Saturday, November 19, 2022

CANTAR DE VIVO PARA UM CAMARADA MORTO


(Em memória do meu amigo
José Mário Branco)

Nas mãos do vento uma guitarra arde.
É tarde. É tarde. E o meu poema pouco.
Que um deus qualquer a tua fúria guarde.
Que qualquer deus te ame. Ou qualquer louco.

No fundo do olhar morre a gaivota.
É cedo. É cedo. Vai gritando o vento.
E leva em cada asa uma derrota.
E põe no céu de abril o sofrimento.

É cedo. É tarde, amigo. Ai, é tão cedo!
É tão macia a noite. E negra a cama
coberta com lençóis do teu segredo.

Para ti não há loiros. Não há fama.
E enquanto um povo lavra o chão do medo
um homem rasga as veias sobre a lama.

Joaquim Pessoa

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