Wednesday, September 28, 2022

Pequena elegia de Setembro


Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.

Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos poisados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de Setembro.

Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?

Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.

Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?

Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.

Eugénio de Andrade


2 comments:

- R y k @ r d o - said...

Poema deslumbrante de ler
.
Cumprimentos poéticos
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.

Parapeito said...

Que bom doce Maria, chegar aqui e ter este encontro com Eugénio de Andrade :)
Ele e o Torga são os "omes" que me cativaram mais na minha adolescência .
Que seja sempre dentro de nós que brote o mais belo cantar.
Excelente partilha.
Abraço e brisas doces ***