mais sereno

Grato

Beijo

João

Maria said...

Garcia Marquez! Não há mais nada a dizer...

Obrigada.
Beijos.