Wednesday, December 19, 2007

Dois poemas para José Dias Coelho


Assassinado pela PIDE em 19 de Dezembro de 1961

A José Dias Coelho

Seja minha a tua força, irmão
seja meu o teu braço, camarada
Sejam estes muros não um paredão
sejam uma ponte ou mesmo uma estrada.

Seja nela meu o teu anseio, irmão
seja minha a luta que na tua terra travas
seja ela o fruto das coisas que amavas.

Sejam essas coisas, as mesmas, irmão
sejam as que amo aqui nesta cela
seja para sempre a minha na tua mão
seja para todos uma vida bela
seja nela o trigo com a sua cor dourada
sejam as papoilas vermelhas de querer
seja sempre o dia que sucede à madrugada
seja outro o sentido da palavra morrer.

Sejam os mortos aqui ao nosso lado
sejam os seus também os nossos passos
seja em luta o ódio acumulado
sejam retesados nossos membros lassos.

Sejam as colinas de vontade erguidas
seja a sua força a que do amado vem
sejam nossas as tuas palavras queridas
seja minha a tua vontade também.

E não há muros, bombas ou insultos
que detenham as árvores ao nascer da terra
nem façam brotar flores de pensamentos estultos
nem parar o sol. E não será a guerra
com que os lobos sonham em noites de orgia
que impedirão que nasçam.

Das auroras por nascer
das estruturas por erguer
dos caminhos por andar
das flores por brotar
estendem-se as mãos do futuro
que envolvem teu corpo de bandeira.

(Alda Nogueira, Prisão de Caxias, 1963)
(poema inédito retirado do blog http://www.ascausasdajulia.blogspot.com, cedido à Júlia Coutinho por Alexandre Castanheira)

A Morte saiu à rua

A morte saiu à rua num dia assim
Naquele lugar sem nome pra qualquer fim
Uma gota rubra sobre a calçada cai
E um rio de sangue dum peito aberto sai

O vento que dá nas canas do canavial
E a foice duma ceifeira de Portugal
E o som da bigorna como um clarim do céu
Vão dizendo em toda a parte o pintor morreu

Teu sangue, Pintor, reclama outra morte igual

Só olho por olho e dente por dente vale

À lei assassina à morte que te matou

Teu corpo pertence à terra que te abraçou

Aqui te afirmamos dente por dente assim

Que um dia rirá melhor quem rirá por fim
Na curva da estrada há covas feitas no chão

E em todas florirão rosas duma nação

(José Afonso)

Aconselho uma visita a:
http://docordel.blogspot.com/2007/12/de-um-livro-em-estaleiro-o-assassinato.html
http://docordel.blogspot.com/2007/12/de-um-livro-em-estaleiro-quando-o.html

26 comments:

O Sibarita said...

Dona moça! kkk Ai como cá a repressão jogou duro heimmm? Né mole não fia!

Só quem participou sabe a dimensão disso tudo...

Belos poemas/protestos!

Bjs
O Sibarita

Fernando Samuel said...

Por que é que eu sabia que tu não ias esquecer esta data?... Creio que nos encontrámos na blogosfera. à mesma hora, com o Zé Dias Coelho.

Marias said...

Homenagem merecida a um grande homem que ousou!...

Obrigada por lembrares José Afonso, é um bálsamo ouvir as suas canções!...

Beijinhos

Ana said...

"Na curva da estrada há covas feitas no chão/
E em todas florirão rosas de uma nação"

Ouvir José Afonso, hoje como ontem, é uma promessa em que não podemos deixar de acreditar.

Um beijo, Maria, por fazeres lembrar um lutador.

GR said...

Zeca Afonso imortalizou a morte do poeta!
Desconhecia o belíssimo poema da militante grande Resistente Alda Nogueira.
Fizeste uma lindíssima e merecida Homenagem.
Para mim muito comovente.
Obrigada.

GR

Carminda Pinho said...

Justa homenagem a Dias Coelho.
Um HOMEM que tombou pela LIBERDADE.
Obrigada Maria.

Beijinhos

Isamar said...

"...e agora dizem por toda a parte, o pintor morreu".

Zeca Afonso

Excelente homenagem, querida amiga. Relembrar aqueles que pagaram com a vida o preço da LIberdade nunca é demais. Justa homenagem ao pintor que incomodou a pide.
Bem hajas!

