Wednesday, April 22, 2009

Comemorar Abril com Natália Correia

QUEIXA DAS ALMAS JOVENS CENSURADAS

Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crânios ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
conosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa história sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte

(Natália Correia)

32 comments:

Carminda Pinho said...

Que saudades da poesia de Natália.
A música, e a voz de Zé Mário Branco transformaram-no num hino de Abril, sim.

Beijos, Maria.

João Paulo Proença said...

Maria:

É um dos poemas da minha vida.

É TUDO

---
E o problema é que nos querem convencer que dando-nos isso dão-nos tudo. Que gente!

Beijo e obrigada

João

margusta said...

Olá Querida Maria,

...o poema é muito bonito!..Não o conhecia...

No memorável 25 de Abril era ainda uma criança, mas lembro como se fosse hoje... a telefonia que só passava música.... Mais tarde, da euforia dos adultos...das fotos nas revistas..dos cravos vermelhos...

Que se faça neste momento justiça a esse dia!..Pois as coisas têm vindo a regredir....

Um beijinho para ti amiga!

Ps: Amanhã vou saber o resultado da anatomia patológica..estes dias últimos têm sido de muita ansiedade, vou tb saber de exame feito ao fígado...

pin gente said...

volto amanhã para ler, maria
vim para deixar um beijo com aroma de cravo

Miguel said...

Os blogs são como as cerejas que se vão provando... e decidi provar este com uma dentada sorridente.
Este poema reportou-me aos anos pós revolução, quando ainda não tinha percebido bem o que se tinha passado, até porque fui á janela e não vi a revolução na rua como os meus pais diziam. Mas lembro-me de um disco pouco tempo depois dos cravos em que a capa era um olho e lá dentro a intervenção em forma de musica. E ouvi e ouvi e reouvi até decorar sem prever. Essa música do JMB fez-me na altura ter vontade de saber tocar. E agora o mesmo poema deu-me vontade de sorrir neste comentário avermelhado de época. Obrigado. E virei mais vezes roubar-te cerejas.

Deusa Odoyá said...

Olá minha amiga.
parabéns, um lindo e doce poema.
Não o conhecia.
Uma semana abençoada por Deus.
Muita paz, amor e luz.
beijinhos doces, minha amiga.
Regina Coeli.

anamar said...

Maria, hoje émesmo dia de Zé Mário... e agrande virtude daa festas...
Como há pouco escrevi noutra lojinha... ´Zé Mário è sempre uma emoção lllllllllllllllooooonnngggaaaaaaaaaa..
(não atigi aquela pergunta que deixaste).... lacuna minha??? Até um destes dias, sem antes acabar a minha festa de Abril no Mar à Vista

BlueVelvet said...

Claro que a dois dias do 25 de Abril não podia faltar Natália Correia.
Mais ainda este poema e o JMB.
O teu bom gosto costumeiro e senso de oportunidade.
Beijinhos

Alexa said...

Lindo
Que saudades daqueles que já partiram Natália Correia Uma mulher com letra Maiuscula .
Faz tanta falta mulheres assim, que saudade. Abraço

Anonymous said...

Ouçam a nova música da Banda Zé Ninguém:

Corrupção

Corrupção em Portugal
Não vai nada nada mal
Este país é a loucura
Está pior que uma ditadura

O governo é uma piada
Nem o circo tem tanta palhaçada
Este país à beira mar
Vamos todos afundar

Por isso eu digo não
Por isso eu digo não
À corrupção
À corrupção

E depois, quem vai pagar!
Andamos todos a brincar!
Nem o gato nem o cão!
Eu aposto um milhão

Autarquia fraudulentas
Presidentas pestilentas
Sabem de quem estou a falar
Ou é preciso explicar?

Senhoras e senhores:
Bem vindos a Portugal!
O País mais corrupto da Europa!
Mais corrupto da Europa!
Não tenha medo, aqui ninguém vai preso!
Ninguém vai preso!
Mais corrupto da Europa!
Mais corrupto da Europa!