Beijinhos

greentea said...

que venham mais rosas em todas as covas abertas no chão, que floresçam em todos os locais onde agora reina a violencia e o abuso, a fome e os maus tratos. E para que nunca ninguém esqueça a violencia de outrora, a censura e a perseguição que muitos querem gloriosamente apagar !

Rui Caetano said...

A ousadia, a sede de liberdade deve ser reconhecida por todos nós, são estes homens que fizeram o país cair na democracia. Uma bonita homenagem.

Sérgio Ribeiro said...

Obrigado, maria!
Depois de ter colocado, no anónimo, o meu "post" para o dia de hoje, de tanto significado para todos mas com um significado muito especial para mim (et pour cause...), vim visitar-te. E de novo nos encontrámos! Naturalmente!
E, desta vez, muito te agradeço o convite que fazes aos nossos amigos para visitarem uma das minhas "casas". Sabes bem a importância que tem o que lá está escrito nesses dois "posts" e como quero que sejam conhecidos. E serão!
Um enorme abraço

Fernando Pinto said...

dos caminhos por andar

Adorei...

Beijinhos

Tó-Zé said...

Bonita homenagem

Gostei dos poemas

Beijinhoss

pin gente said...

seja um cravo vermelho
na mão de uma criança

Luis Eme said...

Também o lembrei no "Largo"...

A morte dele e a do Alex Dinis são as que mais me tocam, por terem sido ambas, de uma cobardia sem classificação.

Pensar que ainda há quem clame pelo Salazar, autor moral destas e de tantas outras mortes...

abraço Maria

Nilson Barcelli said...

A poesoa da resitência marcou uma época, a ditadura, mas ainda hoje sabe bem ler estas palavras de luta pela democracia.
Boas Festas, beijinhos.

Justine said...

Obrigada Maria, por seres mais uma voz a lembrar, a não deixar esquecer!

samuel said...

Belos versos, grande canção!
Já disse noutro lado e repito aqui, que preferia bem ter sido obrigado a cantar qualquer outra cantiga nas (muitas) vezes que cantei "A morte saíu à rua" e em troca ainda ter o Dias Coelho por cá a produzir o que fazia tão bem... beleza!

eu said...

Li muito sobre a Pide. O que me levou a ler foram as conversas longas que tinha com o meu avô... ele guardava retalhos de jornais dessa época na dispensa, guardava tudo o que lhe era importante ou que o tinha marcado quer pela positiva quer pela negativa, tenho a quem sair ;)
Acontece que quando ele partiu os Filhos trataram de arrumar tudo, guardaram o que tinha valor monetário e deitaram fora o que eu e ele guardamos uma vida inteira...
Assim são as pessoas ditas normais...
beijo Maria
Gosto muito de Ti.

Manuel Veiga said...

beijo. beijo...

sinto pena de não me ter lembrado também...

AJO said...

Passei a correr só para deixar um beijinho... volto em breve com tempo para as palavras que deixas aqui e revelam ser interessantes.... beijinhos

Rain said...

Só me apetece dizer, embora não seja Abril... 25 de ABril SEMPRE, 25 de Abril SEMPRE, 25 de Abril SEMPRE!!!!!!!!!!!

*Um Momento* said...

Belissima Homenagem minha Amiga
Parabéns!!


( ausente em escrita mas nao no pensamento ) Te desejo BOAS Festas e tudo de MUITO BOm a ti e aos teus
BEIJO GRANDE...no teu Coração

(*)

Maria said...

As emoções hoje foram muitas, por tudo o que li por aqui...

Muito obrigada a todos.....
Beijos

o castendo said...

Bom dia maria,
Bela homenagem!
Só por curiosidade: onde fostes descobrir o poema da minha mãe?

Um xi-coração para ti como ela gostava de dizer

Maria said...

o castendo

Descobri-o por mero acaso, no google.
Sabes que eu conheci a tua mãe, no tempo do MDM?
Era uma mulher e peras... Ainda cheguei a levá-la a casa... Alda, a doce Alda, sim, que ela era dura, mas doce...

Um xi-coração para ti

Abrenúncio said...

Bela homenagem através de um belo poema de Alda Nogueira (que eu desconhecia) e através do "mestre" Zeca Afonso.
Passados todos estes anos parece-me que cada vez mais regressamos a esses tempos que no fim de contas não são assim tão longíquos.
Cada vez mais a voz do Zeca se torna mais actual.
A revolução está no ar!
Saudações do Marreta.