Este país é uma demência
É uma grande decadência
Autarquia fraudulentas
Presidentas pestilentas

E depois, quem vai pagar!
Andamos todos a brincar!
Nem o gato nem o cão!
Eu aposto um milhão

Por isso eu digo não
Por isso eu digo não
À corrupção
À corrupção

Banda Zé Ninguém
www.myspace.com/bandazeninguem

Maria P. said...

Que Mulher, que poema...

Beijinho, minha Maria*

clic said...

Ao primeiro verso, ouço de imediato a voz inconfundível de José Mário Branco e tudo fica tão pesente!...

A CONCORRÊNCIA said...

Impossível ler estes versos sem os associar à música, sem ouvir a voz de quem tão bem os cantou, e os canta ...


Beijo grande

CNS said...

Obrigada por este poema. Um dos poemas da minha vida


um beijo

utopia das palavras said...

Natália Correia também ela uma mulher de Abril!
Gosto imenso deste poema e ouvi-lo na voz do José Mário Branco, é faboloso!

Beijo

Teresa Durães said...

a poesia de Natália Correia é fantástica.

Clotilde S. said...

"Ò subalimentados do Sonho, a Poesia é para comer".

Ontem e hoje, Natália, sempre viva!

Beijinhos, amiga!

A.S. said...

Natália... uma Mulher muito à frente dos tempos!
Uma mulher sem medo das palavras, que transformaram a sua poesia em verdadeiros hinos de liberdade!!!


Um beijo Maria!...

Adriana said...

Me fez chorar!

Fernando Pinto said...

Gosto muito das nossas poetisas (ou poetas, como queiras)

Lindo!

P. S. Fico feliz por gostares das minhas fotos, amiga Maria! O teu coração, sim, deve ser grande!

Fica bem!

samuel said...

Uma das cantigas que me formaram...

Abreijos

Tite said...

Não consigo ler este poema sem lhe colocar a música do Zé Mário.

É duro recordar quem nos deixou palavras com tanto sentido que continuam actuais, infelizmente!

Fernando Samuel said...

A Natália nos seus bons (grandes) tempos.

Um beijo grande.

Anonymous said...

ena, ena, tanta inconsciencia! ainda não eram nascidos ou não se lembram da natalia correia a desfilar com fascistas no 1º de dezembro e a declamar: 'eu sei que não vou por aí!'. 'Aí' era o caminho de abril.
a poesia é bonita, mas fiquemo-nos por aí, não é preciso exagerar...

Maria said...

Caro Anonymous :)
Alex:

Pediste, aqui está.
Ainda ontem te disse que era possível saber, a quem tem sitemeter, o IP dos computadores de quem comenta. Mas neste caso nem foi preciso tanto, porque a forma como escreves é inconfundível... para mim, que te conheço há quase 35 anos!!!

Inconsciência espero que não tenhas tu, e desfiles no dia 25, no 1º de Maio e a 23 de Maio. E que votes COMO DEVE SER (e dantes fazias) no dia 7.
A gente vê-se...

:)))

Anonymous said...

Natália Correia.
e está tudo dito.
a escolha dada a época não poderia ser melhor.

beijos meus Maria muitos
stedp

salvoconduto said...

Tive uma cena deliciosa com ela e Helena Roseta nos idos de 1975 no comboio de Lisboa- Porto. Para eu ceder o lugar à segunda teve que declamar um poema. Na altura ainda se fumava no comboio, imagina-a a declamar com a inseparável boquilha.

Abreijos.

Cristina Caetano said...

¨Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro¨. Não conhecia, gostei demais.

Beijinhos

Maria said...

Obrigada a todos por terem passado aqui.

Beijos

bettips said...

Se o lermos (e sabêmo-lo de cor, a cantar, a gritar, a chorar por dentro) quadra a quadra, é mesmo um retrato português.
Bjinhos Maria de todos os poetas de Abril, tão ansiado era!

Arábica said...

Deram-nos tudo isso



a nós, resta procurar o animal
que espetará os cornos no destino.


Abraço,

M. said...

Fantástico este poema!